sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O Romance experimental


O Romance experimental, artigo de Emile Zola, concebido na segunda metade do século dezenove reflete o grande entusiasmo da era positivista pelo progresso das ciências e representa o resultado concreto de um antigo e constante interesse dos literatos pela investigação e metodologia científica.
Esse interesse pela ciência é manifestado, com maior intensidade, na França a partir do período consagrado como: Ilustração, Iluminismo, ou Século das Luzes. É fato que as literaturas renascentista e clássica francesas foram, sobretudo, reflexivas e abstratas; o que justifica, em parte, seus grandes escritores terem se entregado a longas reflexões morais sobre a natureza humana: o homem e seu destino, suas relações com a divindade e sua conduta moral eram matéria essencial de uma meditação que se norteava pelo legado da Antiguidade grega ou latina. Não havia quase nenhuma curiosidade pelo mundo concreto contemporâneo.
O escritor torna-se um erudito interessado por todos os assuntos e disposto a se aprofundar em conhecimentos especificamente científicos. O filósofo iluminista, além de escrever contos, romances e poemas ou peças de teatro, pratica um ou outro ramo da ciência. Voltaire divulga a filosofia de Newton; Diderot descobre que o homem é um organismo e não uma identidade abstrata; Rousseau, inimigo ferrenho do progresso e da civilização, cede aos encantos da História Natural.
A partir de meados do século XIX, graças sobretudo ao espetacular desenvolvimento das ciências da vida, novos caminhos abrem-se à própria literatura. Influenciada pelo espírito cada vez mais experimental das ciências. A literatura empenha-se com mais afinco na descrição rigorosa e metódica do real.
Surge a Teoria da Evolução de Darwin e Claude Bernard começa a exercer um enorme fascínio sobre os literatos. Auguste Comte já havia definido os fundamentos da filosofia positivista, que se tornou uma nova religião do século. Procedendo à crítica dos três teóricos do conhecimento humano – o teológico, o metafísico e o positivo – o autor do Curso de Filosofia Positiva , propõe sua doutrina do positivismo: renunciar à descoberta da origem das coisas e estabelecer, através da observação e do raciocínio, as leis dos fenômenos. Acentuando a impossibilidade de se atingir a verdade absoluta e proclamando a superioridade da experiência, comte vai contribuir de maneira decisiva para delinear o caminho aberto à inteligência da época e, em particular, aos romancistas naturalistas.
Da corrente positivista, o Naturalismo herda a preocupação pela organização racional da ordem social. A teoria de Zola resulta do nascimento da Sociologia de fato. Nascimento que é fruto justamente do aguçado desejo inerente, a vários movimentos intelectuais de resolver o aflitivo problema social. Por isso mesmo, impõe-se, no caso de Zola, o exame acurado das doutrinas humanistas que percorrem o século, com Saint – Simon, Fourier, Comte e Proudhon.
Um último nome permitirá completar o panorama das idéias que preparam e fertilizam o terreno naturalista: Hippolyte Taine, filosofo, historiador, crítico e ensaísta, Taine encarna, o exemplo mais típico de mentalidade positiva. Divulgador da teoria dos três fatores: raça, meio e momento; no qual ele se baseia para tentar explicar cientificamente o fenômeno artístico e literário.
Mas o conjunto desses postulados que influenciará profundamente o pensamento naturalista, impregnado em toda a doutrina de Emile Zola que, em 1880 escreve O Romance Experimental, um artigo em que lança as bases do romance naturalista e reúne em um único volume outros sete trabalhos publicados no ano anterior em periódicos russos e franceses.
Confessa ser sua fonte de reflexões o livro: A introdução ao Estudo da Medicina Experimental. Chega mesmo a dizer que O Romance Experimental é uma simples adaptação do tratado de Claude Bernard. Claude Bernard era uma espécie de intelectual do momento e suas idéias tinham grande aceitação nos meios literários e, ao que parece, a profunda afinidade entre o filosofo e o escritor, mostram que tinham, além de idéias concordantes, uma idêntica visão de mundo.
Para um primeiro entendimento da obra de Zola é preciso distinguir três níveis de argumentação em O Romance Experimental. 1) Definição do método experimental; 2) Sua aplicação às ciências do homem; 3) Romance experimental, propriamente dito. O método experimental. Zola define logo a experiência como “uma observação provocada com o intuito de controle”. O experimentador é mais do que um simples observador porque interpreta o fenômeno por intermédio de uma experiência cujo resultado serve de controle a hipótese inicial. Qual o objetivo de tal método? Conhecer o determinismo dos fenômenos para poder dirigi-los. A experiência torna-se o único critério válido para a busca da verdade, devendo o cientista abster-se de qualquer capricho pessoal ou crenças, sejam religiosas, filosóficas ou mesmo cientificas.
A seguir, vem a adequação entre o método e as ciências humanas. Este rigor metodológico, possível sobretudo nas ciências dos corpos brutos, parece a Claude Bernard e a Zola, perfeitamente aplicáveis às ciências dos corpos vivos. Num rasgo de otimismo, prevê o dia em que a ciência será capaz de encontrar o determinismo das manifestações cerebrais e sensuais do homem. E apesar das incertezas de sua época, não hesita muito em aventar hipóteses.
Sem me arriscar a formular leis, julgo que a questão de hereditariedade tem uma influencia muito grande nas manifestações intelectuais e passionais do homem. Dou também uma importância considerável ao meio. Por fim ao romance. O romance experimental nada mais é do que a forma ideal de literatura destes novos tempos científicos, observador – experimentador, o romancista redige a ata, ou relatório de uma experiência; ele concebe uma intriga na qual as personagens provam, pelo seu comportamento, que a sucessão dos fatos é conforme ao determinismo dos fenômenos estudados. Seu papel consiste em descrever o mecanismo simples inicial das perturbações cerebrais e sensuais que comprometem a saúde do corpo social. O escritor naturalista, diz Zola, faz uma experiência “para mostrar” ele é, pois mais um cientista do que um terapeuta. A teoria de Zola repousa assim num embasamento filosófico de natureza utópica. Trata-se de estabelecer uma sociedade melhor.
Ser mestre do bem e do mal, regular a vida, regular a sociedade, resolver com o tempo todos os problemas do socialismo e, sobretudo, fazer bases para a justiça, resolvendo pela experiência as questões de criminalidade.O que ele propõe, sobretudo, é que o escritor pare de sonhar de olhos abertos e que volte seu olhar para o mundo que o cerca, que ele descreva o real com a objetividade do cientista e levando em conta as conquistas das ciências modernas. Percebe-se também que o romance experimental se traduz mais como um desejo do que como uma realidade.