segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Strindberg, o anti-ibsen escandinavo


Johan August Strindberg nasceu na Suécia em 22 de janeiro de 1849, foi pintor, escritor e maior dramaturgo sueco. Figura ao lado de Henrik Ibsen, como o maior escritor escandinavo. É um dos pais do teatro moderno. Seus trabalhos são caracterizados por uma primeira infância romântica, um amadurecimento realista e naturalista, e uma velhice simbolista de antecipação ao expressionismo.
Nasceu vinte e um anos depois de Ibsen e precisou trabalhar duro para sobreviver. No primeiro de seus romances autobiográficos, Strindberg chamou a si mesmo de “o filho da criada”. Sua mãe era garçonete em um bar em Estocolmo. Seu pai era um homem de negócios que, só casou por tê-la engravidado, e tal só ocorreu às vésperas de seu nascimento.
Aos treze, sua mãe morreu. Um ano depois seu pai casou novamente. Strindberg tornou-se extremamente sensível, desconfiado e facilmente irritável. Também não encontrou alento na Universidade de Upsala, onde entrou em 1866, aos dezoito anos. Abandonada a faculdade, Strindberg se viu dando aulas na mesma escola em que estudara, a qual odiava. Tornou-se paranóico e pessimista.
Depois de tentar enveredar pela poesia passou a escrever peças curtas, uma das quais encenada pelo Teatro Real com relativo sucesso. Com O Fora da Lei, Strindberg conseguiu uma bolsa de estudos dada pelo Rei Carlos XV da Suécia, o que lhe permitiu retornar a Universidade. Mas ele ficou pouco tempo por lá. Brigas e desentendimentos com professores e negligência nos estudos o forçaram a sair novamente. Ainda assim, estudou medicina, jornalismo e tornou-se ator, julgando todos os seus esforços infrutíferos, retirou-se para uma ilha e dedicou-se inteiramente a literatura. Porém, o fracasso da peça O Mestre Olef, um longo drama histórico em estilo romântico constituiu-se um desapontamento tão agudo que Strindberg quase desistiu de tudo.
Ao conseguir um emprego na Biblioteca Real, pode ler, teve acesso à filosofia, tentou aprender chinês e chegou a escrever uma erudita monografia. Sob a influência da baronesa Wrangel, que abandonou marido por sua causa, o autor escreveu seu primeiro sucesso em forma de romance. Na seqüência escreveu O Povo Sueco que rapidamente se tornou o livro mais popular do país, uma série de contos históricos. Com o sucesso, demitiu-se da Biblioteca Real e foi para a Suíça. Lá, escreveu: Casados, uma série de contos sobre o matrimônio ultrajando as respeitabilidades, o que acabou levando seu editor ao tribunal. Apesar do confisco do livro, sua popularidade só aumentava.
Com Casados, editado em 1886, Strindberg lançava as bases da toda a sua dramaturgia: observação ultra-realista, descompostura psicológica e antifeminismo ferrenho, tornando-o uma espécie de voz contrária a do progressista norueguês Ibsen. Tornou-se um AntiIbsen escandinavo. O ponto fundamental de sua tese é que entre o homem e a mulher há uma constante e desgastante luta pelo poder. E que a emancipação das mulheres serve apenas para exacerbar o conflito, pois intensifica nelas à vontade de poder e, na verdade, torna-as mais fortes do que os homens, pois são inescrupulosas. Strindberg afirmava que devia haver um amo no casamento e que este deveria ser o homem porque havia menos probabilidade de que este abusasse do poder.
O que quer que se possa pensar a respeito das teses de Strindberg em relação à mulher, o fato é que ele se tornou um extraordinário escritor, certamente o mais importante autor sueco que se tem notícia, ainda hoje. De suas observações particulares desenvolveu rara habilidade em criar personagens extremamente densas, tornando-se um mestre do drama psicológico.
Em 1887 escreveu O Pai, segundo Gassner, um dos mais densos dramas psicológicos do teatro moderno. Em 1888, Camaradas. Ambas as peças tem tramas parecidas e são centradas em uma personagem feminina, parasitas por natureza, que sugam o talento superior do marido. Porém seu estilo realista de drama psicológico chega ao auge em Dança da Morte, escrita em 1901. Nessa peça, curiosamente, quem assume o papel de carrasco é o marido. A esposa só se livra de seu reinado de terror depois que ele dois ataques de apoplexia. Este homem sádico, ególatra, morre plenamente convencido de que é um justo e que deve perdoar a esposa. Esta, por sua vez, também não é exatamente a bondade em pessoa. Ela o provoca, o trai, bate nele e puxa-lhe a barba quando sua condição o torna incapaz de qualquer defesa. O ódio cria nos dois um elo tão profundo quanto o amor seria capaz de construir.
Senhorita Julia, obra realista de forte impacto sobre olhos mais delicados funde duas observações principais em uma só trama densa e poderosa: o duelo dos sexos e o duelo das classes alta e baixa. Senhorita Julia, criada por uma mãe furiosamente feminista, alternadamente, odeia os homens, e deseja-os de forma quase ninfomaníaca. Sadicamente, chicoteia o noivo aristocrata até que o perde quando ele se rebela. Sendo a repugnância superada pela libido, ela se atira nos braços do lacaio do pai. Quando a repugnância volta a aparecer, comete o suicídio. Uma solução bem sueca. Este drama tenso está localizado junto as mais importantes obras do naturalismo.
Em 1891, Strindberg se divorcia em desagradáveis circunstâncias, mas 1893 casa-se novamente com uma escritora e torna-se pai. Mas esse segundo casamento também termina em divórcio em função do sombrio estado mental do dramaturgo. Strindberg, então se volta para o misticismo e para a química, em conseqüências passa a sentir reações psíquicas estranhas que o levam a internação. Sua obra, a partir daí, se torna menos sombria e mais bondosa.
Escreveu uma peça histórica, Rainha Cristina e, logo depois, Gustavus Vasa, um drama importante para a história sueca por tratar-se de um governante muito admirado em toda a Escandinávia.
A última fase de sua obra pode ser chamada de simbolista. Produtos dissociados, esquizofrênicos, combinando o mais escrupuloso realismo de pormenor com as mais evanescentes tramas e personagens. A essa fase pertencem: O Sonho, muito conhecido no Brasil como Epifania (em função de uma montagem famosa dirigida por Moacir Góes nos anos 90, traduzida por Clara Góes, com este título), O Caminho de Damasco, A Grande Estrada e A Sonata dos Espectros. Essas obras simbólicas estão cheias de piedade pelo atormentado gênero humano. Oferecem uma experiência surrealista que perturba a alma e abre nela algumas janelas. Strindberg também pode ser considerado, de certa forma como “pai” do expressionismo no teatro, movimento que ampliou os horizontes dramatúrgicos, antecipando tanto a exploração da psicanálise quanto os pesadelos expressionistas da década de 20, do século XX.
Depois de um terceiro e curto casamento em 1901, com uma jovem atriz que trabalhava em uma peça sua, Strindberg morreu em 14 de maio de 1912, deixando junto com Ibsen, morto seis anos antes, a dramaturgia escandinava órfã de grandes autores.

5 comentários:

Mariana disse...

o melhor resumo de Strindberg que encontrei até agora!
Estou desenvolvendo um trabalho sobre "inferno" para Teoria do Teatro e o resumo sobre o autor me ajudou bastante.

VALEU

Edvard Vasconcellos disse...

De nada! A ideia é essa mesmo, compartilhar informações sobre esses autores que revolucionaram o teatro.

Anônimo disse...

Muito legal!Até agora não havia encontrado na net nenhum texto que explicasse tão bem as fases estéticas pelas quais Strindberg passou. E enfim entender o que significa a expressão "Anti-ibserniano" já que ele admirava tanto o trabalho de Ibsen.
Obrigada!

Unknown disse...

Este e outros resumos, são encontrados no livro "Mestres do Teatro" de John Gassner.

----- disse...

Muito bom mesmo. Vai me ajudar bastante!! Obrigada por compartilhar!