quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Cronologia da peças de Shakespeare


Lista de peças com datas estimadas:

(As datas entre parênteses indicam somente a data da primeira publicação.)
1590 (1598) Henrique VI, parte 1
Registrado no Stationers' Register em 25 de Fevereiro 1598.
1590 (1594) Henrique VI, parte 2
1590 (1595) Henrique VI, parte 3
Parodizado por Robert Greene em 1592.
1592 (1602) Ricardo III
Na lista elaborada por Francis Mere das peças de Shakespeare (1598).
1592 (1623) A Comédia dos Erros
1593 (1594) Titus Andronicus
De acordo com a primeira edição publicada, foi encenada por uma empresa que havia a guardado, no ínicio de 1593. Em 1594, Philip Henslowe refere-se à Titus Andronicus como uma nova peça. Na lista elaborada por Francis Mere das peças de Shakespeare (1598).
1593 (1623) A Megera Domada
1594 (1623) Os Dois Cavalheiros de Verona
Na lista elaborada por Francis Mere das peças de Shakespeare (1598).
1594 (1598) Trabalhos de Amores Perdidos
Na lista elaborada por Francis Mere das peças de Shakespeare (1598).
1591-1596 (1597) Romeu e Julieta
Na lista elaborada por Francis Mere das peças de Shakespeare (1598).
1595 (1597) Ricardo II
Na lista elaborada por Francis Mere das peças de Shakespeare (1598).
1595 (1600) Sonhos de Uma Noite de Verão
Na lista elaborada por Francis Mere das peças de Shakespeare (1598).
1596 (1622) Rei João
Na lista elaborada por Francis Mere das peças de Shakespeare (1598).
1596 (1600) O Mercador de Veneza
Registrada no Stationers' Register em 22 de julho de 1598 e presente na lista elaborada por Francis Mere das peças de Shakespeare (1598).
1597 Henrique IV, Parte 1
Na lista elaborada por Francis Mere das peças de Shakespeare (1598).
1594-1597 (1603?) Love's Labour's Won
Na lista elaborada por Francis Mere das peças de Shakespeare (1598). Uma das peças atribuídas à Shakespeare que se encontra perdida.
1598 (1600) Henrique IV, Parte 2
1599 (1600) Henrique V
O coro da peça manifesta esperança perante à expedição irlandesa de 1599 do Conde de Essex.
1599 (1623) Júlio César
Mencionada por Thomas Platter em 1599.
1599 (1600) Muito Barulho por Nada
1599 (1623) Como Gostais
Registrada no Stationers' Register em Agosto de 1600.
1597-1600 (1602) The Merry Devil of Edmonton
1599-1600 (1603) Hamlet
O Stationers' Register em Julho de 1602 a descreve como "encenada recentemente".
1602 (1623) Noite de Reis
1602 (1609) Tróilo e Créssida
1603 (1623) Tudo Bem Quando Termina Bem
Nenhuma referência contemporânea.
1603 (1622) Otelo
Encenada em Novembro de 1604.
1603-06 (1608) Rei Lear
No Stationers' Register em Novembro de 1607.
1603-06 (1623) Macbeth
1603 (1623) Medida por Medida
1606 (1623) Antônio e Cleópatra
1607 (1623) Coriolano
1607 (1623) Timão de Atenas (provavelmente revisado por Thomas Middleton)
1608 (1609) Péricles, Príncipe de Tiro (provavelmente revisada por George Wilkins)
Stationers' Register em Maio de 1608.
1609 (1623) Cimbelino
1594-1610 (1623) Conto do Inverno
1611 (1623) A Tempestade
1612 (1623) Henrique VIII (provavelmente co-escrito por John Fletcher)
Encenada em 29 de junho de 1613, quando o Globe Theatre foi incendiado.
1612 (1728) Cardenio (escrito em colaboração com John Fletcher)
1612 (1634) Os Dois Nobres Parentes (em colaboração com John Fletcher).
As seguintes peças foram atribuídas a Shakespeare, mas são na verdade de autoria diferente ou incerta
1592-1595 (1844) Sir Thomas More
Escrita originalmente por Anthony Munday e por Henry Chettle, e revisada talvez dez anos mais tarde por Thomas Heywood, por Thomas Dekker e (talvez) por William Shakespeare, cuja escrita foi identificada provisóriamente como " Mão D" (Hand D) no manuscrito.
1600 (1600) Sir John Oldcastle
O diário de Philip Henslowe diz que foi escrita por Anthony Munday, por Michael Drayton, por Richard Hathwaye e por Robert Wilson na colaboração.
1604 (1605) The London Prodigal
Atuada pela companhia de Shakespeare e publicada sob seu nome, mas os estudos estilísticos desconsideram essa nota.
1605 (1608) A Yorkshire Tragedy
Atuada pela companhia de Shakespeare e publicada sob seu nome, mas os estudos estilísticos desconsideram essa nota. O autor mais provável é Thomas Middleton.

O Bardo inglês: William Shakespeare


William Shakespeare nasceu, provavelmente em 23 de abril de 1564 e falaeceu em 23 de abril de 1616. É considerado o maior poeta e dramaturgo da língua inglesa e o "inventor da tragédia moderna". É chamado frequentemente de "poeta nacional" da Inglaterra e de "Bardo de Avon" (ou simplesmente The Bard, "O Bardo").

De suas peças, nos chegaram 38, mais 154 sonetos, 2 longos poemas narrativos e diversos outros poemas. Suas peças foram traduzidas para os principais idiomas do plantea e são encenadas mais do que qualquer outro dramaturgo da história.

Muitos consideram Hamlet, Romeu e Julieta, MacBeth, Otelo e Rei Lear, suas obras primas, mas é impossível não dar o mesmo crédito a m Mercador de Veneza, ou uma Megera Domada, ou ainda um atordoante Ricardo III. No entanto, é certo dizer que Romeu e Julieta, por ser considerada a história de amor por excelência, e Hamlet, que possui uma das frases mais conhecidas da língua inglesa: "To be or not to be: that's the question", que proporciona tantas e tantas discussões, são suas obras mais conhecidas.
Shakespeare nasceu e foi criado em Stratford-upon-Avon, e aos 18 anos casou-se com Anne Hathaway, com quem teve três filhos: Susanna e os gêmeos Hamnet e Judith. Entre 1585 e 1592 Shakespeare começou uma carreira bem-sucedida em Londres como ator, escritor e um tornou-se um dos proprietários da companhia de teatro conhecida como The King's Men. William Shakespeare retornou para sua cidade natal em 1613, onde morreu três anos depois.

Sobre sua vida privada existem muitas especulações sobre assuntos como a sua aparência física, sua sexualidade e suas crenças religiosas e, sobretudo, sobre se algumas das obras foram de fato escritas por ele.
Shakespeare produziu sua obra teatral entre 1589 e 1613. Suas primeiras peças eram, sobretudo comédias e dramas históricos, gênero que ele levou ao ápice da sofisticação e do talento artístico ao fim do século XVI, criando uma verdadeira "escola" sobre a qual muitos românticos a partir do final do século XVIII iriam seguir.

Porém suas obras-primas foram as tragédias. Entre 1608 e 1613 escreeveu peças como Hamlet, Lear e MacBeth, consideradas algumas das obras mais importantes da dramaturgia universal.

Em sua última fase, escreveu tragicomédias, também conhecidas como romances, e colaborou com outros dramaturgos. Diversas de suas peças foram publicadas, em edições com variados graus de qualidade e precisão, durante sua vida.

Em 1623 surge uma primeira compilação da obra teatral de Shakespeare. Dois de seus antigos colegas de palco publicaram o First Folio, uma coletânea de suas obras dramáticas que incluía todas as peças (com exceção de duas) reconhecidas atualmente como sendo de sua autoria.

Shakespeare foi um poeta e dramaturgo respeitado em sua própria época, mas sua reputação só viria a atingir o nível em que se encontra hoje no século XIX. Os românticos, especialmente, aclamaram a genialidade de Shakespeare, e os "vitorianos" o idolatraram como um herói nacional, com uma reverência que Bernard Shaw chamava de "bardolatria".

Suas peças permanecem extremamente populares hoje em dia , e são estudadas, encenadas e reinterpretadas constantemente, em diversos contextos culturais e políticos, por todo o mundo. Shakespeare parece ser permanentemente contemporâneo, seus personagens são obcecados, mas, ao mesmo tempo possuem um caráter de marionete ao longo das tramas. Suas peças tem um estilo grotesco e caprichoso, em que a natureza é arbitrária, disforme e extravagante na estrutura. Em Shakespeare o prazer do narrador é insaciável, tal e qual uma Sherazade em introduzir constantemente mais e mais episódios, comentários e excursos novos; os saltos cinematográficos na história, antecipam em quatrcentos anos as narrações episódicas, épicas e multiplas que julgamos somente o cinema ter a capacidade de contar.

Ao mesmo tempo, politicamente, Shakespeare defende o sistema, chega mesmo a dizer em uma de suas peças "Quando a hierarquia é abalada...o sistema adoece". (Troilo e Cressida, ATO I, CENA 3). E é aí que reside sua filosofia social: Shakespeare vê o mundo através dos olhos de um cidadão abstrato, de mentalidade liberal, cético e, em alguns aspectos, desiludido; expressa concepções políticas que estão radicadas na idéia de direitos humanos – condena os abusos de poder e a opressão de que é vitima o povo comum, mas também condena os que chamam a arrogância e a prepotência. Em sua inquietação burguesa e receio de anarquia, expõe o princípio de “ordem” acima de todas as considerações humanitárias.

Certamente Shakespeare não era um revolucionário, tampouco um lutador por natureza, mas estava do mesmo lado daqueles que impediriam o renascimento de uma monarquia constitucional, auge de qualquer ideia de civilização nos séculos XVI e XVII.

Seus dramas históricos deixam suficientemente claro que seus interesses e inclinações vinculavam-no às camadas sociais que englobavam a classe média e a aristocracia de mentalidade liberal que adotara a concepção de vida da classe média, e que formavam um grupo progressista, em contraste com a antiga nobreza feudal que ainda existia.

Apesar de sua simpatia pela atitude da classe dominante em relação à vida Shakespeare manteve-se do lado do saudável senso comum, da justiça e do sentimento espontâneo. Cordélia é a mais pura consubstanciação dessas virtudes em pleno ambiente feudal. Personagens como Brutus, Hamlet, Timon e Troilo representam mais puramente o tipo quixotesco. O idealismo transcendente, a ingenuidade e a credulidade de todos eles são qualidades que têm em comum com Dom Quixote.

A única característica peculiar destes personagens, na visão shakespeariana, é o terrível despertar do embuste e da ilusão em que viviam e o infortúnio imenso que decorre do reconhecimento tardio da verdade. Seu anterior contentamento com as condições vigentes e o otimismo a respeito do futuro foram abalados, e, embora se mantivesse fiel ao principio de ordem, ao apreço pela estabilidade social e à rejeição do ideal heróico da cavalaria feudal, parece ter perdido a confiança no absolutismo maquiavelista e numa economia implacavelmente aquisitiva.

O desvio de Shakespeare para o pessimismo tem sido relacionado à tragédia do conde de Essex, na qual o patrono do poeta, Southampton, também estava envolvido, e também há referencias a outros eventos desagradáveis na história do tempo, como a inimizade entre Elizabeth e Maria Stuart, a perseguição dos puritanos, a gradual transformação da Inglaterra num Estado policial, o fim do governo relativamente liberal de Elizabeth e a nova tendência feudalista com Jaime I, o clímax no conflito entre a monarquia e a classe média de mentalidade puritana, como possíveis causas dessa mudança. O fato de que, daí em diante, o poeta sente mais simpatia pelas pessoas que são fracassos na vida pública do que por aquelas que têm boa sorte e sucesso. Tem particular afeto por Brutus, o trapalhão político e sujeito azarado. O pessimismo de Shakespeare ostenta as marcas de uma tragédia histórica.

Pode-se dizer quehá duas fases bem distintas na obra de Shakespeare:

O autor dos poemas “Vênus e Adônis” e “Lucrécia” ainda é um poeta que obedece ao gosto humanista em moda e escreve para círculos da aristocracia palaciana. A lírica e a Épica eram as formas literárias favoritas nos círculos palacianos cultos, ao lado das quais o teatro, apesar de um atrativo público, era considerado uma forma relativamente plebéia de expressão. A literatura renascentista inglesa à época era cortesã e diletante.

Quanto à origem desses littérateurs, sabemos que Marlowe era filho de um sapateiro, Peele de um ourives, Dekker de um alfaiate, e Ben Jonson teria começado exercendo o mesmo ofício de seu pai: pedreiro. Mas sabe-se também que somente uma proporção relativamente pequena de escritores era oriunda das camadas inferiores da sociedade, sendo a maioria proveniente da pequena nobreza, do funcionalismo e da rica classe de mercadores.

Na era elisabetana, a cultura literária se torna uma das mais importantes aquisições que se esperava de um homem bem-nascido. A literatura estava em voga e era de bom-tom discorrer sobre poesia e discutir sobre problemas literários. O estilo afetado (maneirista) da poesia da moda foi inteiramente transferido para a conversação ordinária; até mesmo a rainha falava nesse estilo artificial. E não falar naquele tom era considerado um sinal de falta de educação tão grave quando não saber falar francês [à época].

A literatura converte-se num jogo de sociedade, populariza-se, ganha as ruas, e consequentemente o teatro. Não por acaso a existência material de um dramaturgo escrevendo para os teatros públicos, que eram imensamente populares em todas as classes da sociedade, era uma constante no período que chamamos de teatro elizabetano. Era uma profissão estável e mais tranquila do que a de "escritor livre" que dependia exclusivamente de um patrocinador privado.

É verdade que as peças em si eram malpagas – Shakespeare adquire sua fortuna não como dramaturgo, mas como acionista de um teatro – porém, a constante procura nas bilheterias, garantiam uma renda regular. Assim, quase todos os escritores da época trabalhavam para o teatro pelo menos por algum tempo. Todos tentavam a sorte no teatro, embora muitas vezes com certo constrangimento.

No final da Idade Média inglesa, as grandes casas senhoriais tinham seus próprios atores – em emprego permanente ou temporário – bem como seus próprios menestréis.

Na era Elisabetana já começa uma busca desenfreada por patrocinadores. O antigo relacionamento patriarcal entre mecenas e protegido estava em processo de dissolução.

É justamente nesse época que Shakespeare aproveita a oportunidade para transferir seus talentos para o teatro.


Essa mudança para o teatro marca o início de uma segunda fase do desenvolvimento artístico de William Shakespeare. As obras que agora escreve já não possuem o tom classicizante e afetadamente idílico de suas primeiras produções, mas ainda se harmonizam com o gosto das classes superiores. São, em parte, crônicas altaneiras, grandes peças históricas e políticas, nas quais a idéia da monarquia é exaltada, em comédias alegres, exuberantemente românticas, que se desenrolam cheias de otimismo e alegria de viver, despreocupadas com os cuidados do dia-a-dia, num mundo completamente fictício.


Perto da virada do século, começa o terceiro e trágico período no desenvolvimento de Shakespeare. O poeta abandona o eufemismo e o romantismo jocoso das classes superiores da sociedade, mas também parece ter se distanciado das classes médias. Escreve suas tragédias para o grande e heterogêneo público dos teatros londrinos, sem levar em conta esta ou aquela classe em particular. Mesmo as chamadas comédias desse período estão repletas de melancolia.


Segue-se então uma quarta e última fase no desenvolvimento do poeta: um tempo de resignação e suave tranqüilidade com tragicomédias que uma vez mais refletem um certo estado de ânimo romântico. Shakespeare deixa a classe média, que dia a dia se torna mais míope, mais tacanha e intolerante, em seu puritanismo, cada vez mais atrasada e distante. Os ataques das autoridades civis e eclesiásticas contra o teatro aumentam; e os atores e dramaturgos contam uma vez mais com seus mecenas e protetores nos círculos da corte e na nobreza e adaptam-se mais aos gostos deles. Shakespeare volta a escrever peças em que predominam os elementos romântico-fabulosos e que são, em muitos aspectos, reminiscência dos espetáculos e "máscara de corte".


Três anos antes de morrer, no auge de seu desenvolvimento, Shakespeare retira-se do teatro e pára inteiramente de escrever peças, não se sabe muito bem por quê. Se Shakespeare deixou o teatro saturado ou desgostoso, uma coisa é certa, durante a maior parte de sua carreira teatral, ele se manteve numa relação muito positiva com seu público, embora favorecesse diferentes segmentos deste durante as várias fases de seu desenvolvimento e acabasse não sendo capaz de identificar-se completamente com qualquer deles, em todo o caso Shakespeare foi o primeiro, se não o único grande poeta em toda a história do teatro, a atrair e a receber plena aprovação de um público numeroso e heterogêneo que abrangia quase todos os níveis da sociedade.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Tirso de Molina


Frei Gabriel de Tellez é o nome verdadeiro do dramaturgo espanhol Tirso de Molina, homem pleno de “talento e infortúnios”, segundo ele mesmo disse em uma de suas obras. Vastíssima foi sua produção literária, iniciada em 1606. No entanto, muito do que fala a respeito de sua vida e obra não são de todo verdade. É possível que fosse “filho natural” do duque de Osuna. Nada se sabe ao certo, embora chame atenção à maneira com que trata a leviana conduta das pessoas da alta sociedade daquela época. Não obstante, cabe destacar que gozou de esmerada educação, estudou na Universidade de Alcalá e, com certa amargura, tornado teólogo de renome.

Em 1600, suas inclinações religiosas o enviaram como noviço com 30 anos de idade, ao convento da ordem de Mercedes de Guadalajara, local onde, um ano mais tarde professaria seus votos solenes. Passou por vários conventos até que em 1616, quando se encontra em Sevilla, embarca para a ilha de Santo Domingo, onde se aprofunda em Teologia.

De volta à Espanha, com um amplo acervo de memórias coletadas em suas viagens, afirma ele: “não merece o nome de homem quem permanece encerrado em seu país e ignora as demais gentes”. Tirso viajava muito pelo interior da Espanha e tinha convívio com gente de relevada importância; foi muito amigo de Lope de Vega, a quem conheceu na Academia Poética fundada pelo humanista Juan Francisco de Medrano. De Lope dirá em alguma ocasião “…tem elevado a comédia a tal ponto de perfeição e sutileza que pode formar escola por si só; e todos nós, que nos consideramos seus discípulos, teremos que defender sua doutrina contra seus adversários entusiásticos”.

A ele são atribuídas aproximadamente 400 obras e sabe-se de algumas outras perdidas, porém grande parte de seu material foi salvo e constituem um dos tripés gloriosos do teatro de ouro espanhol, junto com ‘o monstro’ Lope e o “imortal” Calderón.

Por causa da publicação de seu renomado livro “misceláneo Cigarrales de Toled” (1621) que inclui prosa, verso e teatro, uma comissão de examinadores da Inquisição o exilou da Corte, por volta de 1626, por atentar contra a moral cristã. Molina imprimiu caráter religioso às suas obras, uma mescla de histórias piedosas, poesia devota e autos sacramentais; sua aparição, em 1635, anos mais tarde de que fora nomeado cronista oficial da Ordem a qual, três anos depois dedicou a “História geral da Ordem de Mercedes”. Apesar destes trabalhos, recebeu novas críticas que lhe valeram novos desterros. Embora tenha vivido seus últimos anos de vida em Soria (como prior) e em Almazán, sua glória se deve a seu talento e fecundidade da obra.

No teatro dominou a “intriga” com uma estrutura cuidadosa e, segundo os eruditos, criou uma ponte entre a comédia Lopesca e o intrincado desenvolvimento que alcançaria Calderón de la Barca. Sua inspiração toma atitudes variadas, com personagens talentosos e maníacos, impulsivos ou hipócritas, sem médias tintas. Entre seus trabalhos, chama a atenção uma obra em prosa, derivada do Decamerón e as novelas (tipo italiano) que agrupam várias histórias narradas por damas e cavalheiros.

Trata-se de um poema dramático e intenso e comovente destinado a apartar os seculares dos mistérios de preocupação mórbida por uns mistérios impenetráveis, orientando para a prática de um cristianismo sadio. É, acima de tudo, uma obra sobre a vida e a morte do ponto de vista da prática religiosa.“El condenado por desconfiado” tem tanto, os protagonistas, quanto, intrigas entrelaçadas de igual importância temática e tende a provocar a reflexão sobre a natureza da verdadeira devoção.

Dentre suas quatrocentas comédias destacam cerca de sessenta publicadas entre 1627 e 1636, algumas das quais mencionaremos: (cenários históricos) La prudencia de la mujer”, “Las quinas de Portugal” (hagiografia (vida dos santos)), “La venganza de Tamar “(sobre os amores incestuosos de Ammón, primogênito do Rei David, e sua hermanastra Tamar), “La espigadera”, “Santa Juana”. Inúmeros assuntos são dedicados ao teatro de Tirso, inclusive os costumes relaxados de seus contemporâneos, donde encontramos sigilosos agravos acerca da duvidosa origem de frei Gabriel Téllez.

Demonstram particular interesse às comédias de enredos, as que cabe mencionar: “El vergonzoso en palácio” (um pastor, Mireno, sente um desejo instintivo de levar uma vida nobre e devido a um infortúnio é preso quando leva as roupas do secretário de um duque. No palácio ducal diz chamar-se Don Dionís, e a filha do duque, que se enamora dele, convence o pai para que lhe devolva a liberdade em nome do secretário. Com diversos ardis, a filha do duque consegue persuadir o jovem por quem está apaixonada. Tudo acaba bem. A protagonista declara-se astutamente em sonhos a seu tímido galã).

Muitos são os temas e todos delineados com engenho por Tirso de Molina, mas teremos que deter-nos no “El burlador de Sevilla”, donde se combinam elementos do drama religioso, da comédia de capa e espada e (novamente) as sátiras de costumes relativos às classes elevadas. Tudo nos leva à figura de Don Juan, cujo desordenado erotismo o confronta moralmente com a sociedade, fazendo-lhe digno do castigo divino. Assim, “El burlador de Sevilla” é a principal fonte de uma tradição literária internacional: a do mito de Don Juan, a que pertencem numerosas obras de grande vulto, a miúde muito diferentes, desde a Espanha do século XVII até a Inglaterra.

Com efeito, “El burlador de Sevilla (O trapaceiro de Sevilla)” não foi a primeira obra que foi escrita sobre Don Juan. “El burlador” foi impresso no século XVII como obra de Tirso, mas é de assombrar-se que não figura em nenhum dos livros que o mesmo publicou.Assim mesmo, fala-se de semelhanças com outra obra atribuída a Calderón, mas a maior parte dos entendidos convencionam de que tem o brilho e a eloqüência de Tirso.

O Que é El burlador de Sevilla? Arrogante e desinibido, Don Juan Tenorio surpreende a diversas mulheres com enganos e astúcias covardes.É filho privado do rei de Espanha e sobrinho do embaixador espanhol em Nápoles e também trapaceiro, arrogante e nécio. Seduz as damas, engana-as com falsas promessas de matrimônio; no caso de Dona Ana de Ulloa, escondido, mata o pai dela, Don Gonzalo, e passado um tempo, quando visita a tumba deste, tira-lhe a barba e convida-o a jantar em sua companhia. A estátua aparece e intima-o, e a seu término convida-o a sua vez a jantar na capela. Don Juan foge para a igreja donde está sepultado Don Gonzalo e traz uma comida composta de escorpiões, víboras e fel, a estátua toma a mão de Don Juan e ambos se aprofundam no inferno. O rei de Espanha coloca ‘ordem’ na sociedade casando as vítimas de Don Juan com pares adequados. Tem-se falado que El burlador é um drama em que a edificação da sociedade humana se mostra débil e suja. Wilson a considera uma grandiosa e impressionante tragédia social.

Finalmente, o êxito da versão de Don Juan Tenorio, de Zorrilla, tem imortalizado a personagem em todo o mundo.A incansável “pena” de Tirso penetra, temerária na ligeireza da vida monástica (que deve ter produzido alguns dissabores) em “La elección por la virtud”, composta em 1622. Por esses tempos teve severas críticas da Igreja em que nosso dramaturgo escapou por sorte.
Nessa época nosso inspirado escritor dá a luz a uma obra talentosa, divertida e intencionada: “Don Gil de las calzas verdes”. Escreveu também, “La prudencia en la mujer”, drama histórico centrado nas figuras de Fernando IV, “el Emplazado, y la reina madre, dona María de Molina”; houve algumas habituais que saborearam os ‘currais’ de Madrid como: “Los balcones de Madrid”; “Bellaco sois, Gómez”; “El honroso atrevimiento”;”El celoso prudente” e alguns autos sacramentais para estar de bem com a Igreja.

Sua obra esteve relegada à segundo plano, considerada como "menor" que a de Um Calderon, ou de um Lope de Vega, mas parece que o século XIX começou a desfazer esse "mal-entendido". Sua obra ressurge, graças aos estudos de Dionisio Solís, Agustín Durán e Juan Eugenio Hartzembusch.

Tirso, com Lope e Calderón, representa, com Cervantes à frente, o melhor que o "Século do Ouro Espanhol", ofertou a cultura européia. Obras como “El vergonzoso en Palácio”, “La villana de Vallecas” e sobretudo a diabólica presença de Don Juan, asseguraram a permanência de Frei Téllez, e asseguraram um Tirso com talento e humildade, mas também com talento e penetração, imortal nos costumes de um povo que asseguraram ao dramaturgo permanência na cabeceira do melhor teatro castellano.

Gil Vicente


Gil Vicente é geralmente considerado o primeiro grande dramaturgo português, além de poeta de renome. Há quem o identifique com o ourives, autor da célebre “custódia de Belém”, mestre da balança, e mestre da retórica do rei Dom Manuel. Enquanto homem de teatro, parece ter também desempenhado as tarefas de músico, ator e encenador. É frequentemente considerado o pai do teatro português, ou mesmo do teatro ibérico já que também escreveu em castelhano - partilhando a paternidade da dramaturgia espanhola com Juan Del Encina.

A obra vicentina é tida como reflexo da mudança dos tempos e da passagem da Idade Média para o Renascimento, fazendo-se o balanço de uma época onde as hierarquias e a ordem social eram regidas por regras inflexíveis, para uma nova sociedade, onde se começa a subverter a ordem instituída. Foi, o principal representante da literatura pré-renascentista portuguesa, anterior a Camões, incorporando elementos populares na sua escrita que influenciou, por sua vez, a cultura popular portuguesa.

Guimarães é um dos locais que reclama ser o berço do dramaturgo, assim como também reivindicam seu nascimento as cidades de Lisboa e a Beira Baixa.
Apesar de se considerar que a data mais provável para o seu nascimento tenha sido em 1466, há quem proponha as datas de 1460, ou ainda entre 1470 e 1475. Se nos basearmos nas informações veiculadas na própria obra do autor, encontraremos contradições. O Velho da Horta, a Floresta de Enganos ou o Auto da Festa, indicam 1452, 1470 e antes de 1467, respectivamente. Desde 1965, quando decorreram festividades oficiais comemorativas do 500º do nascimento do dramaturgo, que se aceita 1465 de forma quase unânime.
Gil Vicente era ourives quando escreveu a sua primeira obra, uma imitação do Auto del Repelón, de Juan Del Encina a quem pede emprestada não só a história, mas também as personagens com o seu respectivo idioma, o saiaguês.
Apesar das muitas controvésias a respeito de sua data de nascimento, de sua origem e se era ourives ou não, sabe-se, ao menos que casou-se com Branca Bezerra, de quem nasceram Gaspar Vicente(que morreu em 1519) e Belchior Vicente(nascido em 1505). Com a morte de Branca, casou novamente com Melícia Rodrigues, de quem teve Paula Vicente (1519-1576), Luís Vicente (que organizou a compilação das suas obras junto com a irmã Paula) e Valéria Borges. Presume-se também que Gil Vicente tenha estudado em Salamanca.

O seu primeiro trabalho conhecido, a peça Auto da Visitação, também conhecido como Monólogo do Vaqueiro, foi representada nos aposentos da rainha D. Maria I, consorte de Dom Manuel, para celebrar o nascimento do príncipe (o futuro Dom João III) - sendo esta representação considerada como o marco de partida da história do teatro português, acontecimento que se deu na noite de 8 de junho de 1502, com a presença do rei, da rainha, de Dona Leonor, viúva de Dom João II e Dona Beatriz, mãe do rei. Um dos raros casos na história em que se uma data para a fundação de um “Teatro”.

Gil Vicente tornou-se, a partir de então, responsável pela organização dos eventos palacianos. Dona Leonor pediu ao dramaturgo a repetição da peça pelas matinas de Natal, mas o autor, considerando que a ocasião pedia outro tratamento, escreveu o Auto Pastoril Castelhano. A encenação incluía um ofertório de prendas simples e rústicas, como queijos, ao futuro rei, ao qual se pressagiavam grandes feitos. Dona Leonor se tornou sua grande protetora.

Se foi realmente ourives, terminou a sua obra-prima nesta arte - a Custódia de Belém - feita para o Mosteiro dos Jerónimos, em 1506, produzida com o primeiro ouro vindo de Moçambique. Três anos depois, tornou-se vedor do patrimônio de ourivesaria do Convento de Cristo, em Tomar, Nossa Senhora de Belém e no Hospital de Todos-os-Santos, em Lisboa. Em 1511 é nomeado vassalo de el-Rei e, um ano depois, representante da bandeira dos ourives na "Casa dos Vinte e Quatro". Em 1513, o mestre da balança da Casa da Moeda, Gil Vicente, foi eleito vereador de Lisboa. Será ele que dirigirá os festejos em honra de Dona Leonor, a terceira mulher de Dom Manuel, em 1520, um ano antes de passar a servir Dom João III, conseguindo o prestígio do qual se valeria para se permitir a satirizar o Clero e a Nobreza nas suas obras ou mesmo para se dirigir ao monarca criticando suas ações. Como o fez em 1531, por ntermédio de uma carta ao Rei onde defende os cristãos-novos.

Gil Vicente morreu em lugar desconhecido, talvez em 1536, porque é a partir desta data que se deixa de encontrar qualquer referência ao seu nome nos documentos da época, além de ter deixado também de escrever a partir desta data.

É evidente que o teatro português não nasceu com Gil Vicente. Esse mito, criado por vários autores, sobretudo por seu próprio filho, Luís Vicente, por ocasião da primeira edição da "Compilação" da obra completa do pai, poderá justificar-se pela importância inegável do autor no contexto literário da península ibérica, mas não é de todo verdadeiro já que existiam manifestações teatrais antes da noite de 8 de junho de 1502.

Os dois atores mais antigos portugueses são, Bonamis e Acompaniado, que, durante o reinado de Sancho I, realizavam um espetáculo de "arremedilho", tendo sido pagos pelo rei com uma doação de terras. O arcebispo de Braga, Dom Frei Telo, refere-se, num documento de 1281, a representações litúrgicas por ocasião das principais festividades católicas. Em 1451, o casamento da infanta Dona Leonor com o imperador Frederico III, da Alemanha foi acompanhado também de representações teatrais. Também nas cortes de Dom João I, Dom Afonso V e Dom João II, se faziam encenações. Contudo, pouco resta dos textos dramáticos pré-vicentinos. Além das éclogas dialogadas de Bernardim Ribeiro, Cristóvão Falcão e Sá de Miranda, André Dias publicou em 1435 um "Pranto de Santa Maria", considerado um esboço razoável de um drama litúrgico.

A obra de Gil Vicente vem no seguimento do teatro ibérico popular e religioso que já se fazia. Os temas pastoris, presentes na escrita de Juan del Encina vão influenciar fortemente a sua primeira fase de produção teatral e permanecerão esporadicamente na sua obra posterior, de maior diversidade temática e sofistificação. De fato, a sua obra tem uma vasta diversidade de formas: o auto pastoril, a alegoria religiosa, narrativas bíblicas, farsas episódicas e autos narrativos.

Gil Vicente retratou, com refinada comicidade, a sociedade portuguesa da priemeira metade do século XVI, demonstrando grande capacidade de observação ao traçar o perfil psicológico das suas personagens. Crítico severo dos costumes, de acordo com a máxima que seria ditada por Moliere ("Ridendo castigat mores" - rindo se castigam os costumes), Vicente é também um dos mais importantes autores satíricos da língua portuguesa. Em 44 peças, o autor usa grande quantidade de personagens extraídos do espectro social português. É comum a presença de marinheiros, ciganos, camponeses, fadas e demônios e de referências a dialetos e linguagens populares.

Suas obras-primas são, além da trilogia de sátiras Auto da Barca do Inférno(1516), Auto do Purgatório (1518) e Auto da Barca da Glória (1519). Em 1523 escreve a Farsa de Inês Pereira.

São geralmente apontados, como aspectos positivos das suas peças, a imaginação e originalidade evidenciadas; o sentido dramático e o conhecimento dos aspectos relacionados com a problemática do teatro.
Alguns autores consideram que a sua espontaneidade perde em reflexão e requinte. De fato, sua forma de exprimir é simples e direta, sem grandes floreados poéticos. Ma acima de tudo, o autor exprime-se de forma inspirada, nem sempre obedecendo a princípios estéticos e artísticos do mais puro equilíbrio. É versátil nas suas manifestações: se, por um lado, parece ser uma alma rebelde, temerária, impiedosa no que se esforça em demonstrar os vícios dos outros, tal qual um bobo da Côrte, por outro lado, mostra-se dócil, humano e terno na sua poesia religiosa e quando se trata de defender aqueles a quem a sociedade maltrata.

- O seu lirismo religioso, de raiz medieval está bem presente, por exemplo, no Auto de Mofina Mendes, na cena da Anunciação, ou numa oração dita por Santo Agostinho, no Auto da Alma.
- O seu lirismo patriótico presente em Exortação da Guerra, Auto da fama ou Cortes de Júpiter, não se limita a glorificar, em estilo épico e orgulhoso, a nacionalidade: é crítico e eticamente preocupado, principalmente no que diz respeito aos vícios nascidos da nova realidade econômica, decorrente do comércio com o Oriente. Tema presente em Auto da Índia.
- O seu lirismo amoroso, por outro lado, consegue aliar algum erotismo e alguma brejeirice com influências mais eruditas, como Petrarca, por exemplo.

A obra de Gil Vicente transmite uma visão do mundo que se assemelha e se posiciona como uma perspectiva pessoal do PLatonismo: existem dois mundos - o Mundo Primeiro, da serenidade e do amor divino, que leva à paz interior, ao sossego e a uma "resplandecente glória", como dá conta sua carta a D. João III; e o Mundo Segundo, aquele que retrata nas suas farsas: um mundo "todo ele falso", cheio de "canseiras", de desordem sem remédio, "sem firmeza certa". Estes dois mundos refletem-se em temas diversos da sua obra: por um lado, o mundo dos defeitos humanos e das caricaturas, servidos sem grande preocupação de verossimilhança ou de rigor histórico. Por outro lado, valoriza os elementos míticos e simbólicos do Natal: a figura da Virgem Mãe, do Deus Menino, da noite natalina, demonstrando aí um zelo lírico e uma vontade de harmonia e de pureza artística que não existe nas suas mais conhecidas obras de crítica social.

Há um forte contraste nos elementos cênicos usados por Gil Vicente: a luz contra a sombra, não numa luta feroz, mas em convivência quase amigável. A noite de natal torna-se também aqui a imagem perfeita que resume a concepção cósmica de Gil Vicente: as grandes trevas emolduram a glória divina da maternidade, do nascimento, do perdão, da serenidade e da boa vontade.