terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Pirandello




Quando um personagem nasce, adquire imediatamente tal independência inclusive do seu próprio autor, que pode ser imaginado por todos em tantas outras situações em que o autor não pensou inseri-lo, e às vezes pode adquirir também um significado que o autor jamais sonhou em dar-lhe!
"Seis Personagens em Busca de Autor" Tema

Luigi Pirandello nasceu em Agrigento, na Sicília, em 28 de junho de 1867. Foi um dramaturgo, poeta, romancista. Tornou-se um grande renovador da estética teatral, com seu profundo sentido de humor e sua originalidade. Suas obras mais famosas são: Seis personagens a procura de um autor, Assim é, se lhe parece, Cada um a seu modo, Vestir os nús, Esta noite se improvisa, Henrique IV e, o inacabado Gigantes da Montanha. Seu romances O falecido Mattia Pascal e "Um, Nenhum e Cem Mil" também foram transformados em teatro e cinema.

Em seu livro “Do teatro ao teatro”, há um capítulo chamado: O Humorismo, no qual o autor propõe que “o cômico nasce de uma percepção do contrário. Mas essa percepção pode se transformar num sentimento do contrário: é quando aquele que ri procura entender as razões da piada", abrindo mão, assim, do distanciamento. Pirandello separa o cômico do humorístico. Diz que para passar da atitude cômica para a atitude humorística é preciso renunciar ao distanciamento e à superioridade.

Luigi Pirandello participou da campanha "coleta do ouro", organizada pelo ditador italiano Benito Mussolini, que visava levantar fundos para o país. A campanha era uma resposta à Liga Nações que impôs sanções econômicas à Itália após esta ter invadido e declarado guerra a Etiopia (1935-36). Nesse período, alinhado com o fascismo de Mussolini, Pirandello ganhou o Nobel em 1934 e doou todo o prêmio para a campanha de anexação da Etiópia.

Pirandello foi um dos mais importantes autores do teatro moderno europeu. Inovador em sua estética dramaturgia. Suas peças fazem uma análise psicológica da natureza humana, baseando-se na obra de Sigmund Freud e de Alfred Binet.

Estudou na Universidade de Roma e especializou-se em filologia na Universidade de Bonn, Alemanha. Ao voltar à Itália, alguns anos depois enfrenta problemas financeiros que levam sua mulher à loucura. Passa a dar aulas de italiano e escreve o primeiro romance de sucesso, O Falecido Mattia Pascal (1904), cuja principal influência é o realismo italiano do século XIX.

Em Os Velhos e os Jovens (1913), critica a decadente burguesia italiana. Para o teatro, o primeiro sucesso é Assim é se lhe parece, de 1917.

Em 1921 inaugura a estética do teatro dentro do teatro com Seis personagens à procura de um autor; tida como sua principal peça.

Outro sucesso é Henrique IV, de 1922, em que a loucura aparece camuflada sob a aparência de normalidade.

É assim que Pirandello qualifica a sua última obra, "Os Gigantes da Montanha", quando está ainda a meio caminho no seu trabalho de escrita: Humorous/Tragedy, este aparente paradoxo nos oferece uma combinação de sombras e de luz, de encantos e de crueldade. Cotrone, é o mágico poeta, porta-voz de Pirandello, que convida-nos, do crepúsculo até à madrugada, no espaço duma noite, a rasgar a trama do tempo que passa. O seu território é uma "casa céu". Se se passar a porta, penetra-se num vasto quarto escuro, câmara de eco, lugar de todos os sortilégios. Para provocar a travessia das aparências e o aparecimento da verdade escondida no fundo de cada um de nós, torna-se encenador. O teatro dele, o seu palco, é o inconsciente. Como Lewis Caroll, diverte-se a fazer com que o Ser e o Parecer se confrontem. Chega mesmo a fazer reluzir a tentação de se desfazer o parecer para sempre, em proveito da total liberdade do ser. O seu jogo é desembaraçar o impulso vital, reconhecer a pulsão da morte, aceitar os desejos escondidos "nas cavernas do instinto". O subterfúgio é tanto mais eficaz quanto os seus hóspedes de uma noite são atores. São sete atores, últimos elementos de uma companhia desgastada, arruinada, com falta de público para quem representar. Ser e parecer, entre estes dois pólos oscila, precisamente, no trabalho dos atores. Cotrone lembra-lhes que a essência da arte está contida nos jogos dramáticos ou nos jogos divertidos da infância. Acreditar, abandonar-se como as crianças: então tudo se torna possível. E prova-o! Mas no nosso pobre mundo, aquele que Cotrone abandonou há muito, é o princípio de realidade que prevalece. Uma companhia de teatro, fixa ou itinerante, precisa do público para viver e para sobreviver. Esta história expõe-nos o conflito trágico entre as razões irreprimíveis da arte e uma sociedade onde a arte só tem a justificação do mercado. Apesar do seu lado utopista e marginal, o mundo de Cotrone e dos seus amigos, os Scalognati, oferece, todavia, traços do real; é um mundo onde se exprime um certo realismo místico, um realismo mágico, e sobretudo, um realismo metafísico. Àquela fugitiva tentação de abandono, de renúncia, Ilse Paulse, a grande atriz caída, resiste. Partirá, sozinha, para enfrentar os "Gigantes", enquanto as últimas palavras da peça ficam a ressoar de pavor no meio do ruído crescente: "Tenho medo, tenho medo…" Será preciso segui-la até ao fim? Será preciso prestar atenção ao aviso de Cotrone? Será preciso vencer, ou ceder ao medo dos "Gigantes"? Porque, finalmente, quem são aqueles "Gigantes"?O "grande Outro"? As figuras impossíveis de olhar dos nossos medos ancestrais? Uma parte de nós mesmos…
Em dez de dedzembro de 1936, Pirandello morreu, em Roma, Itália, aos 79 anos.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Stanislavski e a ética no teatro


As palavras ética e moral costumam ser usadas indiferentemente, mas, em geral, têm um sentido bastante distinto. A moral se relaciona às ações, isto é, a conduta real. A ética é o conjunto de princípios ou juízos que originam essas ações. Pode-se afirmar que ética e moral são complementares, como se fosse uma, a teoria e outra, a prática. Pode-se definir ética como “filosofia moral”, que trata dos costumes, ou, dos deveres do homem para seus semelhantes e para consigo. Examinar questões éticas pode resultar na elevação de nossa moral.
Stanislavski considera a ética no teatro fundamental para o processo de criação, já que se trata de um processo coletivo. Mesmo encenando um monólogo o ator necessita de uma equipe de pessoas como: diretor, iluminador, operador de som, contra-regra, bilheteiro etc. Não há como comparar sua arte com a de um pintor que, na solidão do seu atelier, cria sozinho sua obra de arte, precisando apenas dele mesmo, de suas tintas e suas telas.
O fato de o ator ter que estar pronto para produzir numa determinada hora e lugar, obriga-o a estar inspirado num momento preestabelecido. Coisa, que segundo Stanislavski, só é possível através de uma dedicação que vá além dos horários de ensaio; pontualidade, cooperação, e respeito também fazem parte do espetáculo. Cuidar da sua preparação vocal, física; concentrar-se, observar e dedicar-se à construção do personagem nas horas de folga, é o “dever de casa” do ator. Não cabe só ao diretor ter as idéias e ao ator executá-las. O ator é, antes de qualquer coisa, um ser criador, um artista. E como artista deve ter inteligência para criar preservando sua imagem pública, pois, em função do seu próprio ofício se torna um formador de opinião. É essencial que tenha noção da responsabilidade que tem diante da sociedade. Creio que a ética no teatro possa se resumir em respeito, respeito para com a sua arte, para com seu semelhante e para com a sociedade.
Aquilo que é produzido pelo ambiente que circunda o ator no palco e pelo ambiente da platéia Stanislavski vai chamar de ética, termo que se complementa com a disciplina e o senso de empreendimento conjunto no trabalho do teatro. Essas coisas reunidas criam uma animação artística, uma atitude de disposição para trabalhar coletivamente. Cria-se um estado favorável à criatividade. A ética do teatro prepara e facilita esse estado.
Para se estar inspirado todos os dias num momento preestabelecido é preciso ordem, disciplina e um código de ética, não só para as circunstancias gerais do seu trabalho, mas sobretudo, para os seus objetivos artísticos. A condição primordial para acarretar esta disposição preliminar é seguir o princípio de “amar a arte em nós e não a nós mesmos na arte”. O teatro tem a capacidade de tornar o ator uma pessoa melhor.
A paixão verdadeira está na pungente aquisição de conhecimentos sobre todos os matizes e sutilezas dos segredos criadores. Se o ator viver apenas de uma ininterrupta excitação da sua vaidade pessoal, ele estará destinado a rebaixar-se e tornar-se banal. Uma pessoa séria não pode se interessar muito tempo por esse tipo de vida, mas as pessoas superficiais ficam fascinadas, degradam-se e são destruídas. É por isto que no mundo do teatro temos de viver sob rígida disciplina. “Nunca entrem no teatro com lama nos pés. Deixem lá fora sua poeira e imundice. Entreguem no vestiário as suas pequenas preocupações e dificuldades junto com os seus trajes de rua e também as coisas que desviam nossa atenção da arte teatral”.
Stanislavski compara o trabalho do ator ao sacerdócio. O sacerdote tem consciência da presença do altar durante todos os instantes em que oficia um ato religioso. E é dessa mesma forma que o verdadeiro artista deve reagir no palco durante todo o tempo que estiver no teatro. O ator que não for capaz de ter este sentimento nunca será um artista do palco.
Muitos atores, em cena fazem todo o esforço para transmitirem impressões artísticas e belas mas, depois que saem do palco, quase a zombar dos espectadores, fazem o máximo possível para desiludi-los. Só quando o ator está em casa, a portas fechadas, na intimidade de suas relações, é que o ator pode descontrolar-se porque o seu papel não acaba de ser representado com o baixar do pano. Ele tem ainda a obrigação de carregar consigo o estandarte da qualidade de vida, da dignidade, do respeito mútuo. Ser ator é abraçar um estilo de vida ética, digna. Não se trata de algo especial por ser o ofício do ator especial, muito pelo contrário, creio que é a única atitude a se cobrar de qualquer servidor público.
Em teatro um trabalha por todos e todos trabalham por um. É preciso haver responsabilidade mútua e quem quer que traia tal confiança não deve fazer parte do grupo. Um princípio democrático deve mover as escolhas de um grupo. Em teatro só se produz em conjunto, portanto, uns dependerão dos outros. Se houver ordem e uma boa distribuição do trabalho o esforço coletivo será produtivo e agradável, porque estará baseado no auxílio mútuo. Se cada um age corretamente em função da responsabilidade coletiva chegando ao ensaio bem preparado, cria-se uma atmosfera estimulante. É importante ter a atitude certa para com o objetivo de cada ensaio. O ensaio apenas esclarece os problemas que o ator elabora em casa.
Atores que tomam notas e planejam seu trabalho em casa são os mais confiáveis, pois nenhuma memória é capaz de absorver todas as informações de um ensaio, Além do que, lidando com sentimentos armazenados na memória afetiva para compreender, abranger e evocar todos esses sentimentos, o ator tem de achar a expressão exata daquele sentimento.
Um cantor, um pianista e um dançarino, começam o seu dia, tomando banho, vestindo-se, tomando café e fazendo vocalizes, tocando suas escalas, e exercitando-se na barra. Isto, eles fazem dia após dia, faça chuva ou faça sol. Dia omitido é dia perdido, em detrimento da arte do interprete. Somente o ator, depois de se levantar, vestir e alimentar, pela manhã, corre para a rua à procura dos amigos ou outras ocupações pessoais, porque é à sua hora livre. O ator, mais do que qualquer outro artista especializado, precisa desse aperfeiçoamento. Enquanto o cantor só precisa se preocupar com a voz e a respiração, o dançarino com o seu equipamento físico e o pianista com suas mãos, o ator é responsável por braços, pernas, olhos, rosto, pela plasticidade de todo o seu corpo, seu ritmo e seus movimentos. É responsável por exercícios que não terminam com a formatura e continuam a ser necessários durante toda a vida do artista. E quanto mais velho se fica, mais necessário se torna o apuro da técnica. Portanto, a manutenção de um sistema de exercícios físicos regulares é fundamental.O problema para a nossa arte e, por conseguinte, para o teatro é criar vida interior para uma peça e suas personagens, exprimir em termos físicos e dramáticos o cerne fundamental, a idéia que impeliu o escritor a produzir sua obra. Para atuar com êxito, o ator precisa estar sob certas condições necessárias. Qualquer pessoa que perturbe essas condições, mostra-se desleal para com a sua arte e para com a sociedade à qual pertence. O mau ensaio prejudica um papel e um papel distorcido impede o ator de executar sua tarefa primordial.