sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O Romance experimental


O Romance experimental, artigo de Emile Zola, concebido na segunda metade do século dezenove reflete o grande entusiasmo da era positivista pelo progresso das ciências e representa o resultado concreto de um antigo e constante interesse dos literatos pela investigação e metodologia científica.
Esse interesse pela ciência é manifestado, com maior intensidade, na França a partir do período consagrado como: Ilustração, Iluminismo, ou Século das Luzes. É fato que as literaturas renascentista e clássica francesas foram, sobretudo, reflexivas e abstratas; o que justifica, em parte, seus grandes escritores terem se entregado a longas reflexões morais sobre a natureza humana: o homem e seu destino, suas relações com a divindade e sua conduta moral eram matéria essencial de uma meditação que se norteava pelo legado da Antiguidade grega ou latina. Não havia quase nenhuma curiosidade pelo mundo concreto contemporâneo.
O escritor torna-se um erudito interessado por todos os assuntos e disposto a se aprofundar em conhecimentos especificamente científicos. O filósofo iluminista, além de escrever contos, romances e poemas ou peças de teatro, pratica um ou outro ramo da ciência. Voltaire divulga a filosofia de Newton; Diderot descobre que o homem é um organismo e não uma identidade abstrata; Rousseau, inimigo ferrenho do progresso e da civilização, cede aos encantos da História Natural.
A partir de meados do século XIX, graças sobretudo ao espetacular desenvolvimento das ciências da vida, novos caminhos abrem-se à própria literatura. Influenciada pelo espírito cada vez mais experimental das ciências. A literatura empenha-se com mais afinco na descrição rigorosa e metódica do real.
Surge a Teoria da Evolução de Darwin e Claude Bernard começa a exercer um enorme fascínio sobre os literatos. Auguste Comte já havia definido os fundamentos da filosofia positivista, que se tornou uma nova religião do século. Procedendo à crítica dos três teóricos do conhecimento humano – o teológico, o metafísico e o positivo – o autor do Curso de Filosofia Positiva , propõe sua doutrina do positivismo: renunciar à descoberta da origem das coisas e estabelecer, através da observação e do raciocínio, as leis dos fenômenos. Acentuando a impossibilidade de se atingir a verdade absoluta e proclamando a superioridade da experiência, comte vai contribuir de maneira decisiva para delinear o caminho aberto à inteligência da época e, em particular, aos romancistas naturalistas.
Da corrente positivista, o Naturalismo herda a preocupação pela organização racional da ordem social. A teoria de Zola resulta do nascimento da Sociologia de fato. Nascimento que é fruto justamente do aguçado desejo inerente, a vários movimentos intelectuais de resolver o aflitivo problema social. Por isso mesmo, impõe-se, no caso de Zola, o exame acurado das doutrinas humanistas que percorrem o século, com Saint – Simon, Fourier, Comte e Proudhon.
Um último nome permitirá completar o panorama das idéias que preparam e fertilizam o terreno naturalista: Hippolyte Taine, filosofo, historiador, crítico e ensaísta, Taine encarna, o exemplo mais típico de mentalidade positiva. Divulgador da teoria dos três fatores: raça, meio e momento; no qual ele se baseia para tentar explicar cientificamente o fenômeno artístico e literário.
Mas o conjunto desses postulados que influenciará profundamente o pensamento naturalista, impregnado em toda a doutrina de Emile Zola que, em 1880 escreve O Romance Experimental, um artigo em que lança as bases do romance naturalista e reúne em um único volume outros sete trabalhos publicados no ano anterior em periódicos russos e franceses.
Confessa ser sua fonte de reflexões o livro: A introdução ao Estudo da Medicina Experimental. Chega mesmo a dizer que O Romance Experimental é uma simples adaptação do tratado de Claude Bernard. Claude Bernard era uma espécie de intelectual do momento e suas idéias tinham grande aceitação nos meios literários e, ao que parece, a profunda afinidade entre o filosofo e o escritor, mostram que tinham, além de idéias concordantes, uma idêntica visão de mundo.
Para um primeiro entendimento da obra de Zola é preciso distinguir três níveis de argumentação em O Romance Experimental. 1) Definição do método experimental; 2) Sua aplicação às ciências do homem; 3) Romance experimental, propriamente dito. O método experimental. Zola define logo a experiência como “uma observação provocada com o intuito de controle”. O experimentador é mais do que um simples observador porque interpreta o fenômeno por intermédio de uma experiência cujo resultado serve de controle a hipótese inicial. Qual o objetivo de tal método? Conhecer o determinismo dos fenômenos para poder dirigi-los. A experiência torna-se o único critério válido para a busca da verdade, devendo o cientista abster-se de qualquer capricho pessoal ou crenças, sejam religiosas, filosóficas ou mesmo cientificas.
A seguir, vem a adequação entre o método e as ciências humanas. Este rigor metodológico, possível sobretudo nas ciências dos corpos brutos, parece a Claude Bernard e a Zola, perfeitamente aplicáveis às ciências dos corpos vivos. Num rasgo de otimismo, prevê o dia em que a ciência será capaz de encontrar o determinismo das manifestações cerebrais e sensuais do homem. E apesar das incertezas de sua época, não hesita muito em aventar hipóteses.
Sem me arriscar a formular leis, julgo que a questão de hereditariedade tem uma influencia muito grande nas manifestações intelectuais e passionais do homem. Dou também uma importância considerável ao meio. Por fim ao romance. O romance experimental nada mais é do que a forma ideal de literatura destes novos tempos científicos, observador – experimentador, o romancista redige a ata, ou relatório de uma experiência; ele concebe uma intriga na qual as personagens provam, pelo seu comportamento, que a sucessão dos fatos é conforme ao determinismo dos fenômenos estudados. Seu papel consiste em descrever o mecanismo simples inicial das perturbações cerebrais e sensuais que comprometem a saúde do corpo social. O escritor naturalista, diz Zola, faz uma experiência “para mostrar” ele é, pois mais um cientista do que um terapeuta. A teoria de Zola repousa assim num embasamento filosófico de natureza utópica. Trata-se de estabelecer uma sociedade melhor.
Ser mestre do bem e do mal, regular a vida, regular a sociedade, resolver com o tempo todos os problemas do socialismo e, sobretudo, fazer bases para a justiça, resolvendo pela experiência as questões de criminalidade.O que ele propõe, sobretudo, é que o escritor pare de sonhar de olhos abertos e que volte seu olhar para o mundo que o cerca, que ele descreva o real com a objetividade do cientista e levando em conta as conquistas das ciências modernas. Percebe-se também que o romance experimental se traduz mais como um desejo do que como uma realidade.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Sheridan


Richard Brinsley Sheridan, responsável pelo fenômeno do último lampejo de espírito cômico da Restauração no teatro inglês. Não pode ser considerado como completamente livre do estilo sentimental, mas suas duas maiores comédias: The Rivals (Os Rivais) e School for Scandal (Escola de Escândalos), apresentadas em 1775 e 1777, respectivamente, captaram boa parte do humor da Restauração, sem sua obscenidade. Sheridam possuía talento para situações e diálogos cômicos, sabia como tirar proveito de sua íntima observação da sociedade polida de Bath e de Londres.
Sheridan escreveu apenas algumas peças a mais, em sua maioria desprovidas de importância. A atenção de Sheridan para o teatro foi desviada pelo Parlamento, onde proferiu brilhantes discursos superados apenas pelos de Edmund Burke. Quando morreu, em 1816, não deixava descendentes no teatro e nem os teria antes que se passassem muitas décadas.

John Gay e a Ópera dos mendigos


Apenas John Gay conseguiu escapar da camisa-de-força moral da nova moda durante a primeira parte do novo século. Gay enriqueceu o mundo com sua Beggar’s Opera (Opera dos Mendigos), em 1728, e com a seqüência desta, Polly da mesma forma que com algumas obras menores como Achilles (Aquiles), e The Distressed Wife (A esposa Desesperada). Na jovial ópera-balada A Ópera dos mendigos, composta com base nos julgamentos do polígamo e bandido Macheath, Gay escreveu uma sátira ao submundo a qual era mais que aplicável à corrupta administração do primeiro ministro da Inglaterra, Robert Walpole.

Marivaux e a marivaudage


A favor da classe média e o estímulo do humanismo, intensificado pela influência de Rousseau, simplesmente acabaram por reforçar uma tendência que se iniciara no princípio do século. Foi a Francês que realizou os maiores progressos e deixou os melhores exemplos da comédia sentimental. Pierre Marivaux (1688-1763), mestre do estilo do paradoxo e do preciosismo que se tornou conhecido na frança sob o nome de marivaudage . escrevendo principalmente para comédie-Italienne em Paris mas também para a Comédie-Française, adquiriu fama com suas pinturas da sociedade refinada, com os saborosos estudos dos sentimentos com a atenção aos sentimentos e interesses das mulheres. Reduziu a intriga e a ação em favor das emoções e da psicologia” de suas personagens, embora não houvesse falta do simples espírito polido e refinado em suas obras. A mais encantadora de suas comédias Le Jeu de L’Amour ET Du Hasard ( O jogo do amor do acaso), de 1730, ainda pode deliciaras platéias francesas. Grande dose de percepção e humor emanam aqui dos disfarces e conseqüentes enganos que surgem entre um jovem nobre que finge ser o o criado de seu criado e uma moça que se disfarça como aia de sua serva com o objetivo de orem à prova um ao outro antes de concordarem com casamento arranjado pelos pais. O termo marivaudage, inicialmente empregado de forma pejorativa, converteu-se depois em expressão elogiosa. Na França a influencia de Marivaux aumentou ao invés de diminuir enquanto o teatro do século continuou a refletir o gosto tanto da aristocracia como da classe média antes que as massas de Paris começassem a danças sua camargnole, revolucionária e decapitassem Maria Antonia e Luis XVI.

Goldoni, o Molière italiano; e uma nota sobre Carlo Cozzi


Carlos Goldoni tornou-se o Molière italiano após um estágio com atores ambulantes. Incrivelmente prolífico, tornou-se o provedor de inúmeras comédias. Bem como de algumas tragédias, para o teatro veneziano. Trabalhou poderosamente para criar a comédia da vida e da linguagem comuns na Itália, e acabou por ser bem sucedido, durante certo tempo, ainda que a ferrenha oposição do crítico Gozzi lhe tenha causado consideráveis dificuldades.
A capacidade molieresca para satirizar a sociedade foi concedida a Goldoni apenas de forma superficial. Ele era mais fácil que incisivo, e talvez seja em grande parte a relativa pobreza da dramaturgia italiana que lhe granjeou a grande consideração por vezes a ele tributada. No entanto, a vivacidade e naturalidade de Locandiera (Mirandolina) onde quatro homens de diferentes classes são astutamente manobrados por uma esperta mulher, produzem uma pequena peça radiante.
Por falta de incentivos acabou indo para a França, onde receberia uma pensão vitalícia do rei. Escreveu inúmeras peças em francês, mas morreu na pobreza, em 1793, depois que a Revolução Francesa pôs fim ao salário Real.


Ainda na Itália, Carlo Gozzi (1720-1805) alterou suas peças venezianas improvisadas ao estilo da commedia dell’arte como O Amor das três Laranjas (1761), ou contos de fadas como Turandot (1762) e derrotou Carlo Goldoni (1707-93) em alguns concursos e em popularidade local, pelo menos, na época.

Beumarchais, um herdeiro para Molière


A ópera sob a direção de Lilli se tornou uma poderosa rival mesmo durante os últimos anos de vida de Molière. A companhia de Molière, encabeçada depois de sua morte pelo ator La Grange, manteve a posição durante algum tempo, apoiando-se grandemente nas peças de Molière. Sete anos mais tarde o grupo fundiu-se com os atores do Hotel de Bourgogne e transformou-se (por determinação do governo ) num teatro oficialmente sustentado e ainda florescente, a Comédie Française. conhecida a principio sob o nome de Tréâtre Français, a companhia encenou tanto comédias quanto tragédias, e seu maior triunfo artístico no século XVIII foi constituído pelas interpretações da famosa atriz Adriene Lecouvreur,.
A despeito da popularidade da ópera de segunda categoria do Vaudeville que começou na França por essa época e da “comédia sentimental” que os franceses adequadamente denominaram de comédie larmoyante ,comédia lacrimosa, o espírito de Molière reencarnou-se, às vésperas da Revolução Francesa, em Pierre-Augustin Beamarchais, extraordinário aventureiro da nação francesa. Começou com uma comédia romântica. Eugénie, que pretendia ser um drame bourgeois à maneira de Diderot, sem alcançar seu propósito.
Foi na comédia livre de inibições que Beaumarchais imprimiu sua marca. Não tinha noção de que iria conquistar a imortalidade quando garatujou às pressas O Barbeiro de Sevilha para escapar à dor que o envolvera quando sua adorada Geneviève faleceu em conseqüência de um parto. Todas as divertidas complicações de identidade trocadas e intrigas amorosas entraram nessa comédia. Que o aristocrático namorado, o conde de Almaviva tire Rosina das mãos de seu ciumento guardião, o Dr. Bartholo, com a ajuda do barbeiro sevilhano de ínfimos recursos não é prima facie uma trama extraordinária. Mas as robustas intrigas e composições de personagens seriam suficientes para transformar o mais cediço dos temas num ‘tour de force’ , e Fígaro, sem dinheiro, mas cheio d e uma avassaladora auto-segurança, é o epítome dos plebeus confiantes em si. Exprime sua filosofia de forma cortante quando pergunta ao Conde: “em comparação com as virtudes exigidas de um doméstico, conhece vossa excelência muitos patrões dignos de serem criados? Quando o Conde, que pede sua assistência para adiantar seu namoro, o trata com civilidade, Fígaro exclama: “Maldição! Com que rapidez minha utilidade encurtou a distancia entre nós!
Os encontros subseqüentes de Beaumachais com a alta aristocracia, que resultam em seu exílio e prisão. Só aguçaram o fio de sua sátira. Na cintilante continuação do Barbeiro de Sevilha, O Casamento de Fígaro, ele “contribuiu mais para a Revolução Francesa do que o teria feito caso houvesse organizado uma revolta em 1784. na estória absolutamente impagável de como o conde espanhol tenta seduzir uma camareira que está noiva de seu lacaio Fígaro, Beaumarchais derramou todo o desprezo pela arrogante nobreza dos agonizantes anos da monarquia dos Bourbon, o temível servo, engenhoso e autoconfiante, ergue um espelho diante da aristocracia em termos bastante nítidos ao declarar: “Porque és um fino cavalheiro pensas que és um gênio? ....que fizeste para merecer todo esse esplendor? Fizeste o esforço de nascer, e isso é tudo. És um individuo muito comum enquanto que eu, um obscuro homem na multidão, precisei de mais inteligência e sabedoria para subir no mundo que aquelas que têm sido aplicadas durante os últimos anos para o governo de todas as províncias espanholas.
Não é de esperar que a peça tenha sido proibida por Luís XVI, e que sua estréia pública no Théâtre Français em 1784 resultasse num tumulto provocado pelo Terceiro Estado absolutamente delicado. Beaumarchais viveu para ver a monarquia derrubada. Apenas cinco anos depois. O próprio Beaumarchais caiu presa dos revolucionários e esperou pela guilhotina em companhia dos nobres a quem combatera durante a maior parte de sua vida. Mas o autor do Casamento de Fígaro não estava inteiramente esquecido pela Republica. Enquanto seus companheiros de prisão eram levados nas carretas para a última aparição pública. Beaumarchais era solto. Esteve em perigo ao ser incluído na lista de exilados,enquanto estava na fronteira tentando comprar fuzis. Retornou a Paris para lá morrer em maio de 1799. suas duas obras primas não perderam nada de seu brilho, e surgem nos palcos internacionais com mais freqüência que as peças de Molière – ao menos sob a forma das óperas de Rossini e Mozart.

Molière e a comédia da sociedade


Molière e a comédia de sociedade.

É uma curiosa indicação da complexidade do homem e seu mundo que a Era de Corneille e Racine tenha sido também a Era de Molière. Pois enquanto a tragédia estava erigindo uma torre de poderosa dignidade, a comédia estava ocupada em demoli-la. Enquanto a tragédia investia a sociedade aristocrática e da alta classe média com vestes cravejadas de jóias, a comédia as arrancava ate pôr a nu a truanesca roupa de baixo- e qual a sociedade que não usa por baixo uma roupa de truão? Aqui, novamente, a França do século XVII assumiu a liderança. Da conjunção de uma era e de um temperamento surgiu uma grande figura que lança sua ampla sombra sobre todo o teatro europeu, Molière, o mestre cômico da dramaturgia moderna.

O temperamento cômico de Molière
Seu aspecto comum é o de uma observação desinteressada, como se estivesse vigiando um movimentado campo e tendo o lazer de dardejar as partes escolhidas sem qualquer ansiedade agitada.
Molière não era um reformista do gênero militante. A indignação não se constituía numa prova de bom gosto quando o ideal predominante da sociedade francesa era o equilíbrio da razão. Simplesmente ria. Conseqüentemente seu método cômico era seguro e límpido. A maior parte de suas peças foi escrita nos formais versos alexandrinos, com uma adesão geral às unidades de tempo, lugar e ação. Mesmo quando tinha mais de uma trama nas mãos, sua estória permanecia lúcida e os acontecimentos eram escrupulosamente equilibrados. Seu estilo era lúcido mesmo nos momentos mais tensos, e contido mesmo nos momentos mais lúdicos, pois sua risada estava, no melhor dos casos, sem deixar de ser uma risada, “mais próxima de um sorriso”, era em suma “ o humor do cérebro”.
Nas comédias de Molière a Justiça é sempre feita. Não há intrusão do homem de sentimentos ou preconceitos para prejudicar o tom equilibrado de sua forma cômica. Apenas no que diz respeito a essa balanceada abordagem da humanidade é que as palavras de Bérgson, “o riso é incompatível com a emoção” são verdadeiras no caso de Molière.

A comédia humana de Molière
Catorze anos depois de Corneille mas, dezesseis anos antes de Racine, aos 15 de janeiro de 1622 nasce Jean-Baptiste Poquelin (Molière). Educado na casa de seu pai, um próspero tapeceiro, o rapaz recebeu todos os confortos sem ser estragado pelos excessos. Ademais, em breve o pai viu-se ligado à corte côo um dos oito valets de chambre tapissiers do rei, homem que estavam encarregados das tapeçarias e das mobílias reais. O título deu ao velho Poquelin alguma posição social; afora isso, a obrigação de freqüentar os palácios do rei durante três meses por ano representavam uma abertura suficiente para o circulo fechado que seu filho. Viria a satirizar de forma tão ínfima. O rapaz logo começou a demonstrar dotes para a mímica. Aos quinze anos ficou com o pai, cujo oficio já devia ter aprendido a essa altura, embora sem grande aplicação. Em 1636, o ano de O Cid e do famoso ensaio de Descartes sobre os processos da razão. O Discurso do Método, entrou na melhor escola de Paris, o Collège de Clermont.
Instruídos pelos Jesuítas, que produziram tantos livres-pensadores com seu excelente currículo, Molière adquiriu o firme domínio da lógica e da retórica. Aí também se familiarizou com a comédia romana e seus dotes histriônicos foram estimulados pelos mestres, que não apenas incentivavam a declaração pública como pediam aos alunos para representar peças latinas escritas pelos professores de poesia e retórica. Além disso, travou lá uma valiosa amizade com o jovem príncipe de Conde ET Chapelle. Molière, o futuro cético, provavelmente deveu muito à instrução formal que recebeu desse homem brilhante que conhecia todos os ramos da ciência, correspondia-se com Kepler e Galileu e era um admirador de Lucrécio. Não deixa de ser significativo o fato de que o primeiro esforço literário de Molière tenha sido uma tradução do tratado poético de Lucrécio sobre o epicurismo e a teoria atômica, De Rerum Natura. Se tornou necessário ao rapaz escolher uma carreira, enveredar pelo Direito. Mas o teatro exercia um fascínio muito grande sobre alguém que era um ator por natureza e de há muito sentia –se atraído pelos comediantes italiano que representavam em Paris. Em julho de 1643, entrou para uma companhia amadora que trabalhava numa quadra de jogo de péla e ostentava o grandiloqüente nome de L’Illustre Theâtre. O grupo mudou-se para uma quadra de tênis mais ampla e começou a cobrar ingressos mas os resultados foram desastrosos . a companhia reorganizada, contava agora com o bufão Dupare, conhecido por Gros-René e a ruiva e perfeita Madeleine Béjart, que conquistou o coração de Molière. Provavelmente com o fito de poupar ao pai embaraço de ter um ator na família, o o jovem Poquelin mudou o nome para Molière e rapidamente se devotou à empresa. Em 1644, a companhia fez uma estréia formal num bom teatro. Mas os resultados teimavam em não aparecer e Molière não apenas se endividou pesadamente como acabou sendo encarcerado durante uma semana por seus credores.
Contudo, a pequena companhia partiu para a província e, amadurecido por três anos de luta em Paris, aos vinte e cinco anos de idade. Molière estabeleceu-se no difícil negócio de criar uma bem-sucedida companhia ambulante. Tornou-se um astuto empresário cujo gume foi naturalmente afiado por doze anos de perambulações.
Havia de doze a quinze companhias nas mesmas condições, a competição era forte e as privações e humilhações eram muitas pois que os atores não possuíam ‘status social’ e eram forçados a enfrentar um grande número de leis puritanas. Mas a experiência era inapreciável e a companhia converteu-se no mais perfeito grupo de comediantes do reino. Foi crucial sua estada em ‘Lyon,’ onde permaneceram durante algum tempo. Ali Molière, fez-se um ator rematado. Seus gestos eram ligeiros, seu poder de sugestão, profundo; ademais, era um excelente orador informal. Ali também dominou a arte de escrever para teatro, combinando os truques e tipos característicos da comédia italiana com sagaz observação da vida francesa.
Em Lyon produziu uma dúzia de peças. Sua primeira obra importante. L’Etourdi (O Aturdido), peça de cinco atos em alexandrinos rimados, seguia as escapadas do astuto criado Mascarille que planeja inúmeros artifícios para auxiliar o caso de amor de seu amo Lélie, apenas para vê-los arruinados pelo amante com sua atabalhoada interferência. A peça obteve um êxito notável e a companhia ganhou novos membros, entre os quais o excelente Lagrange e Mademoiselle Debrie que suplantou Madeleine Béjart nas afeições de Molière.
Molière aproveitou esses tempos de experiência, sua saúde incerta melhorou no clima quente e sua carreira de autor ganhou pleno impulso. Aconselhados por amigos a instalar a bem-sucedida companhia nas imediações de Paris, Molière levou seus atores a Rouen. Lá o irmão mais moço de Luís XIV, o Duque d’Anjou s tomou sob seu patrono e aos 24 de outubro de 1658, fizeram finalmente a reverencia ao Rei no salão da guarda do antigo Louvre. Inconscientes de suas limitações no campo trágico, cometeram o erro de apresentar uma obra de Corneille, Nicomède. Mas, Molière adiantou-se após a conclusão da tragédia e pediu permissão ao rei para apresentar um de seus sazonados interlúdios. Sua oferenda era apenas a farsa ligeira Le Docteur Amoureux, ( O Doutor Enamorado), mas foi tal o favor obtido que a companhia recebeu permissão para usar o teatro do Petit-Bourbon durante alguns dias da semana. Assim o teatro era dividido alternadamente entre os atores franceses e uma companhia de comediantes italianos.
Lá, numa plataforma rasa de uns cem pés por quarenta, frente a uma platéia ocupada por plebeus que permaneciam em pé circundada por galerias divididas em camarotes para as damas. Molière dispunha quase de um teatro elisabetano. O cenário não era amplo, o palco da casa totalmente fechada onde as peças eram encenadas no fim da tarde apresentavam-se parcamente iluminado por velas. E os atores esbarravam nos janotas sentados na plataforma. A não ser quando encenava na corte uma comédia-balé teatralmente engenhosa. Molière via-se às voltas com condições físicas inadequadas e difíceis . precisava de um humor continuo e vigoroso se desejava superar tais limitações. A obra de Molière precisava combinar a polidez com a vivacidade, a A commedia dell’arte , com a alta comédia.
Continuou a representar tragédias ou peças heróicas de Corneille e chegou a tentar escrever uma pessoalmente, à lamentável Don Garcie de Nayarre.
Molière tinha quarenta anos, idade perigosa para um solteirão inflamável. No mesmo ano de 1662, marcou o início de seus infortúnios privados. Madeleine Béjart possuía uma irmã mais jovem, Armande, que atingira a maturidade sob seus próprios olhos, ele dera-lhe um papel central em Escola de Maridos e a jovem mostrava-se eficaz para a coqueteria n palco. Molière encontra no teatro um negócio lucrativo, mantinha excelentes relações e possuía amigos de influencia, afora isso, recebia suas visitas com demonstrações de prodigalidade. Estava pronto para o deleite de um novo romance. Por outro lado, Mademoiselle Debrie, sua amante e leal amiga, estava mais próxima de sua própria idade que a jovem e fascinante atriz, contra todo seu melhor discernimento, Molière cortejou Armande e – infelizmente foi aceito. Sob a supervisão do esposo ela se transformou numa atriz consumada que era igualmente eficaz em papeis delicados e indelicados, e assim sendo, daí em diante Molière escreveu suas peças com o objetivo de mostrar o talento da jovem Armande. Esta também lhe deu três filhos, dos quais apenas um sobreviveu ao pai. Mas, afinal de contas era vinte anos mais velho que ela e destarte o supremo satirista dos maridos ciumentos, e traídos, tornou-se assaz ironicamente, um tema adequado para suas próprias peças. Ela era uma oportunista, fátua, frívola e calculista que tornou seu curiosamente apaixonado marido tão miserável na vida particular, quanto se mostrava alegre em público. A partir daí seu riso tornou-se ‘ algo vencido’ .
Luís, ávido por divertimento, considerava Molière, um simples provisor de alegria e ficou surpreso quando Boileau lhe disse que o comediógrafo era um grande homem. Mas ainda que Molière continuasse perceptivelmente a considerar a diversão como seu principal negocio, sua arte estava se desenvolvendo em escopo e seriedade. É significativo que sua contribuição para os festivos Prazeres da ilha Encantada , em Versailles em 1664 não fosse a costumeira bagatela mas sim uma versão em três atos de sua grande sátira contra a hipocrisia religiosa Tartuffe (Tartufo). E mesmo Luis foi obrigado a reconhecer que seu bobo da corte havia ultrapassado as medidas. O rei o proibiu de apresentar a peça em público, e cinco anos iriam passar-se até que o público da cidade pudesse ver a peça no palco em sua forma reelaborada e final.
A França era varrida por uma reação contra a crescente vaga de ceticismo religioso e cientifico. O pensamento liberal era denunciado pelas seitas religiosas, entre as quais as mais ativas eram os jesuítas e os Jansenistas. A devoção se transformava em moda e nem toda as suas manifestações eram desinteressadas e sinceras. Tartufo era a encarnação da devoção egoísta e desonesta, e o drama que o mostrava insinuando-se em um honrado lar e virando-o de cabeça para baixo com suas intrigas resultou em poderosíssima sátira. Custou ao autor ser acusado de ateu por aqueles cujas sensibilidade haviam sido ofendidas. Insistiu que não havia atacado a religião e sim a forma pela qual podia ser usada para disfarçar o interesse próprio. Ademais, Molière teve a sabedoria de lembrar que o objeto da comédia é o riso e a diversão. Tartufo é uma força tanto ridícula quanto sinistra.
Apresentado no teatro do Palais-Royal em 1666, O Misantropo, não logrou rápida popularidade. Prescindia da ação vigorosa ou espetacular e apelava para a inteligência. É a mais fria e olímpica de suas comédias. A peça simplesmente gira ao redor de Alceste, um homem reto cujo desgosto para com as loucuras, afetações e corrupção da época chega às raias da obsessão. O mundo social que adeja à sua volta é uma coleção de almofadinhas, bajuladores, intrigantes e namoradores. Julga impossível conviver com eles, ainda que seu leal amigo Philinte lhe aconselhe cautela. O ponto fraco em sua couraça é o amor que por uma mulher incuravelmente flertadora,à qual – como acontecia com o próprio Molière – ama em oposição ao que lhe fiz o melhor discernimento. Mas a despeito da paixão que sente por ela, não consegue violentar-se a ponto de aceitar o mundo de intriga que é o habitat natural da moça. Perseguir a integridade sem levar em consideração as realidades sociais e exigir o impossível de uma mulher superficial só podiam conduzir a um desastre pessoal. A sociedade, como ele a descreve, não pode ser reformada porque o gênero humano é fundamentalmente corrupto.
Amphitryon (Anfitrião), a comédia de Plauto sobre o divino leito conjugal, e pela obra mais acerba. Mas a peça que marcou, de fato, um retorno à sátira, e sua obra seguinte L’Avare (O Avarento), baseada na Aululária, do mesmo Plauto. trata-se de uma caricatura da avareza e da cobiça, tendo algum parentesco com o Volpone, de Bem Jonson.
Molière criou uma obra-prima final com Lês Femmes Savantes (As Sabichonas). Em "As Sabichonas" escreveu uma de suascomédias mais serenas. Molière criou uma casa de mulheres que buscam o saber com o agitado ardor de um bando de grasnantes gansas.a moda do preciosismo entre as damas literatas vinha crescendo novamente sob a forma de um cultivo pretensioso e superficial dos clássicos e das ciências, e já era tempo de extirpá-la mais uma vez. A maneira pela qual as novas preciosas são derrotadas por uma cativante filha da casa cuja felicidade é ameaçada pelo pedantismo das outras se constitui no eixo desta comédia de caracteres finamente cinzelada. Mais uma vez, indignaram-se a pedante e esnobe Madame de Rambouillet e sua corte. Mas Trissotin, o bombástico xodó dos salons, foi totalmente afastado de Paris depois que Molière o caricaturou na figura de Tricotin. Tornou-se o objeto de ridículo de toda a capital e abandonou o púlpito que ornamentara com sua presença.
A saúde de Molière, porém, começa a falhar, durante quase toda a vida sofrera de tuberculose e agora a doença ganhava terreno com rapidez. Teve tempo de escrever apenas mais uma peça; bastante apropriadamente, uma sátira à classe médica de sua época que nada podia fazer para agudá-lo Le Malade Imaginaire ( O Doente Imaginário). Molière interpretou Argan pessoalmente, e sua aparência física só podia realçar o realismo da interpretação. Não desejando causar qualquer perda finalmente à sua fiel companhia, não levou em consideração o conselho de amigos e compareceu à quarta apresentação da peça numa situação critica. Foi tomado por convulsões e morreu, algumas horas mais tarde, aos 17 de fevereiro de 1673, nos braços de uma irmã de caridade enquanto os padres se recusavam a ministrar-lhe a extrema unção porque fora um ator. A Igreja aprovou a conduta de seus ministros e negou ao corpo o sepultamento no cemitério paroquial. O funeral foi adiado por quatro dias e se necessária a intervenção do rei para que o maior homem de sua época pudesse ser enterrado com uma cerimônia simples da qual foi omitido o serviço solene.