terça-feira, 4 de agosto de 2009

Tirso de Molina


Frei Gabriel de Tellez é o nome verdadeiro do dramaturgo espanhol Tirso de Molina, homem pleno de “talento e infortúnios”, segundo ele mesmo disse em uma de suas obras. Vastíssima foi sua produção literária, iniciada em 1606. No entanto, muito do que fala a respeito de sua vida e obra não são de todo verdade. É possível que fosse “filho natural” do duque de Osuna. Nada se sabe ao certo, embora chame atenção à maneira com que trata a leviana conduta das pessoas da alta sociedade daquela época. Não obstante, cabe destacar que gozou de esmerada educação, estudou na Universidade de Alcalá e, com certa amargura, tornado teólogo de renome.

Em 1600, suas inclinações religiosas o enviaram como noviço com 30 anos de idade, ao convento da ordem de Mercedes de Guadalajara, local onde, um ano mais tarde professaria seus votos solenes. Passou por vários conventos até que em 1616, quando se encontra em Sevilla, embarca para a ilha de Santo Domingo, onde se aprofunda em Teologia.

De volta à Espanha, com um amplo acervo de memórias coletadas em suas viagens, afirma ele: “não merece o nome de homem quem permanece encerrado em seu país e ignora as demais gentes”. Tirso viajava muito pelo interior da Espanha e tinha convívio com gente de relevada importância; foi muito amigo de Lope de Vega, a quem conheceu na Academia Poética fundada pelo humanista Juan Francisco de Medrano. De Lope dirá em alguma ocasião “…tem elevado a comédia a tal ponto de perfeição e sutileza que pode formar escola por si só; e todos nós, que nos consideramos seus discípulos, teremos que defender sua doutrina contra seus adversários entusiásticos”.

A ele são atribuídas aproximadamente 400 obras e sabe-se de algumas outras perdidas, porém grande parte de seu material foi salvo e constituem um dos tripés gloriosos do teatro de ouro espanhol, junto com ‘o monstro’ Lope e o “imortal” Calderón.

Por causa da publicação de seu renomado livro “misceláneo Cigarrales de Toled” (1621) que inclui prosa, verso e teatro, uma comissão de examinadores da Inquisição o exilou da Corte, por volta de 1626, por atentar contra a moral cristã. Molina imprimiu caráter religioso às suas obras, uma mescla de histórias piedosas, poesia devota e autos sacramentais; sua aparição, em 1635, anos mais tarde de que fora nomeado cronista oficial da Ordem a qual, três anos depois dedicou a “História geral da Ordem de Mercedes”. Apesar destes trabalhos, recebeu novas críticas que lhe valeram novos desterros. Embora tenha vivido seus últimos anos de vida em Soria (como prior) e em Almazán, sua glória se deve a seu talento e fecundidade da obra.

No teatro dominou a “intriga” com uma estrutura cuidadosa e, segundo os eruditos, criou uma ponte entre a comédia Lopesca e o intrincado desenvolvimento que alcançaria Calderón de la Barca. Sua inspiração toma atitudes variadas, com personagens talentosos e maníacos, impulsivos ou hipócritas, sem médias tintas. Entre seus trabalhos, chama a atenção uma obra em prosa, derivada do Decamerón e as novelas (tipo italiano) que agrupam várias histórias narradas por damas e cavalheiros.

Trata-se de um poema dramático e intenso e comovente destinado a apartar os seculares dos mistérios de preocupação mórbida por uns mistérios impenetráveis, orientando para a prática de um cristianismo sadio. É, acima de tudo, uma obra sobre a vida e a morte do ponto de vista da prática religiosa.“El condenado por desconfiado” tem tanto, os protagonistas, quanto, intrigas entrelaçadas de igual importância temática e tende a provocar a reflexão sobre a natureza da verdadeira devoção.

Dentre suas quatrocentas comédias destacam cerca de sessenta publicadas entre 1627 e 1636, algumas das quais mencionaremos: (cenários históricos) La prudencia de la mujer”, “Las quinas de Portugal” (hagiografia (vida dos santos)), “La venganza de Tamar “(sobre os amores incestuosos de Ammón, primogênito do Rei David, e sua hermanastra Tamar), “La espigadera”, “Santa Juana”. Inúmeros assuntos são dedicados ao teatro de Tirso, inclusive os costumes relaxados de seus contemporâneos, donde encontramos sigilosos agravos acerca da duvidosa origem de frei Gabriel Téllez.

Demonstram particular interesse às comédias de enredos, as que cabe mencionar: “El vergonzoso en palácio” (um pastor, Mireno, sente um desejo instintivo de levar uma vida nobre e devido a um infortúnio é preso quando leva as roupas do secretário de um duque. No palácio ducal diz chamar-se Don Dionís, e a filha do duque, que se enamora dele, convence o pai para que lhe devolva a liberdade em nome do secretário. Com diversos ardis, a filha do duque consegue persuadir o jovem por quem está apaixonada. Tudo acaba bem. A protagonista declara-se astutamente em sonhos a seu tímido galã).

Muitos são os temas e todos delineados com engenho por Tirso de Molina, mas teremos que deter-nos no “El burlador de Sevilla”, donde se combinam elementos do drama religioso, da comédia de capa e espada e (novamente) as sátiras de costumes relativos às classes elevadas. Tudo nos leva à figura de Don Juan, cujo desordenado erotismo o confronta moralmente com a sociedade, fazendo-lhe digno do castigo divino. Assim, “El burlador de Sevilla” é a principal fonte de uma tradição literária internacional: a do mito de Don Juan, a que pertencem numerosas obras de grande vulto, a miúde muito diferentes, desde a Espanha do século XVII até a Inglaterra.

Com efeito, “El burlador de Sevilla (O trapaceiro de Sevilla)” não foi a primeira obra que foi escrita sobre Don Juan. “El burlador” foi impresso no século XVII como obra de Tirso, mas é de assombrar-se que não figura em nenhum dos livros que o mesmo publicou.Assim mesmo, fala-se de semelhanças com outra obra atribuída a Calderón, mas a maior parte dos entendidos convencionam de que tem o brilho e a eloqüência de Tirso.

O Que é El burlador de Sevilla? Arrogante e desinibido, Don Juan Tenorio surpreende a diversas mulheres com enganos e astúcias covardes.É filho privado do rei de Espanha e sobrinho do embaixador espanhol em Nápoles e também trapaceiro, arrogante e nécio. Seduz as damas, engana-as com falsas promessas de matrimônio; no caso de Dona Ana de Ulloa, escondido, mata o pai dela, Don Gonzalo, e passado um tempo, quando visita a tumba deste, tira-lhe a barba e convida-o a jantar em sua companhia. A estátua aparece e intima-o, e a seu término convida-o a sua vez a jantar na capela. Don Juan foge para a igreja donde está sepultado Don Gonzalo e traz uma comida composta de escorpiões, víboras e fel, a estátua toma a mão de Don Juan e ambos se aprofundam no inferno. O rei de Espanha coloca ‘ordem’ na sociedade casando as vítimas de Don Juan com pares adequados. Tem-se falado que El burlador é um drama em que a edificação da sociedade humana se mostra débil e suja. Wilson a considera uma grandiosa e impressionante tragédia social.

Finalmente, o êxito da versão de Don Juan Tenorio, de Zorrilla, tem imortalizado a personagem em todo o mundo.A incansável “pena” de Tirso penetra, temerária na ligeireza da vida monástica (que deve ter produzido alguns dissabores) em “La elección por la virtud”, composta em 1622. Por esses tempos teve severas críticas da Igreja em que nosso dramaturgo escapou por sorte.
Nessa época nosso inspirado escritor dá a luz a uma obra talentosa, divertida e intencionada: “Don Gil de las calzas verdes”. Escreveu também, “La prudencia en la mujer”, drama histórico centrado nas figuras de Fernando IV, “el Emplazado, y la reina madre, dona María de Molina”; houve algumas habituais que saborearam os ‘currais’ de Madrid como: “Los balcones de Madrid”; “Bellaco sois, Gómez”; “El honroso atrevimiento”;”El celoso prudente” e alguns autos sacramentais para estar de bem com a Igreja.

Sua obra esteve relegada à segundo plano, considerada como "menor" que a de Um Calderon, ou de um Lope de Vega, mas parece que o século XIX começou a desfazer esse "mal-entendido". Sua obra ressurge, graças aos estudos de Dionisio Solís, Agustín Durán e Juan Eugenio Hartzembusch.

Tirso, com Lope e Calderón, representa, com Cervantes à frente, o melhor que o "Século do Ouro Espanhol", ofertou a cultura européia. Obras como “El vergonzoso en Palácio”, “La villana de Vallecas” e sobretudo a diabólica presença de Don Juan, asseguraram a permanência de Frei Téllez, e asseguraram um Tirso com talento e humildade, mas também com talento e penetração, imortal nos costumes de um povo que asseguraram ao dramaturgo permanência na cabeceira do melhor teatro castellano.