A Europa se libertava do medievalismo por meio de uma tremenda explosão criativa durante a Renascença. O passo seguinte era consolidar as vitórias da Renascença, e isso envolvia a estabilização da cultura, especialmente na França e Inglaterra. Também a dramaturgia e o teatro exprimiram essa nova perspectiva de mundo.De modo geral, os dramaturgos submeteram o heroísmo ou o desejo individual ao dever, e subordinaram a paixão à sensibilidade. O teatro exaltou as civilizadas qualidades do refinamento e da ordem. A tentativa de criar uma tragédia da razão foi um nobre esforço, especialmente, no que toca a obra de três autores: Pierre Corneille, Jean Racine e Jean-Baptiste Poquelin (Moliere).Pierre Corneille, nascido em 6 de junho de 1606, foi um dramaturgo basicamente de tragédias, apesar de ter escrito algumas comédias. Corneille surpreendeu o teatro francês com sua peça O Cid (Le Cid), em fins de 1636. Neste ano a Inglaterra estava envolvida com uma convulsão social que iria por fim a sua monarquia absoluta, enquanto na França, a monarquia absoluta se encaminhava para o seu apogeu, sob o reinado de Luis XIII. A centralização do poder e o progresso econômico prosseguiu sob esse reinado; fatos que são indispensáveis para uma compreensão da natureza e da filosofia formais do período neoclássico francês.Corneille, nascido no seio de uma classe média em franca ascensão, era um burguês ascendente, dedicado à Lei, advogado que era. Era chamado de "fundador da tragédia francesa"; escreveu peças por mais de 40 anos. Era o mais velho de seis irmãos. Pertencia a uma família de magistrados de Rouen. Em 1629 um desengano amoroso o leva a escrever seus primeiros versos, para passar em seguida a sua primeira comédia, Mèlite, que entrou no repertório da companhia de um renomado ator da época: Mondory.Corneille cria um novo estilo teatral, onde os sentimentos trágicos são postos em cena pela primeira vez em um universo plausível, o da sociedade contemporânea de sua época. Torna-se autor oficial por nomeação do Cardeal de Richelieu e, posteriormente, rompe com o status de poeta do "Ancien regimem" e com a política controvertida do cardeal para escrever obras que exaltam os sentimentos de nobreza (O Cid), que recordam que os políticos não estão acima das leis (Horácio), ou, que apresenta um monarca que trata de recuperar o poder sem exercer repressão (Cinna).Em 1647 é eleito para a Academia Francesa, ocupando a cadeira número 14 até sua morte, em 1684, quando foi sucedido por seu irmão Thomas Corneille.Haviam dito, sobre sua primeira obra, que estava em desacordo com as regras clássicas, segundo as quais a ação de uma peça deve decorrer em 24 horas, assim como é preciso que seu texto seja vazado em estilo nobre. Corneille decidiu escrever algo que estivesse em conformidade com as regras e fosse "em geral desprovido de valor". Escreveu quatro comédias, e sua primeira tragédia foi a imitação da obra clássica, Médeia, de Eurípides. Porém, a vibrante narrativa dos feitos do mais popular herói espanhol, feita por Guillén de Castro, o atraiu de tal forma que teve como resultado a tragicomédia O Cid.Nenhuma outra peça traz tão claramente a marca deste poeta rústico, que faz o possível para inserir sua obra nos cânones aristotélicos do neoclassicismo francês. O Cid é, por certo uma obra de transição, assim como seu autor também o é.Na estrutura e no estilo da peça não se observava com rigidez as regras que eram impostas ao drama naquele período histórico. É bem verdade que ele adulava o princípio de que a ação deveria acontecer num único lugar, durante um único dia. Mas os tempestuosos acontecimentos de O Cid violam o espírito dessas leis. Em 24horas o personagem Rodrigue (O Cid) declara seu amor, trava seu primeiro duelo, mata o pai da mulher que ama, repele uma invasão nacional, ganha um julgamento por combate e no decurso de tudo isso, perde e reconquista o favor de seu rei e da dama de seu coração.O Cid representou o último tributo de Corneille à individualidade. A partir de então o autor segue sua busca nunca brilhantemente sucedida de ir ao encontro das unidades de tempo, de ação e de lugar, que modelaram a escrita dos séculos XVII e XVIII, na França.Um áspero poder perpassa o Horácio, sua peça seguinte, na qual Corneille aceita claramente as unidades dramáticas de seu tempo. É o conflito entre o amor e o dever patriótico. Os antigos romanos e seus vizinhos albanos acham-se em guerra. mas Sabina, uma albana de nascimento, é casada com Horácio e Camila, irmã de Horácio se apaixona por Curiácio, irmão de Sabina. A rivalidade nacional cruza, ao acaso, o caminho da afeição natural e os amantes e as famílias. Advém a crise quando Horácio e seus irmãos são designados para combater os albanos, entre eles, Curiácio. Horácio vence, as custas da morte de Curiácio, amado de sua irmã. Outra tragédia segue-se quando Camila, transtornada, incita o irmão a tirar-lhe a vida. Tema que nunca se esgota. Sempre que há nações em guerra, há casos de amor, de separação e de muita dor entre povos parentes e rivais.Após a morte de Richelieu, em 1643, a crise de identidade que padece a França se reflete na obra de Corneille: acerta contas com Richelieu em "la Mort de Pompée", escreve "Rodugone", uma tragédia sobre a guerra civil, e desenrola o tema do rei oculto em "Heráclito", "Don Sanche d'Aragon" e "Andrômeda", perguntando-se sobre a natureza do rei, subordinado às vicissitudes da história, fazendo assim que este ganhe humanidade. Foi precisamente a maquinaria necessária para pôr em cena Andrômeda, o que justificou a construção do Teatro de Petit-Bourbon, em 1650.A partir de 1650, suas obras conhecem menores êxitos, até o fracasso de "Pertharite", Corneille deixa de escrever durante vários anos.O velho poeta não se resigna e renova o teatro com a tragédia Édipo.Corneille continua inovando o teatro francês até sua morte, os efeitos especiais ("O Velocinode Ouro"), e provando com o teatro musical ("Agésilas", "Psyché"). Também aborda o tema da renúncia, através da incompatibilidade do cargo real com o direito da felicidade ("Sertorius", "Suréna")Ao final de sua vida, a situação de Corneille é tão ruim, que o próprio Boileau solicita para ele uma pensão real, que Luis XIV concede. Corneille morre em Paris em 11 de outubro de 1684.A extensão e riqueza de sua obra fez com que, na França, surja o adjetivo corneliano, cujo significado, hoje em dia, é bastante extenso, mas que significa a vez da vontade e do heroísmo, da força e da densidade literária, da grandeza da alma e da integridade e uma oposição irredutível aos pontos de vista.