sábado, 25 de outubro de 2008

Pierre Corneille


A Europa se libertava do medievalismo por meio de uma tremenda explosão criativa durante a Renascença. O passo seguinte era consolidar as vitórias da Renascença, e isso envolvia a estabilização da cultura, especialmente na França e Inglaterra. Também a dramaturgia e o teatro exprimiram essa nova perspectiva de mundo.De modo geral, os dramaturgos submeteram o heroísmo ou o desejo individual ao dever, e subordinaram a paixão à sensibilidade. O teatro exaltou as civilizadas qualidades do refinamento e da ordem. A tentativa de criar uma tragédia da razão foi um nobre esforço, especialmente, no que toca a obra de três autores: Pierre Corneille, Jean Racine e Jean-Baptiste Poquelin (Moliere).Pierre Corneille, nascido em 6 de junho de 1606, foi um dramaturgo basicamente de tragédias, apesar de ter escrito algumas comédias. Corneille surpreendeu o teatro francês com sua peça O Cid (Le Cid), em fins de 1636. Neste ano a Inglaterra estava envolvida com uma convulsão social que iria por fim a sua monarquia absoluta, enquanto na França, a monarquia absoluta se encaminhava para o seu apogeu, sob o reinado de Luis XIII. A centralização do poder e o progresso econômico prosseguiu sob esse reinado; fatos que são indispensáveis para uma compreensão da natureza e da filosofia formais do período neoclássico francês.Corneille, nascido no seio de uma classe média em franca ascensão, era um burguês ascendente, dedicado à Lei, advogado que era. Era chamado de "fundador da tragédia francesa"; escreveu peças por mais de 40 anos. Era o mais velho de seis irmãos. Pertencia a uma família de magistrados de Rouen. Em 1629 um desengano amoroso o leva a escrever seus primeiros versos, para passar em seguida a sua primeira comédia, Mèlite, que entrou no repertório da companhia de um renomado ator da época: Mondory.Corneille cria um novo estilo teatral, onde os sentimentos trágicos são postos em cena pela primeira vez em um universo plausível, o da sociedade contemporânea de sua época. Torna-se autor oficial por nomeação do Cardeal de Richelieu e, posteriormente, rompe com o status de poeta do "Ancien regimem" e com a política controvertida do cardeal para escrever obras que exaltam os sentimentos de nobreza (O Cid), que recordam que os políticos não estão acima das leis (Horácio), ou, que apresenta um monarca que trata de recuperar o poder sem exercer repressão (Cinna).Em 1647 é eleito para a Academia Francesa, ocupando a cadeira número 14 até sua morte, em 1684, quando foi sucedido por seu irmão Thomas Corneille.Haviam dito, sobre sua primeira obra, que estava em desacordo com as regras clássicas, segundo as quais a ação de uma peça deve decorrer em 24 horas, assim como é preciso que seu texto seja vazado em estilo nobre. Corneille decidiu escrever algo que estivesse em conformidade com as regras e fosse "em geral desprovido de valor". Escreveu quatro comédias, e sua primeira tragédia foi a imitação da obra clássica, Médeia, de Eurípides. Porém, a vibrante narrativa dos feitos do mais popular herói espanhol, feita por Guillén de Castro, o atraiu de tal forma que teve como resultado a tragicomédia O Cid.Nenhuma outra peça traz tão claramente a marca deste poeta rústico, que faz o possível para inserir sua obra nos cânones aristotélicos do neoclassicismo francês. O Cid é, por certo uma obra de transição, assim como seu autor também o é.Na estrutura e no estilo da peça não se observava com rigidez as regras que eram impostas ao drama naquele período histórico. É bem verdade que ele adulava o princípio de que a ação deveria acontecer num único lugar, durante um único dia. Mas os tempestuosos acontecimentos de O Cid violam o espírito dessas leis. Em 24horas o personagem Rodrigue (O Cid) declara seu amor, trava seu primeiro duelo, mata o pai da mulher que ama, repele uma invasão nacional, ganha um julgamento por combate e no decurso de tudo isso, perde e reconquista o favor de seu rei e da dama de seu coração.O Cid representou o último tributo de Corneille à individualidade. A partir de então o autor segue sua busca nunca brilhantemente sucedida de ir ao encontro das unidades de tempo, de ação e de lugar, que modelaram a escrita dos séculos XVII e XVIII, na França.Um áspero poder perpassa o Horácio, sua peça seguinte, na qual Corneille aceita claramente as unidades dramáticas de seu tempo. É o conflito entre o amor e o dever patriótico. Os antigos romanos e seus vizinhos albanos acham-se em guerra. mas Sabina, uma albana de nascimento, é casada com Horácio e Camila, irmã de Horácio se apaixona por Curiácio, irmão de Sabina. A rivalidade nacional cruza, ao acaso, o caminho da afeição natural e os amantes e as famílias. Advém a crise quando Horácio e seus irmãos são designados para combater os albanos, entre eles, Curiácio. Horácio vence, as custas da morte de Curiácio, amado de sua irmã. Outra tragédia segue-se quando Camila, transtornada, incita o irmão a tirar-lhe a vida. Tema que nunca se esgota. Sempre que há nações em guerra, há casos de amor, de separação e de muita dor entre povos parentes e rivais.Após a morte de Richelieu, em 1643, a crise de identidade que padece a França se reflete na obra de Corneille: acerta contas com Richelieu em "la Mort de Pompée", escreve "Rodugone", uma tragédia sobre a guerra civil, e desenrola o tema do rei oculto em "Heráclito", "Don Sanche d'Aragon" e "Andrômeda", perguntando-se sobre a natureza do rei, subordinado às vicissitudes da história, fazendo assim que este ganhe humanidade. Foi precisamente a maquinaria necessária para pôr em cena Andrômeda, o que justificou a construção do Teatro de Petit-Bourbon, em 1650.A partir de 1650, suas obras conhecem menores êxitos, até o fracasso de "Pertharite", Corneille deixa de escrever durante vários anos.O velho poeta não se resigna e renova o teatro com a tragédia Édipo.Corneille continua inovando o teatro francês até sua morte, os efeitos especiais ("O Velocinode Ouro"), e provando com o teatro musical ("Agésilas", "Psyché"). Também aborda o tema da renúncia, através da incompatibilidade do cargo real com o direito da felicidade ("Sertorius", "Suréna")Ao final de sua vida, a situação de Corneille é tão ruim, que o próprio Boileau solicita para ele uma pensão real, que Luis XIV concede. Corneille morre em Paris em 11 de outubro de 1684.A extensão e riqueza de sua obra fez com que, na França, surja o adjetivo corneliano, cujo significado, hoje em dia, é bastante extenso, mas que significa a vez da vontade e do heroísmo, da força e da densidade literária, da grandeza da alma e da integridade e uma oposição irredutível aos pontos de vista.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Classicismo Francês, um movimento intencionalmente rígido

Classicismo Francês, um movimento intencionalmente rígido

Heranças:
- Atores e atrizes juntos;
- Teatros com teto;
- Textocentrismo;
- Ator declamador;
- Valorização da comédia;
- Público pagante.
- Reescrituras das tragédias gregas, atenuadas;
- Teatro Elisabetano é visto como um teatro bárbaro;
- Teatro dos palácios e salões;
- “Arte Poética”, de Nicolas Boileau: manual estético da doutrina clássica; propõe as regras do bem escrever;
- Adota os princípios da “Poética” de Aristóteles;
- Lei da verossimilhança;
- O belo como condição indispensável;
- Adota a regra das três unidades;
- Desprezo pela arte que se aproxime do popular;
- Texto rígido, contido, metrificado e rimado;

Principais autores:

CORNEILLE:
- Escreve Medeia, uma imitação clássica e outras tantas;
- Escreve O Cid, seu texto mais célebre e inverossímil – torna-se um dos principais textos do chamado neoclassicismo francês;
- Entre o Cid e suas últimas obras, sua dramaturgia tornou-se cada vez mais rígida.

RACINE:
- Seu talento transformou as restrições em vantagens;
- Foi o poeta do coração feminino;
- Escreve Fedra, o mais importante texto clássico deste movimento, tornou-se o “grande desafio às carreiras de grandes atrizes em todo o mundo; Isadora Duncan, Sarah Bernard, Fernanda Montenegro e tantas outras a representaram;
- Tem sua carreira encerrada por intrigas da corte;
- Se torna um fervoroso jansenista;

MOLIÈRE:
- Maior dramaturgo cômico da França;
- Sua companhia teve sucesso ininterrupto;
- Teve a Corte e o público comum ao seu lado; apesar de polemista;
- Foi ator, o que era muito mal visto na época e que o impediu de ser enterrado com as honras que lhe seriam devidas;
- Sua irreverência com a igreja resultou em uma obra-prima: Tartufo, no entanto a obra ficou proibida por mais de cinco anos;
- Dentre tantas, podem ser consideradas principais peças: Escola de Mulheres, Escola de Maridos, Tartufo, O doente Imaginário, As preciosas ridículas, O avarento, O burguês fidalgo, Anfitrião, O misantropo e Dom Juan.

DIDEROT:
- Dirige a Encyclopèdie, junto com D’Alambert – se propõe a tornar o saber mais acessível;
- Notabilizou-se como teórico de teatro;
- Afirma que a submissão às regras é a morte do gênio;
- Propõe resgatar o espetáculo no teatro;
- Combate o textocentrismo dos neoclássicos;
- Combate um teatro de grandes poetas, seduzidos por achados poéticos e grandes efeitos declamatórios.
- Criador do “drama burguês”- Escreve o “Paradoxo do Comediante” uma espécie de texto teórico sobre o ator.

sábado, 4 de outubro de 2008

Molière e a comédia da sociedade


É uma curiosa indicação da complexidade do homem e seu mundo que a era de Corneille e Racine tenha sido também a era de Molière. Pois enquanto a tragédia estava erigindo uma torre de poderosa dignidade, a comédia estava ocupada em demoli-la. Enquanto a tragédia investia a sociedade aristocrática e da alta classe média com vestes cravejadas de jóias, a comédia as arrancava ate pôr a nu a truanesca roupa de baixo- e qual a sociedade que não usa por baixo uma roupa de truão? Aqui, novamente, a França do século XVII assumiu a liderança. Da conjunção de uma era e de um temperamento surgiu uma grande figura que lança sua ampla sombra sobre todo o teatro europeu, Molière, o mestre cômico da dramaturgia moderna.
O temperamento cômico de Molière
Seu aspecto comum é o de uma observação desinteressada, como se estivesse vigiando um movimentado campo e tendo o lazer de dardejar as partes escolhidas sem qualquer ansiedade agitada.
Molière não era um reformista do gênero militante. A indignação não se constituía numa prova de bom gosto quando o ideal predominante da sociedade francesa era o equilíbrio da razão. Simplesmente ria. Conseqüentemente seu método cômico era seguro e límpido. A maior parte de suas peças foi escrita nos formais versos alexandrinos, com uma adesão geral às unidades de tempo, lugar e ação. Mesmo quando tinha mais de uma trama nas mãos, sua estória permanecia lúcida e os acontecimentos eram escrupulosamente equilibrados. Seu estilo era lúcido mesmo nos momentos mais tensos, e contido mesmo nos momentos mais lúdicos, pois sua risada estava, no melhor dos casos, sem deixar de ser uma risada, “mais próxima de um sorriso”, era em suma “ o humor do cérebro”.
Nas comédias de Molière a Justiça é sempre feita. Não há intrusão do homem de sentimentos ou preconceitos para prejudicar o tom equilibrado de sua forma cômica. Apenas no que diz respeito a essa balanceada abordagem da humanidade é que as palavras de Bérgson, “o riso é incompatível com a emoção” são verdadeiras no caso de Molière.

A comédia humana de Molière
Catorze anos depois de Corneille mas dezesseis antes de Racine, aos 15 de janeiro de 1622, nasceu Jean –Baptiste Poquelin (Molière). Educado na casa de seu pai, um próspero tapeceiro, o rapaz recebeu todos os confortos sem ser estragado pelos excessos. Ademais, em breve o pai viu-se ligado à corte côo um dos oito valets de chambre tapissiers do rei, homem que estavam encarregados das tapeçarias e das mobílias reais. O título deu ao velho Poquelin alguma posição social; afora isso, a obrigação de freqüentar os palácios do rei durante três meses por ano representavam uma abertura suficiente para o circulo fechado que seu filho. Viria a satirizar de forma tão ínfima. O rapaz logo começou a demonstrar dotes para a mímica. Aos quinze anos ficou com o pai, cujo oficio já devia ter aprendido a essa altura, embora sem grande aplicação. Em 1636, o ano de O Cid e do famoso ensaio de Descartes sobre os processos da razão. O Discurso do Método, entrou na melhor escola de Paris, o Collège de Clermont.
Instruídos pelos Jesuítas, que produziram tantos livres-pensadores com seu excelente currículo, Molière adquiriu o firme domínio da lógica e da retórica. Aí também se familiarizou com a comédia romana e seus dotes histriônicos foram estimulados pelos mestres, que não apenas incentivavam a declaração pública como pediam aos alunos para representar peças latinas escritas pelos professores de poesia e retórica. Além disso, travou lá uma valiosa amizade com o jovem príncipe de Conde ET Chapelle. Molière, o futuro cético, provavelmente deveu muito à instrução formal que recebeu desse homem brilhante que conhecia todos os ramos da ciência, correspondia-se com Kepler e Galileu e era um admirador de Lucrécio. Não deixa de ser significativo o fato de que o primeiro esforço literário de Molière tenha sido uma tradução do tratado poético de Lucrécio sobre o epicurismo e a teoria atômica, De Rerum Natura. Se tornou necessário ao rapaz escolher uma carreira, enveredar pelo Direito. Mas o teatro exercia um fascínio muito grande sobre alguém que era um ator por natureza e de há muito sentia –se atraído pelos comediantes italiano que representavam em Paris. Em julho de 1643, entrou para uma companhia amadora que trabalhava numa quadra de jogo de péla e ostentava o grandiloqüente nome de L’Illustre Theâtre. O grupo mudou-se para uma quadra de tênis mais ampla e começou a cobrar ingressos mas os resultados foram desastrosos . a companhia reorganizada, contava agora com o bufão Dupare, conhecido por Gros-René e a ruiva e perfeita Madeleine Béjart, que conquistou o coração de Molière. Provavelmente com o fito de poupar ao pai embaraço de ter um ator na família, o o jovem Poquelin mudou o nome para Molière e rapidamente se devotou à empresa. Em 1644, a companhia fez uma estréia formal num bom teatro. Mas os resultados teimavam em não aparecer e Molière não apenas se endividou pesadamente como acabou sendo encarcerado durante uma semana por seus credores.
Contudo, a pequena companhia partiu para a província e, amadurecido por três anos de luta em Paris, aos vinte e cinco anos de idade. Molière estabeleceu-se no difícil negócio de criar uma bem-sucedida companhia ambulante. Tornou-se um astuto empresário cujo gume foi naturalmente afiado por doze anos de perambulações.
Havia de doze a quinze companhias nas mesmas condições, a competição era forte e as privações e humilhações eram muitas pois que os atores não possuíam ‘status social’ e eram forçados a enfrentar um grande número de leis puritanas. Mas a experiência era inapreciável e a companhia converteu-se no mais perfeito grupo de comediantes do reino. Foi crucial sua estada em ‘Lyon,’ onde permaneceram durante algum tempo. Ali Molière, fez-se um ator rematado. Seus gestos eram ligeiros, seu poder de sugestão, profundo; ademais, era um excelente orador informal. Ali também dominou a arte de escrever para teatro, combinando os truques e tipos característicos da comédia italiana com sagaz observação da vida francesa.
Em Lyon produziu uma dúzia de peças. Sua primeira obra importante. L’Etourdi (O Aturdido), peça de cinco atos em alexandrinos rimados, seguia as escapadas do astuto criado Mascarille que planeja inúmeros artifícios para auxiliar o caso de amor de seu amo Lélie, apenas para vê-los arruinados pelo amante com sua atabalhoada interferência. A peça obteve um êxito notável e a companhia ganhou novos membros, entre os quais o excelente Lagrange e Mademoiselle Debrie que suplantou Madeleine Béjart nas afeições de Molière.
Molière aproveitou esses tempos de experiência, sua saúde incerta melhorou no clima quente e sua carreira de autor ganhou pleno impulso. Aconselhados por amigos a instalar a bem-sucedida companhia nas imediações de Paris, Molière levou seus atores a Rouen. Lá o irmão mais moço de Luís XIV, o Duque d’Anjou s tomou sob seu patrono e aos 24 de outubro de 1658, fizeram finalmente a reverencia ao Rei no salão da guarda do antigo Louvre. Inconscientes de suas limitações no campo trágico, cometeram o erro de apresentar uma obra de Corneille, Nicomède. Mas, Molière adiantou-se após a conclusão da tragédia e pediu permissão ao rei para apresentar um de seus sazonados interlúdios. Sua oferenda era apenas a farsa ligeira Le Docteur Amoureux, ( O Doutor Enamorado), mas foi tal o favor obtido que a companhia recebeu permissão para usar o teatro do Petit-Bourbon durante alguns dias da semana. Assim o teatro era dividido alternadamente entre os atores franceses e uma companhia de comediantes italianos.
Lá, numa plataforma rasa de uns cem pés por quarenta, frente a uma platéia ocupada por plebeus que permaneciam em pé circundada por galerias divididas em camarotes para as damas. Molière dispunha quase de um teatro elisabetano. O cenário não era amplo, o palco da casa totalmente fechada onde as peças eram encenadas no fim da tarde apresentavam-se parcamente iluminado por velas. E os atores esbarravam nos janotas sentados na plataforma. A não ser quando encenava na corte uma comédia-balé teatralmente engenhosa. Molière via-se às voltas com condições físicas inadequadas e difíceis . precisava de um humor continuo e vigoroso se desejava superar tais limitações. A obra de Molière precisava combinar a polidez com a vivacidade, a A commedia dell’arte , com a alta comédia.
Continuou a representar tragédias ou peças heróicas de Corneille e chegou a tentar escrever uma pessoalmente, à lamentável Don Garcie de Nayarre.
Molière tinha quarenta anos, idade perigosa para um solteirão inflamável. No mesmo ano de 1662, marcou o início de seus infortúnios privados. Madeleine Béjart possuía uma irmã mais jovem, Armande, que atingira a maturidade sob seus próprios olhos, ele dera-lhe um papel central em Escola de Maridos e a jovem mostrava-se eficaz para a coqueteria n palco. Molière encontra no teatro um negócio lucrativo, mantinha excelentes relações e possuía amigos de influencia, afora isso, recebia suas visitas com demonstrações de prodigalidade. Estava pronto para o deleite de um novo romance. Por outro lado, Mademoiselle Debrie, sua amante e leal amiga, estava mais próxima de sua própria idade que a jovem e fascinante atriz, contra todo seu melhor discernimento, Molière cortejou Armande e – infelizmente foi aceito. Sob a supervisão do esposo ela se transformou numa atriz consumada que era igualmente eficaz em papeis delicados e indelicados, e assim sendo, daí em diante Molière escreveu suas peças com o objetivo de mostrar o talento da jovem Armande. Esta também lhe deu três filhos, dos quais apenas um sobreviveu ao pai. Mas, afinal de contas era vinte anos mais velho que ela e destarte o supremo satirista dos maridos ciumentos, e traídos, tornou-se assaz ironicamente, um tema adequado para suas próprias peças. Ela era uma oportunista, fátua, frívola e calculista que tornou seu curiosamente apaixonado marido tão miserável na vida particular, quanto se mostrava alegre em público. A partir daí seu riso tornou-se ‘ algo vencido’ .
Luís, ávido por divertimento, considerava Molière, um simples provisor de alegria e ficou surpreso quando Boileau lhe disse que o comediógrafo era um grande homem. Mas ainda que Molière continuasse perceptivelmente a considerar a diversão como seu principal negocio, sua arte estava se desenvolvendo em escopo e seriedade. É significativo que sua contribuição para os festivos Prazeres da ilha Encantada , em Versailles em 1664 não fosse a costumeira bagatela mas sim uma versão em três atos de sua grande sátira contra a hipocrisia religiosa Tartuffe (Tartufo). E mesmo Luis foi obrigado a reconhecer que seu bobo da corte havia ultrapassado as medidas. O rei o proibiu de apresentar a peça em público, e cinco anos iriam passar-se até que o público da cidade pudesse ver a peça no palco em sua forma reelaborada e final.
A França era varrida por uma reação contra a crescente vaga de ceticismo religioso e cientifico. O pensamento liberal era denunciado pelas seitas religiosas, entre as quais as mais ativas eram os jesuítas e os Jansenistas. A devoção se transformava em moda e nem toda as suas manifestações eram desinteressadas e sinceras. Tartufo era a encarnação da devoção egoísta e desonesta, e o drama que o mostrava insinuando-se em um honrado lar e virando-o de cabeça para baixo com suas intrigas resultou em poderosíssima sátira. Custou ao autor ser acusado de ateu por aqueles cujas sensibilidade haviam sido ofendidas. Insistiu que não havia atacado a religião e sim a forma pela qual podia ser usada para disfarçar o interesse próprio. Ademais, Molière teve a sabedoria de lembrar que o objeto da comédia é o riso e a diversão. Tartufo é uma força tanto ridícula quanto sinistra.
Apresentado no teatro do Palais-Royal em 1666, O Misantropo, não logrou rápida popularidade. Prescindia da ação vigorosa ou espetacular e apelava para a inteligência. É a mais fria e olímpica de suas comédias. A peça simplesmente gira ao redor de Alceste, um homem reto cujo desgosto para com as loucuras, afetações e corrupção da época chega às raias da obsessão. O mundo social que adeja à sua volta é uma coleção de almofadinhas, bajuladores, intrigantes e namoradores. Julga impossível conviver com eles, ainda que seu leal amigo Philinte lhe aconselhe cautela. O ponto fraco em sua couraça é o amor que por uma mulher incuravelmente flertadora,à qual – como acontecia com o próprio Molière – ama em oposição ao que lhe fiz o melhor discernimento. Mas a despeito da paixão que sente por ela, não consegue violentar-se a ponto de aceitar o mundo de intriga que é o habitat natural da moça. Perseguir a integridade sem levar em consideração as realidades sociais e exigir o impossível de uma mulher superficial só podiam conduzir a um desastre pessoal. A sociedade, como ele a descreve, não pode ser reformada porque o gênero humano é fundamentalmente corrupto.
Amphitryon (Anfitrião), a comédia der Plauto sobre o divino leito conjugal, e pela obra mais acerba.
A peça que marcou, de fato, um retorno à sátira, e sua obra seguinte L’Avare (O
Avarento), baseada na Aululária de Plauto, é uma caricatura da avareza e da cobiça, tendo algum parentesco com o Volpone de Bem Jonson.
Molière criou uma obra-prima final com Lês Femmes Savantes ( as Sabichonas), em as Sabichonas escreveu uma de suas mais serenas comédias. Molière criou uma casa de mulheres que buscam o saber com o agitado ardor de um bando de grasnantes gansas.a moda do preciosismo entre as damas literatas vinha crescendo novamente sob a forma de um cultivo pretensioso e superficial dos clássicos e das ciências, e já era tempo de extirpá-la mais uma vez. A maneira pela qual as novas preciosas são derrotadas por uma cativante filha da casa cuja felicidade é ameaçada pelo pedantismo das outras se constitui no eixo desta comédia de caracteres finamente cinzelada. Mais uma vez, indignaram-se a pedante e esnobe Madame de Rambouillet e sua corte. Mas Trissotin, o bombástico xodó dos salons, foi totalmente afastado de Paris depois que Molière o caricaturou na figura de Tricotin. Tornou-se o objeto de ridículo de toda a capital e abandonou o púlpito que ornamentara com sua presença.
A saúde de Molière, porém, começa a falhar, durante quase toda a vida sofrera de tuberculose e agora a doença ganhava terreno com rapidez. Teve tempo de escrever apenas mais uma peça; bastante apropriadamente, uma sátira à classe médica de sua época que nada podia fazer para agudá-lo Le Malade Imaginaire ( O Doente Imaginário). Molière interpretou Argan pessoalmente, e sua aparência física só podia realçar o realismo da interpretação. Não desejando causar qualquer perda finalmente à sua fiel companhia, não levou em consideração o conselho de amigos e compareceu à quarta apresentação da peça numa situação critica. Foi tomado por convulsões e morreu, algumas horas mais tarde, aos 17 de fevereiro de 1673, nos braços de uma irmã de caridade enquanto os padres se recusavam a ministrar-lhe a extrema unção porque fora um ator. A Igreja aprovou a conduta de seus ministros e negou ao corpo o sepultamento no cemitério paroquial. O funeral foi adiado por quatro dias e se necessária a intervenção do rei para que o maior homem de sua época pudesse ser enterrado com uma cerimônia simples da qual foi omitido o serviço solene.

Racine (1636-1699)


O teatro e a dramaturgia deviam possuir a beleza formal de um camafeu cravejado de pedras. A peça devia mostrar o mínimo de ação possível; os acontecimentos deviam ser relatados por mensageiros; as personagens deviam revelar suas emoções conversando com essas chatices do teatro francês e o drama devia ser confinado a uma situação central. Nenhuma regra formal obstruía a escolha do conteúdo, mas estava, mais ou menos entendido, que o amor entre os sexos era a principal maravilha do teatro. Excluíam-se temas contemporâneos e gente de classe baixa era proibida de pisar no palco trágico. Ademais se pretendia que as personagens fossem mais tipos do que indivíduos com personalidades distintas.

Ordem e Sensibilidade: Racine (1636-1699)

Racine foi capaz de transformar as restrições pseudoclássicas numa vantagem. Isso em parte porque seu dom para o refinamento resultou em maravilhosa música verbal concedida apenas aos genuínos poetas, e em parte porque sua compreensão do coração feminino era extremamente natural e profunda. Ele assimila a feminilidade sem abandonar a masculinidade. A bissexualidade emocional, que Havelock Ellis e outros, notaram no temperamento artístico visivelmente existia nele. Não é sem razão que tantas de suas tragédias tiram seus nomes de personagens femininas.
No entanto unicamente essas qualidades não são suficientes para fazer um dramaturgo importante. Racine tinha a felicidade de possuir duas qualidades indispensáveis para a tragédia: um temperamento dramático e uma estranha perturbação do espírito. Seu talento pode ser comparado a um pequeno vulcão.
Nascido em 1639 no seio de uma família abastada, ficou órfão aos quatro anos, foi educado por parentes fanáticos e finalmente enviado para o mosteiro de Port Royal, a sede da seita Jansenista, a qual sustentava que todos os homens, exceto alguns poucos indivíduos escolhidos aos acaso para serem beneficiados com a graça divina, estavam destinados à danação eterna. Embrenhou-se no latim e no grego por quadro anos, estudando Sófocles e particularmente Eurípides. Mas também se perdeu em romances que eram totalmente condenados por seus instrutores. De Port Royal foi para o colégio d’Harcourt a fim de estudar filosofia e então oscilou entre direito e teologia. Finalmente escolhendo a última (teologia), mas mesmo naquela época, não podia resistir à atração de uma carreira literária. Estabeleceu-se em Paris, entregou-se aos prazeres da capital,
Amasie, sua primeira tragédia, foi comprada, mas não encenada pela companhia de Bourgogne. Entretanto a fortuna lhe sorriu quando Molière o amparou e encenou sua segunda peça, a Thebaïde , em 1664. a ela segui-se outra abordagem de temas gregos. Alexandre Le Grand. Demonstrando ingratidão, Racine deu a peça aos rivais de Molière. Sendo os atores do Bourgogne mais hábeis na interpretação de tragédias que os “Comédiens Du Roi” de Molière, a comparação dos dois espetáculos foi desfavorável ao segundo. Molière, que emprestara dinheiro a Racine e continuara a apresentar La Thebaïde com prejuízo, ficou profundamente ferido e nunca mais voltou a dirigir a palavra ao tragediógrafo.
No entanto, Racine ficou satisfeito por encontrar a excelente companhia Bourgogne à sua disposição e logo depois em 1667, entregou-lhe sua primeira tragédia memorável, Andromaque. Andrômaca, a viúva de Heitor, é amada por seu conquistador, Pirro, o filho de Aquiles que matara seu marido em Tróia. A memória do herói ao qual entregou seu amor é demasiado grande para que ela possa suportar a idéia de um segundo amor. mas é obrigada a suportá-la, pois apenas através do casamento com Pirro poderá salvar seu filho Astianax da destruição pelos gregos, que estão ansiosos por aniquilar a semente de Heitor. Assim sendo, concorda em casar com Pirro depois de conseguir dele a promessa de que protegerá Astianax e decide suicidar-se depois da cerimônia do casamento. A tragédia chega ao clímax quando a princesa grega Hermione, sujo amor por Pirro é uma obsessão avassaladora, consegue convencer Orestes, que a ama, a matá-lo, apunhalando-se em seguida.
Racine consegue outorgar realidade emocional aos conflitos internos de uma mulher que é leal ao seu primeiro amor, mas deve acomodar-se às circunstâncias de uma jovem cuja paixão a leva a destruir o homem a quem ama.
Eurípides, sabia como transformar suas tragédias numa crítica à vida, uma vez que possuía o dom de olhar para a humanidade de forma ampla, enquanto Racine raramente se ergue acima da situação imediata de sua peça. Mas a tragédia de Racine também tem sua validez, como drama psicológico. É uma comovente elaboração da paixão humana.
O passo seguinte de Racine foi uma incursão pela comédia, com uma divertida e feroz adaptação das Vespas de Aristófanes, intitulada Lês Plaideurs (Os Demandistas). Escreveu a maior parte da peça numa hospedaria da moda, como um exercício de espírito,não empregando grande força na obra.
Racine, retornou ao seu campo em Britannicus, uma forte pintura de Nero e sua corte.
Racine não podia escrever uma crônica da vida de Nero dentro dos limites das unidades de tempo, lugar e ação. Podia apenas concentrar-se numa situação que anunciava a carreira do tirano. Agripina, a ambiciosa mãe de Nero que o levou ao trono. Encontra razões para encarar o futuro caminho do filho como tortuoso. Ele é inescrupuloso em suas paixões e permite apenas a opinião de Narciso, um conselheiro pleno de perversidade. Apaixonando-se por Junia, que está prometida a Britânico, o legitimo herdeiro do trono, ele a rapta e envenena Britânico enquanto lhe protesta os mais calorosos votos de amizade. Junia, foge para o templo das vestais e dedica-se aos deuses e Narciso é assassinado pelo povo enraivecido no momento em que tenta arrancar a moça do altar. Nero é tomado de ira impotente, e sua mãe, bem como seu tutor nada podem fazer exceto esperar que esse crime seja o último do jovem príncipe. Assim, Nero é deixado num ponto crítico do desenvolvimento de seu caráter. O que para os elisabetanos seria apenas o início de uma tragédia, transforma-se aqui numa peça completa. Não obstante, Racine torna vibrante a crise que domina toda a peça e a carrega de força dramática e psicológica.
Mithridate, escrita em competição com Corneille que já ia entrando em anos, é outro drama eficaz sobre a paixão de um homem por uma mulher, ainda que lhe falte o alcance e a profundidade de Britannicus. Sua superioridade sobre a obra de Corneille era patente e seu êxito foi considerável. Também por volta dessa época Racine conquistou a grande honra de ser eleito para a Academia Francesa, que o escolheu ao invés de Molière quando este se recusou a abandonar a humilde profissão de ator.
Racine começara a fazer inimigos co sua língua afiada e comportamento altivo. Uma dessas cabalas literárias que deixam os franceses em ponto de fervura foi organizada contra ele, e um novo dramaturgo, Pradon, foi exibido e lançado à notoriedade. Racine, entretanto, contra-atacou com sua Iphigénie, uma versão do sacrifício de Ifigênia em Áulis, plena de gratificante sensibilidade. Racine triunfou novamente ainda que sua nova tragédia não fosse de molde a permanecer pelos séculos. Tampouco podia haver qualquer discussão quanto ao mérito de seu novo saque da dramaturgia euripidiana. Phèdre.

No Hipólito de Eurípides, Racine encontrou um tema de amor-paixão que trouxe à tona seus maiores poderes. Desapareceu na tragédia francesa o provocativo conflito simbólico entre os dois instintos humanos representados respectivamente por Artemis e Afrodite. Desapareceu também o profundo simbolismo psicológico de um jovem destruído pelo instinto do amor ou a Afrodite que ele negou em si mesmo. Ao invés disso temos a destruidora paixão de uma mulher por seu enteado, Hipólito. Este foi dotado, inclusive de uma namorada. Há muito “embelezamento “e apelo ao sentimental em Phèdre. Contudo, dentro dos limites do classicismo francês, a peça somente podia afigurar-se como um tremendo Tour de force, pois que é extraordinária por sua exploração das profundezas de uma mente obcecada pela paixão.
O crescimento da paixão de Fedra pelo filho do marido e sua luta contra esse amor, esforço que a vem consumindo, são apresentados de forma muito viva. Ela vem rejeitando alimentos já há três dias. Finalmente Oenone, sua ama, descobre a fonte da doença e devotadamente decide-se a cura-lá. Uma vez que, à boca pequena, se diz que Teseu foi morto durante suas viagens, ela argumenta que a paixão de Fedra não é mais criminosa. Numa cena angustiada Fedra revela, sua paixão a Hipólito. Mas é rejeitada por ele e, esmagada de vergonha, foge apressadamente. De repente Teseu retorna e, temendo que Hipólito acuse sua ama ao pai, a devotada Oenone resolve acusá-lo antes. Hipólito por demais honrado para lançar a vergonha sobre a madrasta justificando-se, deixa-se amaldiçoar pelo pai. A maldição o destrói e Fedra esmagada pela dor, mata-se.
O papel de Fedra é tão magnificente que se tornou a pièce de resistance de todas as atrizes trágicas francesas. A famosa Rachel e Sarah Bernhardt não conquistaram lauréis mais honráveis que seus triunfos nesse papel.
A esta altura, no entanto, a cabala contra Racine á estava em pé de guerra e recorreu ao expediente de conseguir fazer encenar outra Phèdre, escrita por Pradon, dois dias depois da apresentação da primeira. Comprando poltronas para a estréia de Racine, deixaram-nas desocupadas, lançando um gelo sobre a apresentação. Por outro lado, compareceram à peça de Pradon, transformando-a num insigne sucesso. O Affaire Phèdre foi um exemplo tão conspícuo de perversidade e Racine ficou tão profundamente ferido por ele que se retirou do teatro. Desgostoso voltou no fim de 1677 para Port Royal que recebeu vivamente o filho pródigo sob seu manto. Do ponto de vista Teológico, podiam argumentar, sua última peça era puro jansenismo; pois não era a tragédia de uma mulher que possuía todas as qualidades com exceção da graça de Deus, sem a qual não há salvação possível! Dominada por sua flamme funeste e agudamente cônscia de sua culpa e danação, Fedra era uma heroína decididamente aceitável para os Jansenistas. Port Royal reconquistou seu autor por completo, e deu ao antigo amante de uma atriz popular uma piedosa esposa que jamais lia uma linha de suas peças. O próprio Racine começou a considerá-las um crime contra a verdadeira religião.
Racine voltou a residir em París e continuou seus trabalhos literários como historiador do rei. Voltou a produzir para teatro apenas em duas ocasiões, ambas com objetivos religiosos. Esther, a primeira delas, narrava a conhecida estória de Haman e da rainha judia que salvaram seu povo de um pogrom. Escrita em excelentes versos.
Embora Racine tenha recusado a permissão para sua apresentação num teatro público, voltou para a dramaturgia com entusiasmo renovado e, um ano depois, produzia a segunda tragédia de Saint Cyr, Athalie, que muitos consideram sua maior obra. A tragédia.
Athalie, é uma obra emocionante. Em parte alguma é tão grande o poder lírico de Racine e em parte alguma encheu ele o seu palco rigidamente limitado com tanta ação e arrebatamento. A idolatra rainha Atália, que assumiu o poder assassinando a família real (que era sua própria família) é perturbada por um sonho onde é avisada que ainda vive um herdeiro do trono. E isso é verdade. Trata-se do jovem Joas, que fora salvo pelo sumo-sacerdote e educado no templo Atália entra no templo, conversa com Joas sem saber de quem se trata e sente-se singularmente tocada de afeto por ele. Mas chegou o momento de colocar no trono o jovem príncipe, que observará fielmente a verdadeira religião hebraica. Em conseqüência, o sumo-sacerdote Joad arma os Levitas, separa Atália de sua guarda e consegue que a matem. A peça se encerra por um rapsódico hino de triunfo.
Embora negada ao teatro público, Athalie foi encenada com retumbante êxito tanto em Saint Cyr quanto em Versailles no ano de 1691. não obstante, os últimos dias de Racine foram toldados pelo desfavor na corte. Aventurara-se a esboçar um plano para a melhoria da condição em que viviam os pobres, cujo número crescia cada vez mais enquanto Luís XIV sugava o povo com sua extravagância e suas geurras imperialistas. O autocrático governante ficou irado ao encontrar Mme de Maintenon lendo a proposta de Racine. “Racine não deve imaginar que, por ser um grande poeta, deveria ser ministro do Estado”, declarou o rei. Virtualmente expulso da corte, Racine adoeceu com a humilhação. Angustiou-se a ponto de enfermar e morrer aos 21 de abril de 1699. em suas obras completas Racine deixou uma herança que deu expressão a alguns dos mais típicos elementos do temperamento francês. Sua sensibilidade e relacionamento com a paixão e o amor.
A paixão era o domínio próprio do dramaturgo de que se disse que suas personagens femininas eram “belas mulheres cheias de graça da Ática, mas às quais faltava a graça de Deus”. Enquanto Corneille celebrava a força do homem, Racine, dramatizava a fraqueza do homem, e a falha trágica de suas personagens na maioria das peças é representada pela vitória da paixão sobre a razão. E o mesmo dualismo aparece em sua técnica, que é mais ordeira que a de Corneille. A concentração no momento crucial da vida das personagens e não na evolução que conduz à crise cria uma forma dramática compacta, racionalmente ordenada. Ademais, a ação é relegada a eventos fora do palco, narrados por mensagens e se torna secundária na análise de obras dessa ordem; “o que acontece tem menos importância que as reações mentais das personagens...a ação está praticamente confinada ao cérebro”. Não obstante, sua compreensão de toda a paixão numa única crise principal proporcionava em geral na máxima intensificação do sentimento.
Há pouca dúvida de que Corneille e especialmente Racine fizeram uma contribuição à dramaturgia e às letras humanas que não vem ao encontro das modernas existências de ação.
Ao introduzir ordem na dramaturgia, Racine, deu um grande passo que em muito iria servir ao ulterior drama realista. Este drama em prosa e da vida quotidiana não podia comportar o derramamento elisabetanos ou das tragédias românticas posteriores. Peças como Os Espectros e Hedda Gabler, não importa o quão longe estejam do gosto Luís XIV em outros aspectos, possuem uma capacidade de estrutura sem a qual perderiam a maior parte de seu poder.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

SHAKESPEARE


A Idée Fixe pela qual o herói está obcecado também é maneirista, a compulsão que governa seus movimentos, e o caráter de marionete que, por conseguinte, toda a ação adquire. O estilo grotesco e caprichoso da apresentação, a natureza arbitrária, disforme e extravagante da estrutura, é maneirista, o insaciável prazer do narrador em introduzir mais e mais episódios, comentários e excursos novos; os saltos cinemáticos na história , as digressões e “dissolvências” .
Quando a hierarquia é abalada...o sistema adoece. (Troilo e Cressida,1.3), eis a quintessência de sua filosofia social.
Shakespeare, vê o mundo através dos olhos de um cidadão abstrato, de mentalidade liberal cético e, em alguns aspectos, desiludido. Expressa concepções políticas que estão radicadas na idéia de direitos humanos – condena os abusos de poder e a opressão de que é vitima o povo comum, mas também condena o que chama a arrogância e a prepotência da população e, em sua inquietação burguesa e receio de anarquia, coloca o principio de “ordem” acima de todas as considerações humanitárias.
Certamente não era um revolucionário nem um lutador por natureza, mas estava do mesmo lado daqueles que impediriam o renascimento da nobreza por seu saudável racionalismo.
Os dramas históricos de Shakespeare deixam suficientemente claro que na luta entre a Coroa, a classe média e a pequena nobreza, de um lado, e a aristocracia feudal, de outro, o dramaturgo não se colocava, de maneira nenhuma, do lado dos cruéis e arrogantes rebeldes, seus interesses e inclinações vinculavam-no às camadas sociais que englobavam a classe média e a aristocracia de mentalidade liberal que adotara a concepção de vida da média, e que formavam um grupo progressista, de qualquer modo, em contraste com a antiga nobreza feudal. Apesar de sua simpatia pela atitude da classe dominante em relação à vida Shakespeare manteve-se do lado do saudável senso comum, da justiça e do sentimento espontâneo. Cordélia é a mais pura consubstanciação dessas virtudes em pleno ambiente feudal.
Personagens como Brutus, Hamlet, Timon e, sobretudo, Troilo representam mais puramente o tipo quixotesco. O idealismo transcendente, a ingenuidade e a credulidade de todos eles são qualidades que têm em comum com Dom Quixote, a única característica peculiar da visão shakespeariana é o terrível despertar do embuste e da ilusão em que viviam e o infortúnio imenso que decorre do reconhecimento tardio da verdade.
Seu anterior contentamento com as condições vigentes e o otimismo a respeito do futuro foram abalados, e, embora se mantivesse fiel ao principio de ordem, ao apreço pela estabilidade social e à rejeição do ideal heróico da cavalaria feudal, parece ter perdido a confiança no absolutismo maquiavelista e numa economia implacavelmente aquisitiva. O desvio de Shakespeare para o pessimismo tem sido relacionado à tragédia do conde de Essex, na qual o patrono do poeta, Southampton, também estava envolvido, e também há referencias a outros eventos desagradáveis na história do tempo, como a inimizade entre Elizabeth e Maria Stuart, a perseguição dos puritanos, a gradual transformação da Inglaterra num Estado policial, o fim do governo relativamente liberal de Elizabeth e a nova tendência feudalista com Jaime I, o clímax no conflito entre a monarquia e a classe média de mentalidade puritana, como possíveis causas dessa mudança. O fato de que, daí em diante, o poeta sente mais simpatia pelas pessoas que são fracassos na vida pública do que por aquelas que têm boa sorte e sucesso. Tem particular afeto por Brutus, o trapalhão político e sujeito azarado. O pessimismo de Shakespeare tem um significado superindividual e ostenta as marcas de uma tragédia histórica. Podemos dividir sua carreira literária em várias fases: O autor dos poemas “Vênus e Adônis” e “Lucrécia” ainda é um poeta que obedece ao gosto humanista em moda e escreve para círculos da aristocracia palaciana.
A lírica e a Épica são agora as formas literárias favoritas nos círculos palacianos cultos, ao lado das quais o teatro, com seu atrativo público mais vasto, é considerado uma forma relativamente plebéia de expressão.
A literatura renascentista inglesa é cortesã e diletante. Quanto à origem desses littérateurs, sabemos que Marlowe era filho de um sapateiro, Peele de um ourives e Dekker de um alfaiate, e que Bem Jonson começou abraçando a profissão do pai e tornou-se pedreiro; mas somente uma proporção relativamente pequena de escritores é oriunda das camadas inferiores da sociedade, sendo a maioria provavelmente de pequena nobreza, do funcionalismo e da rica classe de mercadores.
Na era elisabetana, a cultura literária é uma das mais importantes aquisições que se esperam de um homem bem nascido. A literatura é agora a grande voga e é de bom-tom discorrer sobre poesia e discutir problemas literários. O estilo afetado da poesia da moda é transferido para a conversação ordinária; até mesmo a rainha fala nesse estilo artificial, e não falar nele é considerado um sinal de falta de educação, tão grave quando não saber falar Francês. A literatura converte-se num jogo de sociedade.
E no entanto a existência material de um dramaturgo, escrevendo para os teatros públicos que são tão populares em todas as classes da sociedade, é mais estável e mais tranqüila do que a dos escritores que dependem de um patrocinador privado. É verdade que as peças em si são malpagas – Shakespeare adquire sua fortuna não como dramaturgo, mas como acionista de um teatro – porém a constante procura garante uma renda regular. Assim, quase todos os escritores da época trabalham para o teatro, pelo menos por algum tempo, todos tentam a sorte no teatro, embora muitas vezes com certo constrangimento.
No final da Idade Média, as grandes casas senhoriais tinham seus próprios atores – em emprego permanente ou temporário – bem como seus próprios menestréis , originalmente, talvez fossem idênticos.
Na era Elisabetana já começa uma busca desenfreada de patrocinadores. O antigo relacionamento patriarcal entre mecenas e protegido está em processo de dissolução. Shakespeare também aproveita a oportunidade de transferir seus talentos para o teatro. Essa mudança para o teatro marca o inicio da segunda fase do desenvolvimento artístico de Shakespeare. As obras que agora escreve já não possuem o tom classicizante e afetadamente idílico de suas primeiras produções, mas ainda se harmonizam com o gosto das classes superiores. São, em parte, crônicas altaneiras, grandes peças históricas e políticas, nas quais a idéia de monarquia é exaltada, em parte comédias alegres, exuberantemente românticas, que se desenrolam, cheias de otimismo e alegria de viver, despreocupadas com os cuidados do dia a dia, num mundo completamente fictício. Perto da virada do século, começa o terceiro e trágico período no desenvolvimento de Shakespeare, o poeta agora abandonou muito para trás o eufuísmo e o romantismo jocoso das camadas superiores da sociedade, mas também parece ter-se distanciado das classes médias. Escreve suas tragédias para o grande e heterogêneo público dos teatros londrinos sem levar em conta esta ou aquela classe em particular. Mesmo as chamadas comédias desse período estão repletas de melancolia. Segue-se então a última fase no desenvolvimento do poeta: um tempo de resignação e suave tranqüilidade... com tragicomédias que uma vez mais refletem o estado de ânimo romântico. Shakespeare deixa a classe média, que dia a dia se torna mais míope. Mais tacanha e intolerante em seu puritanismo, cada vez mais atrasada e distante dele. Os ataques das autoridades civis e eclesiásticas contra o teatro aumentam de violência; os atores e dramaturgos contam uma vez mais com seus mecenas e protetores nos círculos da corte e na nobreza e adaptam-se mais aos gostos deles.Shakespeare volta a escrever peças em que predominam os elementos romântico-fabulosos e que são, em muitos aspectos, reminiscência dos espetáculos e masques da corte. Cinco anos antes de morres, no auge de seu desenvolvimento, Shakespeare retira-se do teatro e para inteiramente de escrever peças. Shakespeare deixou o teatro saturado ou desgostoso, uma coisa é certa, durante a maior parte de sua carreira teatral, ele se manteve numa relação muito positiva com seu público, embora favorecesse diferentes segmentos deste durante as várias fases de seu desenvolvimento e acabasse não sendo capaz de identificar-se completamente com qualquer deles, em todo o caso Shakespeare foi o primeiro, se não o único grande poeta em toda a história do teatro, a atrair e a receber plena aprovação de um público numeroso e heterogêneo que abrangia quase todos os níveis da sociedade.

sábado, 19 de julho de 2008

Gil Vicente



Iniciada no reino de D. João I a política de expansão ultramarina, que viria a culminar, econômica e geograficamente, com a fundação da feitoria de São Jorge da Mina (1482) e a ultrapassagem do cabo da Boa Esperança (1487) no reinado de D. João II e, no de D. Manoel, com o descobrimento do caminho marítimo para a índia (1498) e do Brasil (1500). Portugal tornara-se, numa Europa a que a Renascença e a Reforma estavam mudando a face, no elo de ligação entre o mundo antigo e o mundo novo. À corte de D. Manoel afluíam por igual fidalgos e burgueses, uns e outros deslumbrados pela miragem do Oriente. O País vivia, então, um dos períodos mais florescentes e prósperos da sua história, prenhe todavia de contradições. Essas contradições, porém, viriam a exacerbar-se, até que o estabelecimento da Inquisição em 1531 (e, definitivamente, a partir de 1536), as desastrosas campanhas do Norte de África e a sujeição a Castela em 1580 precipitaram o País naquela (apagada e vil tristeza) que ensombra as derradeiras estrofes d’Os Lusíadas.
Gil Vicente, nascido à volta de 1465 e falecido em 1536 (qualquer destas datas é meramente aproximativa), participou em cheio dessa época, das suas grandezas e das suas misérias, do que nela se vinculava ainda ao passado e do que ao futuro tendia, assumindo na sua obra, como nenhum outro autor do seu tempo, as respectivas contradições. Creio que tais contradições também são contradições com Camões, apesar de terem sido escritos 30 anos depois.
É sob o signo da dualidade que essa obra se processa e descreve, ao longo de trinta e cinco anos, a sua trajetória, resumi-la em poucas paginas é difícil, tal a riqueza e variedade dos seus temas.
Entre 1502 e 1536, Gil Vicente escreveu, interpretou e pôs em cena, cerca de cinqüenta autos, de que a maior parte foi reunida por seus filhos Luís e Paula Vicente numa Compilação editada em 1562 e reeditada vinte e quatro anos depois, com graves mutilações impostas pela censura inquisitorial. Dividiram aqueles a obra paterna em quatro seções – obras de devoção, comédias, tragicomédias e farsas – mas esta distinção peça na medida em que aglutina obras dissemelhantes e separa obras afins.
“Auto” (ayto na primitiva grafia, do latim actus) era a designação comum que se aplicava a todas as composições dramáticas, independentemente do gênero (religioso ou profano) e do número de atos em que se dividiam. O termo aparece já no século XV (num documento régio datado de 1436 e nas trovas em que o poeta Duarte de Brito evoca, no Cancioneiro Geral, os momos de 1451) e prolonga-se até ao século XVII (cf. o Auto do Fidalgo Aprendiz, de F. M. de Melo) com eventuais revivescências literárias até aos nossos dias (cf. o Auto da Barca do Motor Fora da Borda, de L. Sttau Monteiro, 1966).
Autos religiosos: Auto da Visitação, Auto Pastoril Castelhano (1502) Auto dos Reis Magos (1503, Auto de São Martinho (1502), Auto da Fé (1510), Auto da Sibila Cassandra (1513), Auto dos Quatro Tempos (1514), Barcas do Inferno, Purgatório e Paraíso (1517-1518), Auto da Alma (1518), Auto de Deus Padre, Justiça e Misericórdia (1519 ou 1520), Obra da Geração Humana (1520 ou 1521), Auto Pastoril Português (1523), Auto da Feira (entre 1526 e 1528), Breve Sumário da História de Deus, Diálogo sobre a Ressurreição (1526 ou 1527), Auto da Cananéia e Auto de Mofina Mendes (1534),
Farsas: Auto da Índia (1509), O Velho da Horta (1512) , Quem tem Farelos? (1515), Farsa das Ciganas (1521), Farsa de Inês Pereira ( 1523), Farsa dos Físicos (1524), O Juiz da Beira (1525), Farsa dos Almocreves (1526 ou 1527), O Clérigo da Beira (1529).
Comédias: Exortação da Guerra (1513 ou 1514), Auto da Fama, Cortes de Júpiter, Comédia de Rubena ( 1521), Dom Duardos (1522), Amadis de Gaula (1523), Comédia do Viúvo, Frágua de Amor (1524), Templo de Apolo (1526), Nau de Amores, Auto da Serra da Estrela, Divisa da Cidade de Coimbra, Auto das Fadas (1527), Auto da Festa (1527 ou 1528), Auto da Lusitânia (1532), Romagem de Agravados (1533), Floresta de Enganos (1536).
“Não figuram nesta lista, por se terem perdido, o Jubileu de Amores, representado em Bruxelas no ano de 1531, e os autos da Aderência do Paço e da Vida do Paço, citados como o anterior no Índex Expurgatório de 1551 e, também como ele, proibidos. Também não figura o Pranto de Maria Parda, datável de 1522. monologo que se filia na tradição medieval dos “sermões jocosos” e pode considerar-se uma contrafacção burlesca do “Planctus” mariano. Não foram incluídos na Compilação de 1562 o Auto da Festa descoberto em 1906, e os autos de Deus Padre, justiça e Misericórdia e da Geração Humana, publicados sem nome de autor, mas atribuídos a Gil Vicente, com sérios fundamentos, por J.S. Révah.
Na obra vicentina, o realismo mais estreme vizinha com a mais solta fantasia e com o mais refinado simbolismo; semelhantemente, de auto para auto, e com freqüência dentro do mesmo auto acotovelam-se personagens irreais (mitológicas, alegóricas, lendárias ) e personagens diretamente arrancada à vida real, contemporânea ou revoluta. Sucedem-se assim, uns após outros, deuses, pagãos e santos da cristandade, heróis de cavalaria e figuras bíblicas, anjos e diabos, os elementos e as forças da natureza, as estações do ano e as virtudes teológicas – e toda uma vasta, tumultuosa galeria, prenhe de autenticidade, estuante de vida, em que se misturam frades dissolutos e fidalgos arruinados, médicos charlatães e juízes venais, ingênuos pastores da serra e astuciosos camponeses, moças casadouras e princesas enamoradas, ciganas que lêem a sina e alcoviteiras a cujos préstimos por igual recorrem o clero, a nobreza e a burguesia .
Se importa determinar os laços que prendem Gil Vicente à tradição cênica da Idade Média, não importa menos discernir as perspectivas que rasgou à dramaturgia não só nacional como européia. A sua obra é verdadeiramente um marco fronteiriço a assinalar uma encruzilhada em que desembocam e donde partem vários caminhos.
Antecipam-se em um século, na sua concepção teológica e no barroquismo das suas imagens, aos autos sacramentais de Calderón e Lope de Veja; os divertimentos in tercalares de certas alegorias profanas, vão reaparecer nas comédias ballets de Mollière, de cujos doutores pedantes os físicos da farsa vicentina são diretos antepassados. E paira em certos momentos, uma atmosfera poética que evoca a das comédias românticas de Shakespeare.
Reelaborando os temas e as formas dramáticas que a tradição medieval fixará, transfigurando-os com o seu genial instinto cênico, orientando-os para novos rumos, Gil Vicente fez com que o teatro português passasse diretamente da infância à maioridade. Ele foi, na verdade, a figura mais importante dos primitivos dramaturgos peninsulares – e não teve quem o excedesse na Europa do seu tempo.

Como Shakespeare, também Gil Vicente construiu os seus autos segundo um esquema mais narrativo do que propriamente dramático – o que já permitiu uma aproximação entre o teatro do autor quinhentista e o teatro épico de Brecht.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Nicolau Maquiavel e o renascimento italiano



(1469-1527) Um dia, por volta de 1518, sem muita vontade de ler ou escrever sobre política e história, Maquiavel lançou-se à inconseqüente e divertida tarefa de escrever uma comédia: A Mandrágora. Ao terminar, o autor desculpava-se, no prólogo da peça, por escrever essa obra, indigna de um escritor “sábio e grave”. Mas isso não o impediu de escrever outras duas e que A Mandrágora fosse considerada uma obra-prima do teatro italiano.
No ano de seu nascimento, 1469, o pintor Sandro Boticelli (1444-1494) teve em Florença a primeira encomenda importante de Lourenço, o Magnífico (1449-1492); e o jovem Leonardo da Vinci (1435-1519) trabalhava com o mestre Andrea Verrocchio (1435-1488) no Batismo de Cristo. Nesse magnífico ano do governo de Lourenço de Médici, o grande mecenas, a 3 de maio, messer Bernardo Maquiavel agradeceu à sua mulher Bartolomea por lhe dado um primogênito macho e chamou-o de Nicolau. Nicolau cresceu entre os livros, pacientemente, copiados por seu pai. Quando Lourenço de Médici morreu, Maquiavel decidiu tornar-se um homem de Estado, independentemente de quem governasse. Enquanto aguardava para entrar no serviço público florentino assistia curioso às mudanças políticas de sua cidade. Viu, por exemplo, a família Médici sair do poder, em1494, e, a viu de perto a conversão da magnífica cidade de Florença, na cidade de Deus, onde Cristo era o rei e o monge Savonarola, o chefe de Estado.
No fim do século XV, Florença não era mais o ateliê cultural do Renascimento. Savonarola atacava violentamente as manifestações artísticas da época, atribuindo-lhes caráter pagão e demoníaco, e, levando boa parte da população a compartilhar de sua fúria iconoclasta. No entanto, por ordem do Papa Alexandre VI (1431-1503), o monge Savonarola e seus excessos foram condenados a fogueira, em1498. Neste mesmo ano, Nicolau Maquiavel assume seu primeiro cargo público, assessor da Chancelaria florentina, a serviço da República. Era responsável pela correspondência diplomática. Rapidamente chegou a ao cargo de Segundo Chanceler da República.
A Itália compunha-se de pequenos estados divididos, convulsionados por lutas internas e pressionados por governos europeus mais poderosos. Sem uma liderança que pudesse unificá-la, a Itália parecia sucumbir. Maquiavel tinha a percepção das limitações de seu meio e sabia que a pequena república de Florença era frágil o suficiente para ser invadida, como o foi em 1501, e não contar com apoio, nem dos aliados como a França, para socorre-la. Na guerra contra Pisa, o exército de César Bórgia (1475-1507) confirmava o temor de Maquiavel quanto ao efetivo apoio de aliados poderosos. Maquiavel acabou sendo designado pelo próprio Papa Alexandre VI, para acompanhar Bórgia em missão diplomática. Ali, Maquiavel reconheceu em César Bórgia a única figura capaz de unificar a Itália e de evitar a dominação estrangeira.
Em 1512 os Médici voltam finalmente ao poder e Maquiavel, que estava muito vinculado aos Bórgia acaba sendo condenado a permanecer em território florentino e a pagar uma caução de 1000 florins. A partir de 1513, Maquiavel e seu irmão Bernardo foram obrigados a viver confinados em sua casa de campo em San Caciano.
De seu encontro com César Bórgia surgiram às bases para escrever O Príncipe, mais do que uma tentativa de entender a realidade, o livro acabou se tornando um manual de como se usar o poder. Maquiavel sustentava que virtú e fortuna eram os elementos mais importantes para a ação de um governante. A fortuna corresponderia àquela parte da vida que não poderia ser controlada pelo indivíduo: as circunstâncias. A fortuna porém, poderia proporcionar a virtú do governante, que saberia determinar, dentro de certas circunstâncias, o momento no qual sua ação poderia funcionar com sucesso. O processo político estaria, inclusive, segundo Maquiavel, além da moral e dos preceitos religiosos. O príncipe virtuoso seria o que soubesse ser bom e ser mau, traiçoeiro e piedoso, violento e complacente. Porque o Estado deveria estar acima da moral e ser governado em nome de seus interesses.
No período de exílio em San Casciano, Maquiavel tentou pela primeira vez o que ele chamava de “distrações literárias”. Os primeiros foram os Capitolli, escritos em tercetos. Seguiu-se Asino D’Oro fábula satírica em versos e uma série de Canti Carnascialeschi (Cantos carnavalescos) e a comédia Andria. Mas suas melhores obras cômicas são a novela Belfagor (O Demônio que se casou) e as comédias A Mandrágora e Clizia.
Clizia conta a história de um jovem e de um velho, pai e filho que se apaixonam pela mesma mulher. Mas da disputa, sai o jovem vencedor. É inspirada em uma comédia de Plauto (Casina), mas, enquanto Plauto ambienta sua história em Atenas, Maquiavel ambienta sua história em Florença.
Quando em 1527 Os Médici foram depostos em favor da República de Nicolau Capponi, Maquiavel se manteve recolhido em seu gabinete a maior parte de seu tempo escrevendo A História de Florença, encomendada ainda pelo Médici. Passou o resto de sua vida a espera de um convite para ocupar algum cargo no novo governo, mas sua estreita ligação com o governo anterior lhe impossibilitou de exercer qualquer cargo nesta nova república. Maquiavel morreu em 22 de junho de 1527, sufocado pela amargura e na mais completa miséria.
A Mandrágora é a história de Calímaco, homem de trinta anos, que está de volta a Florença, depois de passar muito tempo vivendo e estudando em Paris. Seu objetivo é apenas o de ver uma mulher, sobre a qual lhe disseram ser a mais bonita do mundo: Lucrecia, esposa virtuosa de messer Nícia, um velho e rico advogado. Tudo correria bem se ele não se apaixonasse por ela. Calímaco, então, ajudado por amigos consegue alcançar seu objetivo: seduzir Lucrecia. Ao saber que o casal tenta em vão ter filhos, Calímaco é apresentado à família como um especialista em fertilidade que descobriu as virtudes da raiz da Mandrágora. Mas o falso médico assegura ao marido que será necessário tomar algumas precauções, pois o primeiro homem a ter contato carnal com a mulher morreria por tratar-se de um veneno muito forte. A mãe de Lucrecia, Sóstrata convence a filha da importância do sacrifício. Durante a noite Lucrecia percebe que o vagabundo em questão é Calímaco e lhe exige votos sinceros dizendo: “eu te aceito como senhor, dono e guia; tu serás meu pai e defensor e poderá ficar comigo, sem suspeita alguma quando quiser de agora em diante.”

sábado, 7 de junho de 2008

Resumo geral da commédia dell'arte


Surge em meados do século XVI, atinge seu apogeu no século XVII e declina no século XVIII.


Tem provável origem nas fábulas atelanas e nos tipos fixos plautinos, acrescidos da cultura popular medieval e da união de diversos artistas de rua em grupos para sobreviver, dada a crise econômica que se abateu sobre os principados itálicos nesse período.

Eram elementos essenciais da commédia dell'arte: o profisisonalismo, a itinerância, o uso de máscaras e a improvisação.

O teatro mascarado da commédia dell'arte não estava vinculado a qualquer tipo de texto, era apresentada a qualquer tipo de público, o ator era especializado em um único tipo (personagem), eram formadas trupes de atores que variavam de 8 a 12 atores e as mulheres tomavam parte na representação.


Havia, em geral três tipos de personagens:

- Os Zanni (criados) - Arlequim, Briguela, usava-se máscara e o tom era permanentemente cômico;

- Os Vecchi (velhos) - Pantaleone, Dottore, usava-se máscara e o tom também era cômico;

- Os enamorados - não usavam máscara e eram o contraponto sério das peças.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Commédia dell'arte





A Commedia dell'arte surge na Itália, em meados do séc. XVI, atinge seu apogeu no sécuo seguinte e se mantém extremamente popular até meados do séc. XVIII, quando entra em declínio, apesar de continuar viva nas praças, ruas e palcos de, praticamente todo o ocidente até os dias de hoje. É um gênero teatral que durante quse três séculos exerceu fascinação por quase toda a Europa e influenciou atores, dramaturgos e encenadores como: Shakespeare, Molière, Jean–Louis Barrault, Meyerhold, Jacques Lecoq, Dario Fo, Strehler, e tantos outros.
Tem suas origens ainda na Roma antiga, por intermédio da Fábula Atelana, uma espécie de farsa vinda da cidade de Atela, popular em 240a.C., cuja representação consistia no desenvolvimento improvisado de intrigas pré-determinadas. Intrigas que aconteciam mediante quatro tipos-fixos fortemente caracterizados por máscaras, no comportamento e no aspecto, estilizando tipos populares: o Pappus – um velho estúpido, avarento e libidinoso; o Maccus – gozador, tolo, brigão; o Bucco – com uma boca enorme provavelmente por ser comilão, ou ainda tagarela; e, o Dossennus, um corcunda malicioso.
Há indícios de que o Pappus seria o Pantaleone, na Commèdia dell'arte, ou Maccus o Arlecchino, embora a semelhança esteja mais em Pulcinella? Ou ainda poderia ser Brighella inspirado em Bucco? Enfim, são máscaras aproximativas numa distância de quase dois milênos entre elas.
Quem teve grande importância para a Commedia dell'arte foi o autor e ator padovano, Ângelo Beolco (1502–1542), conhecido como Ruzante - personagem que representava e que se caracterizava por ser um camponês guloso, grosseiro, preguiçoso, ingênuo e zombador, estando no centro de quase todos os contextos cômicos. Suas comédias colocavam o ator a recitar em dialeto padovano. Elas têm importância na história do teatro italiano, pois representam os primeiros documentos literários em que a repetição dos mesmos caracteres em personagens de mesmo nome anima uma série de tipos-fixos, que podem ser considerados os precurssores das máscaras da Commedia dell'arte.
A Commedia dell'arte era representada por atores profissionais, e teve várias denominações como Commedia all'improviso – comédia fundamentada sobre o improviso; Commedia a soggeto – comédia desenvolvida através de um canovaccio (roteiro) e ainda Commedia delle Maschere – comédia de máscaras.
Em 1545, em Pádua, é encontrado o primeiro registro de formação de uma trupe de Commedia dell'arte, onde oito atores se comprometem a atuarem juntos por um determinado período – até a quaresma de 1546 – fixando direitos e deveres entre eles, caracterizando um contrato profissional. Desse modo, pela primeira vez na Europa, com a Commedia dell'arte, uma companhia teatral era caracterizada por constituir um grupo de atores que viviam exclusivamente de sua arte. Era estabelecido assim uma organização nova, com atores especializados e bem treinados para exercer o seu ofício.
Este gênero teatral se caracterizava por uma dramaturgia que nascia da representação do ator. Os atores, além de terem uma intensa preparação técnica (vocal, corporal, musical...), representavam, geralmente, o mesmo personagem por toda sua vida, criando assim uma codificação precisa do tipo representado. Estes personagens-fixos, representavam seguindo a estrutura de um roteiro - canovaccio, que orientava a sequência das ações e a partir do qual "improvisavam". Os canovacci não variavam muito em termos de intriga e de relação entre os personagens. Cada personagem, por sua vez, possuía um repertório próprio que se recombinava conforme a situação. O chamado improviso, não era portanto, uma invenção do momento, mas a liberdade que somente é possível de ser adquirida pelo ator, através de um treinamento permanente. Dentro da estrutura dos canovacci também existia a possibilidade de intervenções autonômas, denominadas de lazzi, que os atores introduziam para comentar ou sublinhar comicamente as ações principais, interligar as cenas e ocupar os espaços vázios. Com o uso, esses lazzi eram repetidos e fixados e passavam a fazer parte do repertório dos personagens.
As trupes da Commedia dell'arte eram formadas, geralmente, por oito ou doze atores. Os personagens representados eram divididos em três categorias: os enamorados, os velhos e os criados chamados zannis, que provavelmente deriva de Giovanni, nome típico do ambiente camponês italiano.
O ATOR
O ator na Commedia dell'arte, tinha um papel fundamental cabendo-lhe não só a interpretação do texto mas também a continua improvisação e inovação do mesmo. Malabarismo canto e outro feitos eram exigidos continuamente ao ator.O uso das mascaras (exclusivamente para os homens) caraterizava os personagens geralmente de origem popular: os zanni, entre os mais famosos vale a pena citar Arlequim, Pantaleão e Briguela.A enorme fragmentação e a quantidade de dialetos existentes na Itália do século XVI obrigavam o ator a um forte uso da mímica que tornou-se um dos mais importantes fatores de atuação no espetáculo. O ator na commedia dell’arte precisava ter "uma concepção plástica do teatro" exigida em todas as formas de representação e a criação não apenas de pensamentos como de sentimentos através do gesto mímico, da dança, da acrobacia, consoante as necessidades, assim como o conhecimento de uma verdadeira gramática plástica, além desses dotes do espírito que facilitam qualquer improvisação falada e que comandam o espetáculo. A enorme responsabilidade que tinha o ator em desenvolver o seu papel, com o passar do tempo, portou à uma especialização do mesmo, limitando-o a desenvolver uma só personagem e a mantê-la até a morte. A continua busca de uma linguagem puramente teatral levou o gênero a um distanciamento cada vez maior da realidade.A commedia foi importante sobretudo como reação do ator a uma era de acentuado artificialismo literário, para demonstrar que, além do texto dramático, outros fatores são significativos no teatro.
O ESPETÁCULO
O espetáculo era construído com rigor, sob a orientação de um concertatore, equivalente do diretor do teatro moderno, e de um certo modo seu inspirador. Aquele, por sua vez, tinha à disposição séries numerosas de scenari, minudendes roteiros de espetáculos, conservados presentemente em montante superior a oitocentos; muitos ainda existem nos arquivos italianos e estrangeiros ser terem sido arrolados.
O TEXTO
O que mais atrai o olhar contemporâneo nas leituras dos canovacci da commedia dell’arte, é a inconsistência deles no que se refere ao conteúdo.Sendo a comédia um espetáculo ligado fortemente à outros valores como as máscaras, a espetacularidade da recitação, habilidade dos atores, a presença da mulheres na cena, etc..., não tinha necessidade de compor dramaturgias exemplares, novidades de conteúdos ou estilos.O canovaccio devia obedecer a requisitos de outro tipo, todos funcionais ao espetáculo: clareza, partes equivalentes para todos os atores envolvidos, ser engraçado, possibilidade de inserir lazzi, danças e canções, disponibilidade a ser modificado.A técnica de improviso que a commedia adotou não prescindiu de fórmulas que facilitassem ao ator o seu trabalho. Diálogos inteiros existiam, muitos deles impressos, para serem usados nos lugares convenientes de cada comédia. Tais eram as prime uscite (primeiras saídas), os concetti (conceitos), saluti (as saudações), e as maledizioni (as maldições).Na sua fase áurea, o espetáculo da commedia dell’arte tinha ordinariamente três atos, precedidos de um prólogo e ligados entre si por entreatos de dança, canto ou farsa chamados lazzi ou lacci (laços).A intriga amorosa, que explorou sem limites, já não era linear e única, como na comédia humanista, mas múltipla e paralela ou em cadeia: A ama B, B ama C, C ama D, que por sua vez ama A.
As peças giravam em torno de encontros e desencontros amorosos, com um inesperado final feliz. As personagens representadas inseriam-se em três categorias: a dos enamorados, a dos velhos e a dos criados (zannis). Estes últimos constituiam os tipos mais variados e populares. Havia o zanni esperto, que movimentava as acções e a intriga, e o zanni rude e simplório, que animava a acção com as suas brincadeiras atrapalhadas. O mais popular é, sem dúvida, Arlequim, o empregado trapalhão, ágil e malandro, capaz de colocar o patrão ou a si em situações confusas, que desencadeavam a comicidade. No quadro de personagens, merecem ainda destaque Briguela, um empregado correcto e fiel, mas cínico e astuto, e rival de Arlequim, Pantaleone ou Pantaleão, um velho fidalgo, avarento e eternamente enganado. Papel relevante era ainda o do Capitano (capitão), um covarde que contava as suas proezas de amor e em batalhas, mas que acabava sempre por ser desmentido. Com ele procurava-se satirizar os soldados espanhóis.
As representações tinham lugar em palcos temporários, na maior parte das vezes nas ruas e praças das cidades e, ocasionalmente, na corte. A precariedade dos meios de transporte e vias e as conseqüentes dificuldades de locomoção, determinavam a simplicidade e minimalismo dos adereços e cenários. Muitas vezes, estes últimos resumiam-se a uma enorme tela pintada com a perspectiva de uma rua, de uma casa ou de um palácio. O ator surge assim como o elemento mais importante neste tipo de peças. Sem grandes recursos materiais, eles tornaram-se grandes intérpretes, levando a teatralidade ao seu expoente mais elevado.
OS PERSONAGENS
Embora bastante influente e de extrema importância, nenhum texto de Commedia dell’arte resistiu ao passar do tempo. No entanto, não restam dúvidas de que esta arte ultrapassou as barreiras literárias, pelo que as personagens nela criadas ainda povoam o nosso imaginário. Os artistas da Commedia dell’arte introduziram inovações de extrema importância que se incorporaram a todo o teatro posterior. Eles abriram o espaço à participação de mulheres no elenco e criaram uma linguagem que se sobrepôs ao poder da palavra. As representações teatrais eram levadas a cabo por atores profissionais, feitas nas ruas e nas praças. Os atores da Commédia dellarte fundaram um novo estilo e uma nova linguagem; caracterizadas pela utilização do cômico. Ridicularizando militares, prelados, banqueiros, negociantes, nobres e plebeus, o seu objetivo era provocar o riso através da música, da dança, da acrobacia e de diálogos repletos de ironia e humor.
As encenações da Commedia dell’arte baseavam-se na criação coletiva. Os atores apoiavam-se num esquema orientador e improvisavam os diálogos e a ação, deixando-se levar ao sabor da inspiração do momento, criando o tão desejado efeito humorístico. Eventualmente, as soluções para determinadas situações foram sendo interiorizadas e memorizadas, pelo que os atores se limitavam a acrescentar pormenores que o acaso suscitava, ornamentados com jogos acrobáticos.
O elevado número de dialetos que se falava na Itália pós-renascentista, determinaram a importância que a mímica assumia neste tipo de comédia. O seu uso exagerado, não só provocava o riso, mas sustentava a comunicação em si. Comumente uma companhia não traduzia o dialeto em que a peça era representada, não importando por onde passasse. Mesmo no caso das companhias locais, raras eram às vezes, em que os diálogos eram entendidos na sua totalidade. Daí que atenção se centrasse na mímica e nas acrobacias, a única forma de se ultrapassar a barreira da ausência de unidade lingüística.
As companhias, formadas por dez ou doze atores, apresentavam personagens tipificados. Cada ator se especializava numa personagem fixa, cujas características físicas e habilidades cômicas eram exploradas até ao limite. Variavam apenas as situações em que as personagens se encontravam.
O comportamento destas personagens enquadrava-se num padrão: o amoroso, o velho ingênuo, o soldado, o fanfarrão, o pedante, o criado astuto. Personagens que viraram Arlequim, Scaramouche, Briguela, Isabela, Colombina, Polichinelo ou Pulchinela, Capitão Matamoros e Pantaleão são personagens que esta arte celebrizou e eternizou. Importante na caracterização de cada personagem era o vestuário, e em especial as máscaras. As máscaras utilizadas deixavam a parte inferior do rosto descoberto, permitindo uma dicção perfeita e uma respiração fácil, ao mesmo tempo em que proporcionavam o reconhecimento imediato da personagem pelo público.
Os enamorados eram geralmente representados por homens e mulheres belos e cultos, falavam com elegância num toscano literário, eventualmente poderiam ser personagens ingênuos e não muito brilhantes. Vestiam-se com roupa da moda e não utilizavam máscaras. A enamorada, segundo o esquema da trama, poderia ser cortejada por dois pretendentes, um jovem e um velho.
Entre os personagens que utilizavam máscaras encontramos os velhos e os criados. Os velhos são: Pantalone, um rico mercador veneziano, geralmente avarento e conservador. Falava em dialeto veneziano, era apaixonado por provérbios e, apesar de sua idade, cortejava uma das donzelas da comédia. Sua máscara era negra e se caracterizava por seu nariz adunco, o que remetia aos hebreus, e sua barbicha pontuda. Pantalone, com sua figura esguia, contrastava e complementava no jogo cênico com a figura redonda do outro velho, o Dottore, que podia aparecer como amigo ou rival de Pantalone. Era pedante, normalmente advogado ou médico, falava em dialeto bolonhês intercalado por palavras ou frases em latim. Gostava de ostentar a sua falsa erudição, mas era enganado pelos outros por ser extremamente ingênuo. Era um marido ciumento e geralmente cornudo. Sua máscara era um acento que só marca a testa e o nariz.
Zannis
Os tipos mais variados e populares da Commedia dell'arte eram os zannis. Dividiam-se em duas categorias: o primeiro zanni, esperto, que com suas intrigas movimentava para frente as ações; e o segundo zanni, rude e simplório, que com suas atrapalhadas brincadeiras interrompia as ações e desencadeava a comicidade. Entre os zannis, Arlecchino, proveniente de Bergamo, era a máscara mais popular. Inicialmente segundo zanni, transformou-se pouco a pouco em primeiro, encarnava uma mistura de esperteza com ingenuidade, estando sempre no centro das intrigas. Usava inicialmente uma roupa branca e um cinturão, onde carregava um bastonete de madeira, calças brancas, chinelos de couro e gorro branco. Supõe-se que, com o tempo, essa roupa foi ganhando remendos coloridos e dispersos, de onde provém sua atual roupa de losangos. Muitos estudiosos dizem que a origem do nome Arlecchino está na palavra Hellequim – o chefe dos diabos que comandava um bando de espectros e demônios. Hellequim teria se transformado em Herlequim e posteriormante, em Harlequim.
O companheiro mais frequente de Arlecchino era Briguela, um criado libidinoso e cinicamente astuto, também proveniente de Bergamo. Outro zanni que já existia do carnaval de Nápoles e passou a fazer parte da Commedia dell'arte foi Pulcinella. Sua corcunda e ventre são proeminentes, sua máscara traz um nariz em forma de bico e sua voz era estridente, lembrando uma ave.
As criadas, não usavam máscaras. Elas geralmente ficavam a serviço da enamorada. Normalmente eram jovens, de espírito rude e sempre prontas a criar intrigas. Outras vezes eram mais velhas e podiam ser donas de uma taberna, a mulher de um criado ou objeto de interesse de um velho.
Entre outros personagens importantes encontramos o Capitano, que descende do Miles Gloriosus, de Plauto. Era um covarde que contava vantagens de suas proezas em batalhas e no amor, para depois ser completamente desmentido. Mostrava-se um valente, embora fosse um grande covarde. Fazia uma sátira aos soldados espanhóis. A espada e a capa eram acessórios fundamentais de seu figurino. A este personagem davam vários nomes: Spavento da Vall'Inferno, Coccadrillo, Fracassa, Rinoceronte e Matamoros. As suas derrotas constituiam um dos momentos marcantes da comédia.
O uso da máscara na Commedia dell'arte foi extremamente importante, tanto que ficou conhecida como Commedia delle Maschere. Os atores para utilizarem a máscara deveriam dominar sua técnica. Elas se caraterizam por serem meias – máscaras, deixando a parte inferior do rosto descoberta, permitindo uma perfeita fonação e uma cômoda respiração, adequada às necessidades do jogo cênico realizado pelos atores. A Máscara proporcionava o imediato reconhecimento do personagem pelo público. Os sentimentos, o estado de espírito desses personagens necessariamente engajavam todo o corpo do ator, propondo um jogo dinâmico, direto, essencialmente teatral. Pantalone por exemplo, tem a postura fechada. Suas pernas são juntas, os pés ligeiramente abertos e os joelhos flexionados por causa da idade. Sua cabeça e seu quadril são para frente, deixando claro que seu apetite sexual parte da cabeça. Seu abdomem é para dentro, revelando sua possessividade, e ainda que o instinto alimentar não é seu problema. A máscara neste caso, seja por sua cor negra e por não propor uma caracterização tão rígida na sua expressão, possibilita que o personagem transite de um sentimento a outro com maior liberdade. São as circunstâncias nas quais o personagem se encontra que definem o tipo representado. É possível que por alguns instantes Pantalone fique jovem e esqueça sua avareza ao ver uma bela donzela, e que logo em seguida, ao lembrar da presença do seu cobrador, sinta-se muito velho e doente quase para morrer.
As máscaras da Commedia dell'arte não propõem uma caracterização definitiva dos personagens , elas servem mais para delimitar do que para definir. Assim como disse Ferdinando Taviani em seu texto "Sulla sopravvalutazione della maschera" : "o eu do Arlecchino não é uma entidade permanente mas, a sequência de tantos eus parciais adequados, cada um, a uma determinada situação." O espírito que anima o personagem, que o faz viver, vem do contexto que o circunda, das ações em que está imerso. A máscara na Commedia dell'arte mais do que acrescentar, tira do ator os signos de sua interioridade, transforma-o numa figura toda superfície, cuja psique, não está no seu interior, mas no seu exterior. Desta forma, o personagem só existe enquanto desenhado em seus contornos.

sábado, 24 de maio de 2008

Teatro na Idade Média

Teatro na Idade Média:

1- O drama litúrgico dos séculos XI e XIII d C.
Dentro da Igreja – composição de coro;

2- Os jogos (século XIII) eram semi-litúrgicos e aconteciam nos Adros (fora da Igreja). Pequenas composições que tinham sempre uma moral da história: Jogo de São Nicolau, Jogo de Adão;

3- Os Milagres (século XIII-XIV). Assuntos misturam Escrituras com lendas populares, sempre compostas por histórias fantásticas;

4- Os Mistérios (século XV e XVI)
- Adros / espaços da cidade
- Estátuas em pedra [grandes catedrais]
- Vitrais
- Encenações.
Os espetáculos aconteciam ao longo de 25/30 dias. Contava a história de Cristo à exaustão. E, ou, se encenava todos os detalhes da vida dos Santos.
Quando o teatro litúrgico sai da Igreja, o teatro profano de rua começa a “contaminar” os dramas litúrgicos. Aos poucos, a “leitura teatral das obras cristãs começa a se transformar.

A IGREJA VAI CEDENDO A VONTADE POPULAR.
O teatro é uma linguagem cultural, visa os anseios da sociedade medieval.

Bufão: Clown - manifestações populares que surgem na Idade Média. O Circo e o teatro popular [andarilhos, mambembes]. O circo se cobre numa lona, se estrutura: o mágico, o domador de animais, o saltimbanco, apresentações bizarras [deformações físicas, etc.]

Textos: - O Jogo de São Nicolau,
Jean Bodel (1º dramaturgo medieval);

- A farsa do mestre Pathelin.
Autor desconhecido.

Há dois meios de representação:
Ø O imediato
Ø E o oculto [subjetivo]

O que se apresenta e o que se representa.
O profissional ganha cada vez mais espaço, em relação ao sacro
O ator mambembe e todas as possibilidades transgressoras se completaram na hora do circo.

O que sobrou da comédia antiga e nova é muito pouco para a provável quantidade de produção da época
Comédia Antiga: Aristófanes:
Comédia Média: As duas últimas peças de Aristófanes;
Comédia Nova: Menandro;
Comédia Latina: Plauto e Terêncio.

A parábase é o elemento épico por excelência

Dupla enunciação: quando dois atores estão representando a figura do narrador.
Enunciado : pode ter sido escrito em qualquer época. Coisas que o autor do enunciado preparou para ser dito ao público.
Enunciação : Ato de dizer o enunciado. O ato de tornar o enunciado atual.

Gêneros literários - Aristóteles
Dramático: ação (pura é aquela protegida pela quarta parede);
Narrativo: narração:
Épico: narração + uma lição ou comentário/dramático.

Unidades – Aristóteles
Ação, Tempo e Lugar.



TEATRO NA IDADE MÉDIA

A Europa medieval do século V ao século X foi estéril no que se refere a uma dramaturgia significativa. Enquanto a Europa estava fragmentada em pequenas comunidades nas quais os homens levavam existências incertas, os teatros romanos foram abandonados a decadência e, aparentemente, a igreja conseguira suplantar por completo o templo de Dioniso.
Porém, embora isso fosse verdade em relação ao texto dramático, mesmo os primórdios da Idade Média viveu às voltas com atividades teatrais e semi-teatrais. Além das companhias itinerantes de mimos e acrobatas que haviam sobrevivido a queda do império romano, no campo havia os semi-convertidos e os pagãos que executavam magias agrícolas tratando da morte e da ressurreição da vegetação.
Incapaz de destruir estes vestígios de paganismo, a Igreja os associou aos festivais do Natal e da Páscoa, das danças e das peças de São Jorge, que sobreviveram até nos nossos dias. Na verdade São Jorge e seu dragão, Papai Noel (São Nicolau) e outros, eram personagens demasiado próximos da fantasia infantil e do pensamento mágico, para que pudessem ser facilmente esquecidos.
Os poetas incorporam elementos dramáticos em seus recitativos. Os Menestréis declamam poemas com pantomima adequada, e surgem outros romances dramatizados como Aucassino e Nicoleta, várias baladas primitivas estão carregadas de dramas e são dramáticas na sua estrutura, posto que narram a história através do diálogo e observam a progressão dramática. Baladas como Hobin Hood, chegam a formar pequenas peças nas quais o romântico bandoleiro desafia os normandos conquistadores da Inglaterra. As justas, As execuções públicas, as procissões civis e religiosas, os titereiros (bonequeiros), os jograis e os acrobatas, contribuem com a cor e a excitação coletiva do teatro, sem cristianizá-las e, sem torná-las peças dramatúrgicas.

Entretanto é a Igreja que vai fornecer a maior porção de fermento ao drama nascente. De início, os clérigos desprezavam o teatro popular e se satisfizeram com os pequenos esforços dos monastérios, onde o estudo clássico não fora totalmente destruído. Esses clérigos tinham familiaridade com comédias refinadas, segundo os modelos das comédias de Terêncio e chegavam a representá-las dentro dos mosteiros.
O ritual da Igreja girava em torno da morte e ressurreição de Jesus. Todo credo e a literatura da cristandade compunham um só grande drama: A glorificação da fé, a chegada do senhor, a glória dos santos e o último e eterno dia do julgamento.
Porém o drama cristão surgiu, inevitavelmente, como resposta a um problema prático: como levar aquela religião a um povo iletrado, incapaz de entender o que estava escrito e o que era dito na missa?
Na impossibilidade de traduzir para uma linguagem mais acessível os escritos sagrados, os sacerdotes começaram a compor quadros vivos dentro das igrejas, que descreviam as passagens mais significativas das palavras bíblicas. Aos poucos se acrescentavam pantomimas simbólicas e a seguir foram criados espaços fixos dentro da própria igreja para a representação dessas passagens. A igreja passou a ter uma área para o coro e os espetáculos se tornaram cada vez mais elaborados. As representações começaram a ganhar diálogos salmodiados precedidos e seguidos por grandes hinos latinos.
Por volta do século IX, o coro já se dividia em dois grupos, os anjos de asas brancas, mantendo a guarda, no sepulcro de cristo, de um lado e, as mulheres, que chegavam à busca do corpo de Cristo, do outro. Os anjos as informavam que Ele não estava lá, mas que ascendera ao céu e, lhes ordenavam anunciar ao mundo que Ele ascendeu do seu sepulcro. As novas eram saldadas com alegria e toda congregação saudava e eclodia com o glorioso Te Deum.
Em breve estavam sendo apresentadas peças curtas, em latim, escritas por sacerdotes, e apresentadas na mesma área do coro, a principio, passando depois, para a própria nave da igreja, já com música especialmente composta para o diálogo. Por volta do século XIII, à evolução do drama estava completa e mesmo a comédia começou a penetrar no teatro eclesiástico; na peça da paixão de Siena, o momento em que Maria Madalena compra cosméticos a um mercador, pode ser considerada uma clássica cena de comédia. As pequenas peças de páscoa evoluíram até se tornarem peças litúrgicas, conhecidas como milagres. Esses milagres resumiam-se basicamente aos episódios da morte e ressurreição de cristo.
As peças sobre santos começaram a ser escritas em conexão com os dias dos santos. O Corpus Christi se tornou o principal ensejo de apresentação do milagre ou dos assim chamados mistérios, bem como das peças sobre a vida dos santos. A conversão de São Paulo, Santa Maria Madalena, São Jorge e São Nicolau são peças, que permanecem dentro dos cânones bíblicos e, que eram constantemente representadas.
A igreja medieval não era de toda unificada. O baixo clero aos poucos se tornava rebeldes aos excessos da igreja, se relacionava com o povo, e participava das festas populares, essa forma da liberação da igreja medieval, contribuiu para inserção de elementos cômicos que, eventualmente ofendiam o Alto-clero. E, conseqüentemente, o teatro acabou saindo de dentro da igreja. Em algumas cidades o teatro foi absorvido pela comunidade. As peças religiosas tornaram-se propriedade da cidade. Os cenários tornaram-se suntuosos e por vezes ocupavam partes inteiras da cidade os elencos eram imensos chegando a ter trezentas pessoas. Por toda a Europa tais espetáculos se repetiam com grande vivacidade.
Os autores dessas peças eram, em alguns casos, mimos ou menestréis profissionais que atuavam juntos com o membro do baixo clero. Não se sabe quem escreveu a maior parte dos mistérios, sabe-se, porém que as peças eram baseadas nos dramas litúrgicos latinos e que, muito provavelmente, foram escritos por sacerdotes. De forma geral eram simples episódios de um drama que podiam prolongar-se por diversos dias.
As paixões ou peças de páscoas foram desenvolvidas por volta do século XIII. E os ciclos completos incluindo tanto as peças de Natal como as peças de Páscoa, atingiram seu apogeu no século XV.
Aos ventos das transformações sociais e políticas, o teatro sofreu uma transformação. Até certo ponto, a Reforma Protestante contribuiu com a preservação dos milagres. Por sua vez, a Contra-Reforma católica, viu nas peças um efetivo instrumento de fé e encorajou sua sobrevivência até os nossos dias.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Menandro e a Neo (Comédia Nova)


Das planícies artísticas da Comédia Média, no final do século IV a.C. ergueu-se de novo um mestre: Menandro. Ele assinala um segundo ápice da comédia da Antiguidade: a neo (“nova”). Comédia, cuja força reside na caracterização, na motivação das mudanças internas, na avaliação cuidadosa do bem e do mal, do certo e do errado.
Menandro, filho de uma rica família ateniense, nasceu por volta de 343 a.C. e moldava caracteres a partir da personagem no curso da ação. Menandro nunca deixou Atenas e sua villa no Pireu onde vivia com sua amante Glicera.
De suas cento e cinco peças, apenas oito lhe valeram prêmios – três nas Léneias, e cinco na Grande Dionisíaca de Atenas. Menandro viria a exercer grande influência sobre os comediógrafos romanos Plauto e Terêncio, que viveram da substância de sua obra. Ao lado do acervo de citações transmitidas, esses dois poetas romanos foram, até os primórdios do século XX, as únicas testemunhas dos escritos de Menandro. Sua comédia A Arbitragem foi reconstituída a partir de papiros e, somente em 1959 foi descoberto Dyscolus (o mal-humorado).
Com o Dyscolus (cujo subtítulo, misanthropos anuncia para além da sua obra uma série de peças que abordam o mesmo tema, como se pode ver , por exemplo em Moliere).
Todas as suas personagens são cuidadosamente delineadas; a tensão vai crescendo gradualmente e a ação se desenrola com consistência plausível. O coro, que já na Comédia Média havia sido posto de lado, desaparece completamente nas obras de Menandro. Como os atores não mais entravam vindos da orquestra, a forma do palco foi alterada. As cenas mais importantes eram agora apresentadas no logeion (uma plataforma diante da skene de dois andares).
A comédia de caracteres, com suas intrigas e nuanças individuais de diálogo, exigia a atuação conjunta mais concentrada dos atores, bem como um contato mais estreito entre o palco e a platéia.Menandro foi o único dos grandes dramaturgos da Antiguidade que viveu para ver o “Teatro de Dioniso” terminado. Pois, em Atenas, como novamente em Roma, trezentos anos mais tarde, a história pregou uma estranha peça no teatro: a estrutura externa atingiu seu esplendor mais suntuoso apenas numa época em que o grande e criativo florescimento da arte dramática já havia acabado.

A Comédia Média e a Hilarotrágica

Com a morte de Aristófanes, a era de ouro da comédia política antiga chegara ao fim. Os próprios historiadores da literatura na antiguidade, já haviam percebido quão grande era o declive entre as comédias de Aristófanes e as de seus sucessores e traçaram uma nítida linha divisória, atribuindo tudo o que viera depois de Aristófanes, até o reinado de Alexandre, o grande, a uma nova categoria: a Comédia Média (mese).

Em 367 a.C. a Macedônia aspirava à hegemonia na Grécia e a gloria de Atenas se extinguira. A comédia agora era retirada das alturas da sátira política para o menos arriscado campo da vida cotidiana. Em vez de Deuses, generais, filósofos e de chefes de governo, passava a satirizar os pequenos funcionários vaidosos, cidadãos bem de vida, peixeiros, cortesãs famosas, alcoviteiros etc.

Por volta de 350 a.C. desenvolveu-se uma forma de comédia que parodiava a tragédia (hilaros, que significava alegre, engraçado), mas tudo o que dela sabemos, baseia-se em fragmentos e em pinturas em vasos.Nem a Comédia Média, nem a hilarotrágica, apresentaram qualquer inovação cênica. Ambas parecem ter utilizado o pavimento superior do edifício cênico (episkenion), como concessões à conveniência. Em suas máscaras amortecem o grotesco, e trazem consigo a primeira pincelada do sentimental.