terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Ibsen, primeira parte


Em 20 de março de 1828, em Skien, uma pequena cidade naval da Noruega, nasceu Henrik Ibsen, em uma família abastada, filho de uma mãe que, apesar de na juventude ter tido algumas aspirações artísticas, tornou-se tão somente a progenitora de seis filhos. Seu pai, um bem-sucedido especulador, foi à bancarrota quando Ibsen tinha apenas oito anos. De toda a riqueza da família sobrou apenas uma granja, onde todos os Ibsen foram morar. Em 1844, o jovem Ibsen empregou-se como aprendiz na botica de um químico em Grimstald. A família, que esperava dele algum tipo de assistência financeira, ficou a ver navios. Com o tempo passou a considera-lo um livre pensador e depois, uma alma perdida. Em Grimstald, passou seis anos. Mal pago e dividindo o quarto com os filhos de seu patrão, acabou se envolvendo com a criada da casa, dez anos mais velha, com quem teve um filho quando tinha apenas dezoito anos. Foi promovido à assistente de farmacêutico, e, em conseqüência da paternidade, acabou se mudando para um bairro melhor, para uma casa maior. Essa mudança foi-lhe benéfica, pois ali fez amigos com os quais discutia política, escreveu poemas satirizando a liderança conservadora e defendendo a liberdade de expressão. Nesse período ganhou fama de radical e atraiu para si, a atenção dos jovens aristocratas.
Influenciado pela leitura dos discursos de Cícero escreveu a Catilina, sua primeira peça, uma tragédia, escrita em pentâmetros iâmbicos. Nessa peça Ibsen dramatizou os erros e hesitações de Catilina, um personagem que tentou destruir o status quo da claudicante República romana. Quando foi publicada em 1850, era de fato a primeira peça norueguesa publicada em sete anos. Depois, escreveu Os Normandos. Mudou-se para Kristiania, uma cidade grande finalmente, a fim de prestar os exames para entrar na Universidade. Na Universidade desistiu da medicina, carreira que sempre desejou abraçar para assistir às aulas de filosofia e literatura, e vendeu os direitos de publicação de Os Normandos, que foi publicada sob o título de O Túmulo dos Gigantes. Em 1851 já era um ativo jornalista, trabalhando primeiro em um órgão sindical socialista e depois em um jornal mais liberal e mais eclético. Nessa mesma época, Olé Bull, um diretor artístico mais progressista o convidou a assumir um posto num pequeno teatro em Bergen. Em seguida, a direção do teatro lhe deu uma subvenção para estudar na Dinamarca e na Alemanha. Quando regressou de Bergen foi nomeado dramaturgo oficial do teatro local e impôs-se a tarefa de criar uma dramaturgia nacional.
Em 1852 escreveu A Noite de São João, uma comédia fantástica, de caráter romântico, muito inspirada em Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare, construída em torno de canções populares escandinavas. Um retumbante fracasso, mas que não abateu o dramaturgo. No ano seguinte escreveu A Dama Inger em Ostraat, a história de amor de uma jovem que se apaixona por um guerreiro que se opõe às aspirações patrióticas da moça, pois que está tentando manter a Noruega sob o jugo da Dinamarca. Dama Inger é impedida de se entregar sem reservas ao seu amor, sem que houvesse a libertação da Noruega medieval. Também fracassada, a peça colocou o confiante Ibsen numa situação delicada. Era preciso fazer um sucesso. O que ocorreu logo em seguida com A Festa em Solhoug, uma imitação popular de uma peça dinamarquesa que obteve grande êxito. A seguir escreveu Olaf Liyekrans e Os Heróis de Helgeland, uma saga nórdica aclamada pela crítica como uma das mais vigorosas obras dramáticas norueguesas aparecidas até então.
Como qualquer escritor, Ibsen sentiu-se “amarrado” aos cabos do romantismo, que já não queria abraçar. Atormentado por dúvidas acerca de si mesmo, sua obra começa a se tornar amargurada. Escreve em 1862 uma poética, mas satírica Comédia do Amor, e embarca pela primeira vez na investigação do homem e da sociedade modernos, que marca sua principal contribuição para o teatro. O fracasso da peça o fez dar um passo atrás e voltar a escrever alguns dramas históricos. Os Pretendentes à Coroa, um grande sucesso encerra o embrião de uma filosofia essencial dos trabalhos posteriores de Ibsen, nos quais o indivíduo perde a felicidade e o auto-respeito a não ser que possa conquistar liberdade criativa de pensamento e ação. Seus diálogos tornam-se frases vivas, instrumentos penetrantes de emoções intensas.
Auxiliado por outra subvenção do governo e por contribuições de seu amigo e admirador Björnson, Ibsen deixou a Noruega mais uma vez na primavera de 1864. Em Copenhague ficou profundamente abalado com a derrota da Dinamarca pela Prússia e pela Áustria e protestou inflamadamente contra a iniqüidade prussiana e também contra a inação da Noruega por não dar apoio a Dinamarca naquele momento. Na Alemanha, viu o regozijo dos vencedores; saiu de Berlim o mais rápido que pode. Terminou indo aos principados alemães não unificados, à Viena, à Suíça e a Itália.
Estava desolado com a situação européia, inteira às voltas com as revoluções liberais que terminaram por unificar a Alemanha e a Itália, sentia-se feliz com a consciência de novos poderes poéticos em sua obra. Seu ponto de partida foi Brand, peça heróica e afirmativa, escrita em 1866 e bastante influenciada pelo filósofo Sören Kierkegaard, que pode ter servido de protótipo de Brand para Ibsen. Kierkegaard recusava-se a se preocupar com os pequenos e mesquinhos vícios, o problema com sua época era a acomodação. O combativo pároco Brand satiriza o mundo mesquinho nos retratos de um prefeito que é um completo comodista, de um artista que passa da covardia da arte convencional para a da religião convencional e da população que renuncia ao idealismo no mesmo momento em que se depara com uma forma segura de obter lucros. Brand descreve a luta inspirada de um pároco pouco convencional contra a pobreza espiritual de seu povo. O asco sentido por Brand em relação às formas comuns de comportamento teve início quando viu sua mãe, que regenera os impulsos do coração e contraíra um casamento por interesse, remexendo cobiçosamente os pertences do esposo agonizante. A partir de então o jovem clérigo segue o caminho contrário, o da completa abnegação, intrepidamente levando conforto a uma jovem a agonizar sobre ermos de neve que o próprio pai da moça não pensa em atravessar, e arriscando a vida numa tempestade. Por outro lado, não poupa aqueles que lhe são mais chegados, renegando a própria mãe quando esta se agarra aos bens materiais e recusando-se a levar o filhinho doente para o sul, o que poderia ser interpretado por seus paroquianos como uma deserção. É o drama pessoal de um idealista que sustenta suas pregações e humaniza o caráter. A religião para Brand não é uma conveniência, e sim uma aspiração que desafia todos os elementos subalternos na alma humana. A queixa maior de Brand, repetida, sucessivas vezes na obra de Ibsen, é que a sociedade individualista de classe média, na qual vive, em última análise, enfraquece a individualidade. A família e suas convenções por fim são amarras fechadas demais.
A peça seguinte é uma espécie de antítese de Brand, Peer Gynt é a encaranção de tudo o que se mostra vacilante e instável no homem e a história é narrada na forma de uma fantasia pitoresca. Ibsen criou um personagem travesso, um rapaz que irrita os vizinhos e, que ao crescer torna-se um autêntico carreirista. No início é um mentiroso incorrigível, um verdadeiro “contador de histórias”. Depois de pendurar sua irritada mãe Ase no teto da cabana onde vivem, sai pelo mundo despreocupadamente, rouba a noiva de um homem e a abandona na estrada, foge com três moças, namora a filha de um Troll, que engravida, Peer foge dessa criança indesejada, e só encontra seu verdadeiro amor quando encontra Solveig, que deixou os pais para segui-lo. Foge de Solveig, pois teme macular esse amor tão puro. Volta para casa para encontrar a mãe moribunda e confortá-la com suas irrefreáveis fantasias. Quando voltamos a encontrá-lo, Peer degenerou, levado por sua fraca natureza. É um ex-mercador de escravos que prosperou nos Estados Unidos e cujo iate, agora, navega pela costa do Marrocos. Planeja tornar-se imperador do mundo e volta-se para as finanças internacionais posto que precisa de mais ouro para realizar seu intento. Com a guerra entre Grécia e Turquia, Peer empresta dinheiro aos turcos que lhe roubam deixando-o encalhado e falido. Prestes a afogar-se em seu regresso à terra natal, salva-se do afogamento às custas de um outro homem. Chega depois a retribuição na forma de um moldador de botões, e Peer, o individualista, é informado de que foi uma pessoa muito vil, muito ordinária, merecedora apenas de ser mergulhado na massa. Um comodista a cavalo, galopou duro, sem conseguir chegar ao céu ou ao inferno. Uma ousada extravagância do teatro moderno.
Em 1868 escreveu A Aliança da Mocidade, uma realística denúncia da política local. Seguido de Imperador e O Homem da Galiléia e Os Pilares da Sociedade. Na verdade, Ibsen sentia-se cada vez mais convicto de que a civilização não poderia ser livre enquanto metade do gênero humano permanecia submetida a uma servidão legal. Parecia-lhe claro que a civilização só poderia ser salva pelas mulheres, visto que essas se encontravam menos ligadas ao mundo dos empreendimentos venais e era das mães que os homens recebiam seus primeiros ensinamentos.
Quando olhou de fato para a servidão das mulheres, surgiu Casa de Boneca, cuja personagem principal, Nora era um malogro como personalidade porque nunca nada lhe era atribuído। Nunca pode ter uma personalidade, sequer desenvolver uma. Fora superprotegida pelo pai, depois pelo marido e nenhum desses homens ofereceu oportunidade para essa mulher adquirir educação mais ampla ou mesmo para dominar as realidades mais elementares do mundo social. Ingenuamente ela alegremente comete uma falsificação a fim de conseguir um empréstimo para salvar o marido da bancarrota. Repentinamente, as complicações resultantes de sua ignorância despertam-na para a necessidade de aprender algo sobre o mundo à sua volta. E isso só seria possível se ela abandonasse o marido que a trancara numa “casa de boneca” onde se esperava dela beleza, alegria e submissão. A peça provocou escândalos e polêmicas, pois nela, Ibsen claramente ínsita as mulheres a saírem da toca e a participarem do mundo.Sua peça seguinte, escrita dois anos depois, em 1881, põe de lado os pequenos expedientes familiares e dá maior força de realidade ao diálogo e desenvolvimento dramático.
Os Espectros é a tragédia da Sra Alving, cuja observância das convenções do casamento acorrentou-a um marido infiel e sifilítico। Estarreceu o mundo ao introduzir os temas da hereditariedade e da doença venérea no teatro. Ibsen criou um tenso drama humano e ao mesmo tempo insuflou nele abrangente reflexão de que o homem era assombrado pelas convenções mortas às quais se vinculara. Os Espectros é um intenso protesto contra tudo que atravanca o caminho do indivíduo em sua busca de integridade e felicidade.
Escrita na seqüência Um Inimigo do Povo é uma expressiva sátira da vaidade e fugacidade humanas, da hipocrisia da sociedade respeitável que se mostra disposta a suportar qualquer coisa conquanto haja algum lucro a ser tirado, e a crítica mostra-se igualmente eficaz na denúncia da frouxidão dos assim chamados liberais da imprensa. A peça critica a ambição por poder quando este não traz problemas; porém, quando as dificuldades se tornam evidentes, há uma verdadeira caça as bruxas em busca de alvos para serem culpabilizados. Na história, um médico recebe a confirmação de problemas ambientais ligados às condições do balneário da cidade que é dirigida pelo prefeito da cidade, que é seu irmão mais velho. A partir da confirmação e denúncia de tais problemas o médico enfrenta a ira dos burocratas e o desmantelamento de sua própria família. Além de lutar contra o grande inimigo de qualquer cidadão em seus plenos direitos civis: a maioria contrária e ignorante, alienada e seduzida pelas artimanhas dos altos escalões políticos.