segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Victor Hugo e o verdadeiro manifesto sobre o romantismo


Victor Hugo apresenta seu Prefácio como um verdadeiro manifesto sobre o romantismo. Começa por uma análise da evolução da literatura em relação a história, para chegar a uma análise da sensibilidade moderna.
Afirma que da mesma forma que o gênero humano conhece três idades sucessivas: a infância, a idade adulta e a velhice, a sociedade teria passado, segundo ele, por três grandes fases que teriam visto o desabrochar da poesia, sob três formas essenciais: os tempos primitivos, com o lirismo; os tempos antigos, com a epopéia; os tempos modernos, com o drama. “Assim (...) a poesia tem três idades, das quais cada uma corresponde a uma época da sociedade: a ode, a epopéia e o drama”.
Seguindo essa teoria, o gênero humano no seu conjunto, cresceu, desenvolveu-se e amadureceu. Foi criança, homem e velha. Antes da época que a sociedade chamou Antiga, existia outra era, que os Antigos chamavam fabulosa, e que seria mais exato chamar primitiva para acompanhar o raciocínio de Victor Hugo. Há, pois, três grandes ordens de coisas sucessivas na civilização, desde a origem até nossos dias. Ordens sobre as quais a poesia também se insere. As três grandes idades do mundo seriam finalmente, os tempos primitivos, os tempos antigos e os tempos modernos.
Nos tempos primitivos, quando o homem desperta num mundo que acaba de nascer, a poesia desperta com ele. Esta ode dos tempos primitivos seria a Gênese.
No entanto, a família se torna tribo, a tribo se faz nação e cada um destes grupos de homens se amontoa ao redor de um centro comum: os reinos. O acampamento dá lugar à cidade, a tenda ao palácio e a arca ao templo. Os chefes de Estados nascentes são ainda pastores, mas pastores de povos. A religião toma uma forma; os ritos regulam a prece; o dogma vem emoldurar o culto. Assim o sacerdote e o rei dividem entre si a paternidade do povo; assim a comunidade patriarcal sucede a sociedade teocrática.
No entanto as nações começam a ficar demasiado comprimidas no Globo, daí invasões, guerras, choque de impérios. Elas se ultrapassam umas as outras; daí migrações de povos, viagens. A poesia reflete estes grandes acontecimentos. Torna-se épica, gera Homero.
Homero, com efeito, domina a sociedade antiga. Nesta sociedade, tudo é simples, tudo é épico. Uma espécie de solene gravidade se instaura por toda parte, nos costumes domésticos e nos costumes públicos.
É nesse registro que Victor Hugo situa a tragédia antiga com suas proporções gigantescas e desmedidas. Suas personagens são sempre deuses, semideuses e heróis.
É justamente no coro que comenta a tragédia que Victor Hugo afirma ser não outro senão o próprio poeta a se expressar completando sua epopéia. No entanto, afirma que a epopéia é uma poesia gasta que gira em torno de si mesma. Diz que todos os poetas trágicos retalham Homero.
No surgir de uma nova sociedade, de uma nova religião, se amplia a idéia de um certo tipo de belo. De um tipo de início magnífico, que ao se tornar sistemático, se torna falso, mesquinho, convencional. O cristianismo, segundo Victor Hugo, conduziria a poesia à verdade. A musa moderna, de uma sociedade não mais politeísta, verá as coisas com um olhar mais elevado e mais amplo. Sentirá que tudo na criação não é humanamente belo, que o feio existe ao lado do belo, o disforme perto do gracioso, o grotesco no reverso do sublime.
A pergunta de Victor Hugo é se cabe ao homem retificar Deus. Se uma natureza mutilada será mais bela? Se a arte possui o direito de desdobrar o homem, a vida e a criação? Se, enfim, o meio de ser harmonioso, é ser incompleto? Em vista disso, que para a criação ser possível ela precisa ser falha sem, entretanto, confundir a sombra com a luz ou o grotesco com o sublime. Tudo deve ser profundamente coeso. Este, segundo Victor Hugo, seria um conceito estranho à Antiguidade. Esta ligação intrínseca entre o grotesco e o sublime seria um traço característico da Modernidade; diferença que, para ele é fundamental na separação entre a arte moderna e a antiga, entre a literatura romântica e a clássica.
Segundo o autor, os antigos não empregavam o feio ou o grotesco. Não misturavam a comédia com a tragédia. Apesar de estar presente a figura do grotesco na antiguidade, no ciclope, nos sátiros, nas harpias, estas eram figuras de um grotesco “tímido”, dissimulados.
No pensamento moderno o grotesco teria um papel determinante, já que, por um lado cria o disforme e o horrível, e por outro, cria o cômico e o bufo. Passa-se, ainda segundo Victor Hugo, do mundo ideal ao mundo real e se desenvolvem inesgotáveis paródias da humanidade. O gênio moderno propunha a se aprofundar onde parece que a antiguidade às vezes recuou.
Portanto, seria correto dizer que Victor Hugo buscou uma maior complexidade em seus personagens, do que o que encontrava nos clássicos, afirmando que “o contato com o disforme deu ao sublime moderno alguma coisa de mais puro, de maior, de mais sublime enfim que o belo antigo”.
Escultura de Victor Hugo, por Rodin.

Segundo Décio de Almeida Prado, “a tragédia shakespeariana fornece a Victor Hugo todas as coordenadas para que o Prefácio de Cromwell defina o novo gênero teatral preconizado pelo romantismo: Shakespeare, é o drama; (...) o drama, que funde no mesmo sopro o grotesco e o sublime, o terrível e o bufão, a tragédia e a comédia (...)”. O gênio de Shakespeare está no drama que funde, num mesmo alento, o grotesco e o sublime, o terrível e o bufo, a tragédia e a comédia. O drama, para Victor Hugo, seria o caráter próprio dos tempos modernos, cujas grandes fontes seriam três: a Bíblia, Homero e Shakespeare.
Portanto, a estrutura antiaristotélica shakespeariana torna-se parâmetro, formando com a Bíblia e Homero, uma espécie de Santíssima Trindade de inspiração do poeta. Shakespeare é fundamental, na medida em que sua obra é identificada com o romantismo caracterizado por uma visão de mundo contrária ao racionalismo que marcou o período neoclássico e buscou um nacionalismo que viria a consolidar os estados nacionais na Europa. Surge como uma atitude, um estado de espírito, que toma forma de um movimento e o espírito romântico passa a designar toda uma visão de mundo centrada no indivíduo. Os autores românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos, retratando o drama humano, amores trágicos, ideais utópicos e desejos de impossíveis. Um período marcado pelo lirismo, pela subjetividade, pela emoção e pelo eu.
Não se pode esquecer que a tradição literária que surge a partir do movimento romântico “constrói-se em torno do núcleo-personagem ao qual se atribui as características e os comportamentos de um indivíduo comum”, assimilando o “personagem a uma pessoa, e todas a um modelo implícito reconhecido por nós” (RYNGAERT: 1996: 127/8). Por trás desta dualidade instaura-se, na verdade, uma metafísica que permite articular valores ao corpo e à alma, à matéria e ao espírito, em uma esfera simbólica que já não pode mais ser encabeçada pela estética clássica, pela tradição, pela ordem transcendente. O grotesco Quasímodo (Nossa Senhora de Paris), por exemplo, apesar de sua horrenda deformidade física, era portador do mais puro e sublime amor paternal, ao contrário da rainha Lucrécia Bórgia (Lucrécia Borgia), que, a despeito de sua beleza, riqueza e superioridade de classe, possuía uma monstruosa e deplorável deformidade moral.A lógica dessa dualidade permitiu, assim, aos indivíduos e camadas sociais antes condenados à feiúra, a apropriação do belo e da virtude pelo julgamento moral. Da mesma maneira, e pelas mesmas operações de julgamento, os lindos e poderosos podiam ser atirados ao vício. Na verdade, a articulação da dualidade entre grotesco e sublime permite que os valores possam ser operados de forma flutuante, móvel. O belo ou o feio pode até estar na pura forma, só que não apenas nela. Deve-se também apreciar os valores sentimentais, afetivos, espirituais, morais e políticos que estão por trás da forma.

Buchner e a ruptura com o romantismo


O romantismo define-se a partir dos últimos 25 anos do século XVIII. Na Alemanha, em 1774, Goethe publica Os sofrimentos do jovem Werther, lançando as bases definitivas do sentimentalismo romântico e o escapismo pela via do suicídio; em 1781, Schiller lança Os salteadores, inaugurando a volta ao passado histórico e mais tarde, o drama Guilherme Tell, transforma seu personagem em herói nacional na luta pela independência. Na Inglaterra, o romantismo se manifesta nos primeiros anos do século XIX, com destaque para Lorde Byron e Walter Scott, mas é justamente da Inglaterra que surge a talvez maior inspiração do romantismo: Shakespeare. Porém, se coube a Alemanha e a Inglaterra, papel pioneiro, coube à França o papel de divulgar o romantismo.
Georg Büchner nasceu em Goddelau, Darmstadt, Alemanha, em 17 de outubro de 1813. Seguindo a tradição da família, começou a estudar medicina em 1831. Seu espírito revolucionário logo encontraria um meio de expressão na literatura. Sua intenção de promover uma insurreição em Hesse sob o lema: ´Paz às cabanas! Guerra aos palácios!´, foi motivo de uma ordem de prisão, e ele refugiou-se na casa do pai. Ali escreveu A morte de Danton (1835), uma análise ao mesmo tempo exaltada e pessimista das causas do fracasso da Revolução Francesa, e que foi o primeiro drama realista alemão. Entre as obras que vieram a seguir, todas publicadas depois de sua morte, destacam-se a comédia Leonce e Lena, uma sátira às idéias românticas, e a novela Lenz, homenagem a J. M. Reinhold Lenz, membro, como Büchner, de um movimento literário conhecido como ‘a jovem Alemanha’. Com Woyseck (1836), sua última peça influenciou o drama social que veio com os naturalistas e expressionistas. Com um argumento baseado em fatos reais, o autor denuncia cruamente a opressão dos humildes.
Perseguido pela polícia, Büchner fugiu para a Suíça e morre em Zurique em 19 de fevereiro de 1837, com apenas 23 anos de idade.
Woyzeck supõe-se inacabada em função da morte precoce do autor, ao mesmo tempo é considerada sua obra-prima, contendo elementos que apareceriam na dramaturgia mundial apenas nas vanguardas do século XX. A peça conta à história de Woyseck, um rapaz que perde os pais e se torna ajudante numa fábrica de perucas. Não se afirma na profissão e para escapar à fome entra para o exército. Aceita dinheiro de um médico para fazer uma experiência: comer apenas ervilhas. O médico exulta ao ver e anotar a degradação em seu corpo. Sua mulher lhe é infiel. Seu superior lhe chama de imoral, pois não é casado. Seu trabalho é degradante, as autoridades são prostituídas e a vida familiar é um paraíso às avessas. Passa doze anos pontuados por detenções por indisciplina. É dispensado. Arranja uma amante que tem outros homens. Desempregado, pede esmolas e dorme ao relento. Numa crise de ciúmes mata a amante, acaba por ser decapitado em conseqüência de ter matado a mulher.
A peça tem uma estrutura fragmentada, irrepresentáveis, a não ser se dispense uma representação realista; há uma atmosfera invisível da morte que excita os sentidos, ao povo cabe um papel de coro, que em suas opiniões e indiferenças penetram, segundo Décio de Almeida Prado numa inquietude shakespeariana. E hesita entre a admiração e a repulsa pelo espetáculo da violência.
Escapa, em sua áspera originalidade, à atmosfera romântica. Büchner foi um precursor, segundo Gassner, tanto do naturalismo quanto do expressionismo na dramaturgia, embora sua vida tenha sido cortada antes que pudesse desenvolver as possibilidades de qualquer dos estilos. Tinha o desespero quanto à impureza da vida dos naturalistas e a técnica expressionista de substituir situações elaboradamente desenvolvidas por cenas breves psicologicamente sugestivas. Foi, com efeito, um anti-romântico em seu ambiente romântico. Sua filosofia do caráter, que brotava da perspectiva da ciência mecanicista do século XIX, constitui uma nítida ruptura com o heroísmo da “tempestade e ímpeto” (sturm and drang).

Cristianismo e Filosofia

Em todas as épocas, uma visão de mundo orienta as escolhas e dirige as atitudes de uma sociedade. As diferentes civilizações são resultado das distintas visões de mundo, distintas culturas, crenças, ideáis, etc. Ecos de um passado distante, cujos temores e ansiedades quase inconscientes foram transmitidos de geração a geração. Respostas de uma sociedade são, portanto, reflexo da forma como essas gerações se aperceberam do mundo. Nesse sentido, as religiões, segundo Fernand Braudel, "as religiões se tornaram a mais importante característica das civilizações".
Resultaram dessa reflexão duas características básicas da civilização moderna no ocidente: o cristianismo como principal componente do pensamento europeu, e uma realidade da vida ocidental; princípios éticos quanto a questões como vida e morte, o valor do trabalho, o papel das mulheres e das crianças, o fim da escravidão, embora não pareçam, são todos frutos da reflexão religiosa. A segunda característica é justamente a permanente tensão que se estabeleceu entre racionalismo e religião, algo que não aconteceu no oriente. Ainda segundo Braudel, "desde os gregos, o racionalismo tem atraído o pensamento ocidental, cada vez mais distante da vida religiosa." Na História da humanidade, há um marcante afastamento entre o pensamento religioso e o pensamento filosófico.
Talvez o grande mérito das religiões seja a sua universalidade, não baseada em nenhum tipo particularidade racial, geográfica, social ou política.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

O humano sagrado, Luc Ferry e a doutrina da salvação sem Deus

O filósofo Luc Ferry era ministro da educação na França quando, em 2003, baixou a lei que proíbe o uso de qualquer símbolo religioso nas escolas e prédios públicos.
Ferry fala de como a filosofia, hoje, depois de ter passado séculos em segundo plano por causa do cristianismo vive seu grande momento. Segundo o autor de “Aprender a viver” e “O Homem Deus”, a religião, que promete a salvação através de Deus e pela força da fé, não cumpriu sua promessas, conseqüentemente se assiste a uma “descristianização” no mundo ocidental.
Ferry mostra como a filosofia competiu com a religião na questão que permanece como o grande medo dos seres humanos: a morte. Venceu hoje, segundo ele, a “doutrina da salvação laica, sem Deus”. Isto é, a filosofia, a salvação pela razão e por si próprio.
Sua grande tese é a de que depois de o mundo ter humanizado o divino – Jesus Cristo, humano, filho de Deus, propondo a salvação para a Humanidade, assiste-se hoje à divinização do homem. O homem virou Deus. Ferry fala de como Nieztsche está mais atual do que nunca ao desconstruir todas as transcendências que guiaram os seres humanos até recentemente: Deus, pátria e revolução. Ferry vai nos dizer que e´a afetividade e não mais a tradição que ditam as regras. E é assim que o ser humano assume a figura do sagrado. É a história da família, do fortalecimento das relações familiares que vai mudar a vida das pessoas.
A grande questão filosófica, portanto, para Luc Ferry se resume ao medo, ou, os medos que nos impedem de viver, ou que nos fazem viver mal. Quando estamos tomados pelo medo somos incapazes de ascender ao que os filósofos gregos chamavam de serenidade, vida boa.
Para justificar sua afirmativa, defende que na história da humanidade tivemos três discursos para enfrentar tais medos. O da religião, que propõe salvar pessoas de seus medos através de Deus e pela Fé. Por isso é chamada doutrina da salvação. Há também o discurso da psicanálise, que tenta combater o medo através da técnica da transferência. E o discurso filosófico, que é uma doutrina da salvação laica, sem Deus, uma salvação pela razão e por você mesmo.