A Europa se libertava do medievalismo por meio de uma tremenda explosão criativa durante a Renascença. O passo seguinte era consolidar as vitórias da Renascença, e isso envolvia a estabilização da cultura, especialmente na França e Inglaterra. Também a dramaturgia e o teatro exprimiram essa nova perspectiva de mundo.De modo geral, os dramaturgos submeteram o heroísmo ou o desejo individual ao dever, e subordinaram a paixão à sensibilidade. O teatro exaltou as civilizadas qualidades do refinamento e da ordem. A tentativa de criar uma tragédia da razão foi um nobre esforço, especialmente, no que toca a obra de três autores: Pierre Corneille, Jean Racine e Jean-Baptiste Poquelin (Moliere).Pierre Corneille, nascido em 6 de junho de 1606, foi um dramaturgo basicamente de tragédias, apesar de ter escrito algumas comédias. Corneille surpreendeu o teatro francês com sua peça O Cid (Le Cid), em fins de 1636. Neste ano a Inglaterra estava envolvida com uma convulsão social que iria por fim a sua monarquia absoluta, enquanto na França, a monarquia absoluta se encaminhava para o seu apogeu, sob o reinado de Luis XIII. A centralização do poder e o progresso econômico prosseguiu sob esse reinado; fatos que são indispensáveis para uma compreensão da natureza e da filosofia formais do período neoclássico francês.Corneille, nascido no seio de uma classe média em franca ascensão, era um burguês ascendente, dedicado à Lei, advogado que era. Era chamado de "fundador da tragédia francesa"; escreveu peças por mais de 40 anos. Era o mais velho de seis irmãos. Pertencia a uma família de magistrados de Rouen. Em 1629 um desengano amoroso o leva a escrever seus primeiros versos, para passar em seguida a sua primeira comédia, Mèlite, que entrou no repertório da companhia de um renomado ator da época: Mondory.Corneille cria um novo estilo teatral, onde os sentimentos trágicos são postos em cena pela primeira vez em um universo plausível, o da sociedade contemporânea de sua época. Torna-se autor oficial por nomeação do Cardeal de Richelieu e, posteriormente, rompe com o status de poeta do "Ancien regimem" e com a política controvertida do cardeal para escrever obras que exaltam os sentimentos de nobreza (O Cid), que recordam que os políticos não estão acima das leis (Horácio), ou, que apresenta um monarca que trata de recuperar o poder sem exercer repressão (Cinna).Em 1647 é eleito para a Academia Francesa, ocupando a cadeira número 14 até sua morte, em 1684, quando foi sucedido por seu irmão Thomas Corneille.Haviam dito, sobre sua primeira obra, que estava em desacordo com as regras clássicas, segundo as quais a ação de uma peça deve decorrer em 24 horas, assim como é preciso que seu texto seja vazado em estilo nobre. Corneille decidiu escrever algo que estivesse em conformidade com as regras e fosse "em geral desprovido de valor". Escreveu quatro comédias, e sua primeira tragédia foi a imitação da obra clássica, Médeia, de Eurípides. Porém, a vibrante narrativa dos feitos do mais popular herói espanhol, feita por Guillén de Castro, o atraiu de tal forma que teve como resultado a tragicomédia O Cid.Nenhuma outra peça traz tão claramente a marca deste poeta rústico, que faz o possível para inserir sua obra nos cânones aristotélicos do neoclassicismo francês. O Cid é, por certo uma obra de transição, assim como seu autor também o é.Na estrutura e no estilo da peça não se observava com rigidez as regras que eram impostas ao drama naquele período histórico. É bem verdade que ele adulava o princípio de que a ação deveria acontecer num único lugar, durante um único dia. Mas os tempestuosos acontecimentos de O Cid violam o espírito dessas leis. Em 24horas o personagem Rodrigue (O Cid) declara seu amor, trava seu primeiro duelo, mata o pai da mulher que ama, repele uma invasão nacional, ganha um julgamento por combate e no decurso de tudo isso, perde e reconquista o favor de seu rei e da dama de seu coração.O Cid representou o último tributo de Corneille à individualidade. A partir de então o autor segue sua busca nunca brilhantemente sucedida de ir ao encontro das unidades de tempo, de ação e de lugar, que modelaram a escrita dos séculos XVII e XVIII, na França.Um áspero poder perpassa o Horácio, sua peça seguinte, na qual Corneille aceita claramente as unidades dramáticas de seu tempo. É o conflito entre o amor e o dever patriótico. Os antigos romanos e seus vizinhos albanos acham-se em guerra. mas Sabina, uma albana de nascimento, é casada com Horácio e Camila, irmã de Horácio se apaixona por Curiácio, irmão de Sabina. A rivalidade nacional cruza, ao acaso, o caminho da afeição natural e os amantes e as famílias. Advém a crise quando Horácio e seus irmãos são designados para combater os albanos, entre eles, Curiácio. Horácio vence, as custas da morte de Curiácio, amado de sua irmã. Outra tragédia segue-se quando Camila, transtornada, incita o irmão a tirar-lhe a vida. Tema que nunca se esgota. Sempre que há nações em guerra, há casos de amor, de separação e de muita dor entre povos parentes e rivais.Após a morte de Richelieu, em 1643, a crise de identidade que padece a França se reflete na obra de Corneille: acerta contas com Richelieu em "la Mort de Pompée", escreve "Rodugone", uma tragédia sobre a guerra civil, e desenrola o tema do rei oculto em "Heráclito", "Don Sanche d'Aragon" e "Andrômeda", perguntando-se sobre a natureza do rei, subordinado às vicissitudes da história, fazendo assim que este ganhe humanidade. Foi precisamente a maquinaria necessária para pôr em cena Andrômeda, o que justificou a construção do Teatro de Petit-Bourbon, em 1650.A partir de 1650, suas obras conhecem menores êxitos, até o fracasso de "Pertharite", Corneille deixa de escrever durante vários anos.O velho poeta não se resigna e renova o teatro com a tragédia Édipo.Corneille continua inovando o teatro francês até sua morte, os efeitos especiais ("O Velocinode Ouro"), e provando com o teatro musical ("Agésilas", "Psyché"). Também aborda o tema da renúncia, através da incompatibilidade do cargo real com o direito da felicidade ("Sertorius", "Suréna")Ao final de sua vida, a situação de Corneille é tão ruim, que o próprio Boileau solicita para ele uma pensão real, que Luis XIV concede. Corneille morre em Paris em 11 de outubro de 1684.A extensão e riqueza de sua obra fez com que, na França, surja o adjetivo corneliano, cujo significado, hoje em dia, é bastante extenso, mas que significa a vez da vontade e do heroísmo, da força e da densidade literária, da grandeza da alma e da integridade e uma oposição irredutível aos pontos de vista.
sábado, 25 de outubro de 2008
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Classicismo Francês, um movimento intencionalmente rígido
Classicismo Francês, um movimento intencionalmente rígido
Heranças:
- Atores e atrizes juntos;
- Teatros com teto;
- Textocentrismo;
- Ator declamador;
- Valorização da comédia;
- Público pagante.
- Reescrituras das tragédias gregas, atenuadas;
- Teatro Elisabetano é visto como um teatro bárbaro;
- Teatro dos palácios e salões;
- “Arte Poética”, de Nicolas Boileau: manual estético da doutrina clássica; propõe as regras do bem escrever;
- Adota os princípios da “Poética” de Aristóteles;
- Lei da verossimilhança;
- O belo como condição indispensável;
- Adota a regra das três unidades;
- Desprezo pela arte que se aproxime do popular;
- Texto rígido, contido, metrificado e rimado;
Principais autores:
CORNEILLE:
- Escreve Medeia, uma imitação clássica e outras tantas;
- Escreve O Cid, seu texto mais célebre e inverossímil – torna-se um dos principais textos do chamado neoclassicismo francês;
- Entre o Cid e suas últimas obras, sua dramaturgia tornou-se cada vez mais rígida.
RACINE:
- Seu talento transformou as restrições em vantagens;
- Foi o poeta do coração feminino;
- Escreve Fedra, o mais importante texto clássico deste movimento, tornou-se o “grande desafio às carreiras de grandes atrizes em todo o mundo; Isadora Duncan, Sarah Bernard, Fernanda Montenegro e tantas outras a representaram;
- Tem sua carreira encerrada por intrigas da corte;
- Se torna um fervoroso jansenista;
MOLIÈRE:
- Maior dramaturgo cômico da França;
- Sua companhia teve sucesso ininterrupto;
- Teve a Corte e o público comum ao seu lado; apesar de polemista;
- Foi ator, o que era muito mal visto na época e que o impediu de ser enterrado com as honras que lhe seriam devidas;
- Sua irreverência com a igreja resultou em uma obra-prima: Tartufo, no entanto a obra ficou proibida por mais de cinco anos;
- Dentre tantas, podem ser consideradas principais peças: Escola de Mulheres, Escola de Maridos, Tartufo, O doente Imaginário, As preciosas ridículas, O avarento, O burguês fidalgo, Anfitrião, O misantropo e Dom Juan.
DIDEROT:
- Dirige a Encyclopèdie, junto com D’Alambert – se propõe a tornar o saber mais acessível;
- Notabilizou-se como teórico de teatro;
- Afirma que a submissão às regras é a morte do gênio;
- Propõe resgatar o espetáculo no teatro;
- Combate o textocentrismo dos neoclássicos;
- Combate um teatro de grandes poetas, seduzidos por achados poéticos e grandes efeitos declamatórios.
- Criador do “drama burguês”- Escreve o “Paradoxo do Comediante” uma espécie de texto teórico sobre o ator.
Heranças:
- Atores e atrizes juntos;
- Teatros com teto;
- Textocentrismo;
- Ator declamador;
- Valorização da comédia;
- Público pagante.
- Reescrituras das tragédias gregas, atenuadas;
- Teatro Elisabetano é visto como um teatro bárbaro;
- Teatro dos palácios e salões;
- “Arte Poética”, de Nicolas Boileau: manual estético da doutrina clássica; propõe as regras do bem escrever;
- Adota os princípios da “Poética” de Aristóteles;
- Lei da verossimilhança;
- O belo como condição indispensável;
- Adota a regra das três unidades;
- Desprezo pela arte que se aproxime do popular;
- Texto rígido, contido, metrificado e rimado;
Principais autores:
CORNEILLE:
- Escreve Medeia, uma imitação clássica e outras tantas;
- Escreve O Cid, seu texto mais célebre e inverossímil – torna-se um dos principais textos do chamado neoclassicismo francês;
- Entre o Cid e suas últimas obras, sua dramaturgia tornou-se cada vez mais rígida.
RACINE:
- Seu talento transformou as restrições em vantagens;
- Foi o poeta do coração feminino;
- Escreve Fedra, o mais importante texto clássico deste movimento, tornou-se o “grande desafio às carreiras de grandes atrizes em todo o mundo; Isadora Duncan, Sarah Bernard, Fernanda Montenegro e tantas outras a representaram;
- Tem sua carreira encerrada por intrigas da corte;
- Se torna um fervoroso jansenista;
MOLIÈRE:
- Maior dramaturgo cômico da França;
- Sua companhia teve sucesso ininterrupto;
- Teve a Corte e o público comum ao seu lado; apesar de polemista;
- Foi ator, o que era muito mal visto na época e que o impediu de ser enterrado com as honras que lhe seriam devidas;
- Sua irreverência com a igreja resultou em uma obra-prima: Tartufo, no entanto a obra ficou proibida por mais de cinco anos;
- Dentre tantas, podem ser consideradas principais peças: Escola de Mulheres, Escola de Maridos, Tartufo, O doente Imaginário, As preciosas ridículas, O avarento, O burguês fidalgo, Anfitrião, O misantropo e Dom Juan.
DIDEROT:
- Dirige a Encyclopèdie, junto com D’Alambert – se propõe a tornar o saber mais acessível;
- Notabilizou-se como teórico de teatro;
- Afirma que a submissão às regras é a morte do gênio;
- Propõe resgatar o espetáculo no teatro;
- Combate o textocentrismo dos neoclássicos;
- Combate um teatro de grandes poetas, seduzidos por achados poéticos e grandes efeitos declamatórios.
- Criador do “drama burguês”- Escreve o “Paradoxo do Comediante” uma espécie de texto teórico sobre o ator.
sábado, 4 de outubro de 2008
Molière e a comédia da sociedade
É uma curiosa indicação da complexidade do homem e seu mundo que a era de Corneille e Racine tenha sido também a era de Molière. Pois enquanto a tragédia estava erigindo uma torre de poderosa dignidade, a comédia estava ocupada em demoli-la. Enquanto a tragédia investia a sociedade aristocrática e da alta classe média com vestes cravejadas de jóias, a comédia as arrancava ate pôr a nu a truanesca roupa de baixo- e qual a sociedade que não usa por baixo uma roupa de truão? Aqui, novamente, a França do século XVII assumiu a liderança. Da conjunção de uma era e de um temperamento surgiu uma grande figura que lança sua ampla sombra sobre todo o teatro europeu, Molière, o mestre cômico da dramaturgia moderna.
O temperamento cômico de Molière
Seu aspecto comum é o de uma observação desinteressada, como se estivesse vigiando um movimentado campo e tendo o lazer de dardejar as partes escolhidas sem qualquer ansiedade agitada.
Molière não era um reformista do gênero militante. A indignação não se constituía numa prova de bom gosto quando o ideal predominante da sociedade francesa era o equilíbrio da razão. Simplesmente ria. Conseqüentemente seu método cômico era seguro e límpido. A maior parte de suas peças foi escrita nos formais versos alexandrinos, com uma adesão geral às unidades de tempo, lugar e ação. Mesmo quando tinha mais de uma trama nas mãos, sua estória permanecia lúcida e os acontecimentos eram escrupulosamente equilibrados. Seu estilo era lúcido mesmo nos momentos mais tensos, e contido mesmo nos momentos mais lúdicos, pois sua risada estava, no melhor dos casos, sem deixar de ser uma risada, “mais próxima de um sorriso”, era em suma “ o humor do cérebro”.
Nas comédias de Molière a Justiça é sempre feita. Não há intrusão do homem de sentimentos ou preconceitos para prejudicar o tom equilibrado de sua forma cômica. Apenas no que diz respeito a essa balanceada abordagem da humanidade é que as palavras de Bérgson, “o riso é incompatível com a emoção” são verdadeiras no caso de Molière.
A comédia humana de Molière
Catorze anos depois de Corneille mas dezesseis antes de Racine, aos 15 de janeiro de 1622, nasceu Jean –Baptiste Poquelin (Molière). Educado na casa de seu pai, um próspero tapeceiro, o rapaz recebeu todos os confortos sem ser estragado pelos excessos. Ademais, em breve o pai viu-se ligado à corte côo um dos oito valets de chambre tapissiers do rei, homem que estavam encarregados das tapeçarias e das mobílias reais. O título deu ao velho Poquelin alguma posição social; afora isso, a obrigação de freqüentar os palácios do rei durante três meses por ano representavam uma abertura suficiente para o circulo fechado que seu filho. Viria a satirizar de forma tão ínfima. O rapaz logo começou a demonstrar dotes para a mímica. Aos quinze anos ficou com o pai, cujo oficio já devia ter aprendido a essa altura, embora sem grande aplicação. Em 1636, o ano de O Cid e do famoso ensaio de Descartes sobre os processos da razão. O Discurso do Método, entrou na melhor escola de Paris, o Collège de Clermont.
Instruídos pelos Jesuítas, que produziram tantos livres-pensadores com seu excelente currículo, Molière adquiriu o firme domínio da lógica e da retórica. Aí também se familiarizou com a comédia romana e seus dotes histriônicos foram estimulados pelos mestres, que não apenas incentivavam a declaração pública como pediam aos alunos para representar peças latinas escritas pelos professores de poesia e retórica. Além disso, travou lá uma valiosa amizade com o jovem príncipe de Conde ET Chapelle. Molière, o futuro cético, provavelmente deveu muito à instrução formal que recebeu desse homem brilhante que conhecia todos os ramos da ciência, correspondia-se com Kepler e Galileu e era um admirador de Lucrécio. Não deixa de ser significativo o fato de que o primeiro esforço literário de Molière tenha sido uma tradução do tratado poético de Lucrécio sobre o epicurismo e a teoria atômica, De Rerum Natura. Se tornou necessário ao rapaz escolher uma carreira, enveredar pelo Direito. Mas o teatro exercia um fascínio muito grande sobre alguém que era um ator por natureza e de há muito sentia –se atraído pelos comediantes italiano que representavam em Paris. Em julho de 1643, entrou para uma companhia amadora que trabalhava numa quadra de jogo de péla e ostentava o grandiloqüente nome de L’Illustre Theâtre. O grupo mudou-se para uma quadra de tênis mais ampla e começou a cobrar ingressos mas os resultados foram desastrosos . a companhia reorganizada, contava agora com o bufão Dupare, conhecido por Gros-René e a ruiva e perfeita Madeleine Béjart, que conquistou o coração de Molière. Provavelmente com o fito de poupar ao pai embaraço de ter um ator na família, o o jovem Poquelin mudou o nome para Molière e rapidamente se devotou à empresa. Em 1644, a companhia fez uma estréia formal num bom teatro. Mas os resultados teimavam em não aparecer e Molière não apenas se endividou pesadamente como acabou sendo encarcerado durante uma semana por seus credores.
Contudo, a pequena companhia partiu para a província e, amadurecido por três anos de luta em Paris, aos vinte e cinco anos de idade. Molière estabeleceu-se no difícil negócio de criar uma bem-sucedida companhia ambulante. Tornou-se um astuto empresário cujo gume foi naturalmente afiado por doze anos de perambulações.
Havia de doze a quinze companhias nas mesmas condições, a competição era forte e as privações e humilhações eram muitas pois que os atores não possuíam ‘status social’ e eram forçados a enfrentar um grande número de leis puritanas. Mas a experiência era inapreciável e a companhia converteu-se no mais perfeito grupo de comediantes do reino. Foi crucial sua estada em ‘Lyon,’ onde permaneceram durante algum tempo. Ali Molière, fez-se um ator rematado. Seus gestos eram ligeiros, seu poder de sugestão, profundo; ademais, era um excelente orador informal. Ali também dominou a arte de escrever para teatro, combinando os truques e tipos característicos da comédia italiana com sagaz observação da vida francesa.
Em Lyon produziu uma dúzia de peças. Sua primeira obra importante. L’Etourdi (O Aturdido), peça de cinco atos em alexandrinos rimados, seguia as escapadas do astuto criado Mascarille que planeja inúmeros artifícios para auxiliar o caso de amor de seu amo Lélie, apenas para vê-los arruinados pelo amante com sua atabalhoada interferência. A peça obteve um êxito notável e a companhia ganhou novos membros, entre os quais o excelente Lagrange e Mademoiselle Debrie que suplantou Madeleine Béjart nas afeições de Molière.
Molière aproveitou esses tempos de experiência, sua saúde incerta melhorou no clima quente e sua carreira de autor ganhou pleno impulso. Aconselhados por amigos a instalar a bem-sucedida companhia nas imediações de Paris, Molière levou seus atores a Rouen. Lá o irmão mais moço de Luís XIV, o Duque d’Anjou s tomou sob seu patrono e aos 24 de outubro de 1658, fizeram finalmente a reverencia ao Rei no salão da guarda do antigo Louvre. Inconscientes de suas limitações no campo trágico, cometeram o erro de apresentar uma obra de Corneille, Nicomède. Mas, Molière adiantou-se após a conclusão da tragédia e pediu permissão ao rei para apresentar um de seus sazonados interlúdios. Sua oferenda era apenas a farsa ligeira Le Docteur Amoureux, ( O Doutor Enamorado), mas foi tal o favor obtido que a companhia recebeu permissão para usar o teatro do Petit-Bourbon durante alguns dias da semana. Assim o teatro era dividido alternadamente entre os atores franceses e uma companhia de comediantes italianos.
Lá, numa plataforma rasa de uns cem pés por quarenta, frente a uma platéia ocupada por plebeus que permaneciam em pé circundada por galerias divididas em camarotes para as damas. Molière dispunha quase de um teatro elisabetano. O cenário não era amplo, o palco da casa totalmente fechada onde as peças eram encenadas no fim da tarde apresentavam-se parcamente iluminado por velas. E os atores esbarravam nos janotas sentados na plataforma. A não ser quando encenava na corte uma comédia-balé teatralmente engenhosa. Molière via-se às voltas com condições físicas inadequadas e difíceis . precisava de um humor continuo e vigoroso se desejava superar tais limitações. A obra de Molière precisava combinar a polidez com a vivacidade, a A commedia dell’arte , com a alta comédia.
Continuou a representar tragédias ou peças heróicas de Corneille e chegou a tentar escrever uma pessoalmente, à lamentável Don Garcie de Nayarre.
Molière tinha quarenta anos, idade perigosa para um solteirão inflamável. No mesmo ano de 1662, marcou o início de seus infortúnios privados. Madeleine Béjart possuía uma irmã mais jovem, Armande, que atingira a maturidade sob seus próprios olhos, ele dera-lhe um papel central em Escola de Maridos e a jovem mostrava-se eficaz para a coqueteria n palco. Molière encontra no teatro um negócio lucrativo, mantinha excelentes relações e possuía amigos de influencia, afora isso, recebia suas visitas com demonstrações de prodigalidade. Estava pronto para o deleite de um novo romance. Por outro lado, Mademoiselle Debrie, sua amante e leal amiga, estava mais próxima de sua própria idade que a jovem e fascinante atriz, contra todo seu melhor discernimento, Molière cortejou Armande e – infelizmente foi aceito. Sob a supervisão do esposo ela se transformou numa atriz consumada que era igualmente eficaz em papeis delicados e indelicados, e assim sendo, daí em diante Molière escreveu suas peças com o objetivo de mostrar o talento da jovem Armande. Esta também lhe deu três filhos, dos quais apenas um sobreviveu ao pai. Mas, afinal de contas era vinte anos mais velho que ela e destarte o supremo satirista dos maridos ciumentos, e traídos, tornou-se assaz ironicamente, um tema adequado para suas próprias peças. Ela era uma oportunista, fátua, frívola e calculista que tornou seu curiosamente apaixonado marido tão miserável na vida particular, quanto se mostrava alegre em público. A partir daí seu riso tornou-se ‘ algo vencido’ .
Luís, ávido por divertimento, considerava Molière, um simples provisor de alegria e ficou surpreso quando Boileau lhe disse que o comediógrafo era um grande homem. Mas ainda que Molière continuasse perceptivelmente a considerar a diversão como seu principal negocio, sua arte estava se desenvolvendo em escopo e seriedade. É significativo que sua contribuição para os festivos Prazeres da ilha Encantada , em Versailles em 1664 não fosse a costumeira bagatela mas sim uma versão em três atos de sua grande sátira contra a hipocrisia religiosa Tartuffe (Tartufo). E mesmo Luis foi obrigado a reconhecer que seu bobo da corte havia ultrapassado as medidas. O rei o proibiu de apresentar a peça em público, e cinco anos iriam passar-se até que o público da cidade pudesse ver a peça no palco em sua forma reelaborada e final.
A França era varrida por uma reação contra a crescente vaga de ceticismo religioso e cientifico. O pensamento liberal era denunciado pelas seitas religiosas, entre as quais as mais ativas eram os jesuítas e os Jansenistas. A devoção se transformava em moda e nem toda as suas manifestações eram desinteressadas e sinceras. Tartufo era a encarnação da devoção egoísta e desonesta, e o drama que o mostrava insinuando-se em um honrado lar e virando-o de cabeça para baixo com suas intrigas resultou em poderosíssima sátira. Custou ao autor ser acusado de ateu por aqueles cujas sensibilidade haviam sido ofendidas. Insistiu que não havia atacado a religião e sim a forma pela qual podia ser usada para disfarçar o interesse próprio. Ademais, Molière teve a sabedoria de lembrar que o objeto da comédia é o riso e a diversão. Tartufo é uma força tanto ridícula quanto sinistra.
Apresentado no teatro do Palais-Royal em 1666, O Misantropo, não logrou rápida popularidade. Prescindia da ação vigorosa ou espetacular e apelava para a inteligência. É a mais fria e olímpica de suas comédias. A peça simplesmente gira ao redor de Alceste, um homem reto cujo desgosto para com as loucuras, afetações e corrupção da época chega às raias da obsessão. O mundo social que adeja à sua volta é uma coleção de almofadinhas, bajuladores, intrigantes e namoradores. Julga impossível conviver com eles, ainda que seu leal amigo Philinte lhe aconselhe cautela. O ponto fraco em sua couraça é o amor que por uma mulher incuravelmente flertadora,à qual – como acontecia com o próprio Molière – ama em oposição ao que lhe fiz o melhor discernimento. Mas a despeito da paixão que sente por ela, não consegue violentar-se a ponto de aceitar o mundo de intriga que é o habitat natural da moça. Perseguir a integridade sem levar em consideração as realidades sociais e exigir o impossível de uma mulher superficial só podiam conduzir a um desastre pessoal. A sociedade, como ele a descreve, não pode ser reformada porque o gênero humano é fundamentalmente corrupto.
Amphitryon (Anfitrião), a comédia der Plauto sobre o divino leito conjugal, e pela obra mais acerba.
A peça que marcou, de fato, um retorno à sátira, e sua obra seguinte L’Avare (O
Avarento), baseada na Aululária de Plauto, é uma caricatura da avareza e da cobiça, tendo algum parentesco com o Volpone de Bem Jonson.
Molière criou uma obra-prima final com Lês Femmes Savantes ( as Sabichonas), em as Sabichonas escreveu uma de suas mais serenas comédias. Molière criou uma casa de mulheres que buscam o saber com o agitado ardor de um bando de grasnantes gansas.a moda do preciosismo entre as damas literatas vinha crescendo novamente sob a forma de um cultivo pretensioso e superficial dos clássicos e das ciências, e já era tempo de extirpá-la mais uma vez. A maneira pela qual as novas preciosas são derrotadas por uma cativante filha da casa cuja felicidade é ameaçada pelo pedantismo das outras se constitui no eixo desta comédia de caracteres finamente cinzelada. Mais uma vez, indignaram-se a pedante e esnobe Madame de Rambouillet e sua corte. Mas Trissotin, o bombástico xodó dos salons, foi totalmente afastado de Paris depois que Molière o caricaturou na figura de Tricotin. Tornou-se o objeto de ridículo de toda a capital e abandonou o púlpito que ornamentara com sua presença.
A saúde de Molière, porém, começa a falhar, durante quase toda a vida sofrera de tuberculose e agora a doença ganhava terreno com rapidez. Teve tempo de escrever apenas mais uma peça; bastante apropriadamente, uma sátira à classe médica de sua época que nada podia fazer para agudá-lo Le Malade Imaginaire ( O Doente Imaginário). Molière interpretou Argan pessoalmente, e sua aparência física só podia realçar o realismo da interpretação. Não desejando causar qualquer perda finalmente à sua fiel companhia, não levou em consideração o conselho de amigos e compareceu à quarta apresentação da peça numa situação critica. Foi tomado por convulsões e morreu, algumas horas mais tarde, aos 17 de fevereiro de 1673, nos braços de uma irmã de caridade enquanto os padres se recusavam a ministrar-lhe a extrema unção porque fora um ator. A Igreja aprovou a conduta de seus ministros e negou ao corpo o sepultamento no cemitério paroquial. O funeral foi adiado por quatro dias e se necessária a intervenção do rei para que o maior homem de sua época pudesse ser enterrado com uma cerimônia simples da qual foi omitido o serviço solene.
O temperamento cômico de Molière
Seu aspecto comum é o de uma observação desinteressada, como se estivesse vigiando um movimentado campo e tendo o lazer de dardejar as partes escolhidas sem qualquer ansiedade agitada.
Molière não era um reformista do gênero militante. A indignação não se constituía numa prova de bom gosto quando o ideal predominante da sociedade francesa era o equilíbrio da razão. Simplesmente ria. Conseqüentemente seu método cômico era seguro e límpido. A maior parte de suas peças foi escrita nos formais versos alexandrinos, com uma adesão geral às unidades de tempo, lugar e ação. Mesmo quando tinha mais de uma trama nas mãos, sua estória permanecia lúcida e os acontecimentos eram escrupulosamente equilibrados. Seu estilo era lúcido mesmo nos momentos mais tensos, e contido mesmo nos momentos mais lúdicos, pois sua risada estava, no melhor dos casos, sem deixar de ser uma risada, “mais próxima de um sorriso”, era em suma “ o humor do cérebro”.
Nas comédias de Molière a Justiça é sempre feita. Não há intrusão do homem de sentimentos ou preconceitos para prejudicar o tom equilibrado de sua forma cômica. Apenas no que diz respeito a essa balanceada abordagem da humanidade é que as palavras de Bérgson, “o riso é incompatível com a emoção” são verdadeiras no caso de Molière.
A comédia humana de Molière
Catorze anos depois de Corneille mas dezesseis antes de Racine, aos 15 de janeiro de 1622, nasceu Jean –Baptiste Poquelin (Molière). Educado na casa de seu pai, um próspero tapeceiro, o rapaz recebeu todos os confortos sem ser estragado pelos excessos. Ademais, em breve o pai viu-se ligado à corte côo um dos oito valets de chambre tapissiers do rei, homem que estavam encarregados das tapeçarias e das mobílias reais. O título deu ao velho Poquelin alguma posição social; afora isso, a obrigação de freqüentar os palácios do rei durante três meses por ano representavam uma abertura suficiente para o circulo fechado que seu filho. Viria a satirizar de forma tão ínfima. O rapaz logo começou a demonstrar dotes para a mímica. Aos quinze anos ficou com o pai, cujo oficio já devia ter aprendido a essa altura, embora sem grande aplicação. Em 1636, o ano de O Cid e do famoso ensaio de Descartes sobre os processos da razão. O Discurso do Método, entrou na melhor escola de Paris, o Collège de Clermont.
Instruídos pelos Jesuítas, que produziram tantos livres-pensadores com seu excelente currículo, Molière adquiriu o firme domínio da lógica e da retórica. Aí também se familiarizou com a comédia romana e seus dotes histriônicos foram estimulados pelos mestres, que não apenas incentivavam a declaração pública como pediam aos alunos para representar peças latinas escritas pelos professores de poesia e retórica. Além disso, travou lá uma valiosa amizade com o jovem príncipe de Conde ET Chapelle. Molière, o futuro cético, provavelmente deveu muito à instrução formal que recebeu desse homem brilhante que conhecia todos os ramos da ciência, correspondia-se com Kepler e Galileu e era um admirador de Lucrécio. Não deixa de ser significativo o fato de que o primeiro esforço literário de Molière tenha sido uma tradução do tratado poético de Lucrécio sobre o epicurismo e a teoria atômica, De Rerum Natura. Se tornou necessário ao rapaz escolher uma carreira, enveredar pelo Direito. Mas o teatro exercia um fascínio muito grande sobre alguém que era um ator por natureza e de há muito sentia –se atraído pelos comediantes italiano que representavam em Paris. Em julho de 1643, entrou para uma companhia amadora que trabalhava numa quadra de jogo de péla e ostentava o grandiloqüente nome de L’Illustre Theâtre. O grupo mudou-se para uma quadra de tênis mais ampla e começou a cobrar ingressos mas os resultados foram desastrosos . a companhia reorganizada, contava agora com o bufão Dupare, conhecido por Gros-René e a ruiva e perfeita Madeleine Béjart, que conquistou o coração de Molière. Provavelmente com o fito de poupar ao pai embaraço de ter um ator na família, o o jovem Poquelin mudou o nome para Molière e rapidamente se devotou à empresa. Em 1644, a companhia fez uma estréia formal num bom teatro. Mas os resultados teimavam em não aparecer e Molière não apenas se endividou pesadamente como acabou sendo encarcerado durante uma semana por seus credores.
Contudo, a pequena companhia partiu para a província e, amadurecido por três anos de luta em Paris, aos vinte e cinco anos de idade. Molière estabeleceu-se no difícil negócio de criar uma bem-sucedida companhia ambulante. Tornou-se um astuto empresário cujo gume foi naturalmente afiado por doze anos de perambulações.
Havia de doze a quinze companhias nas mesmas condições, a competição era forte e as privações e humilhações eram muitas pois que os atores não possuíam ‘status social’ e eram forçados a enfrentar um grande número de leis puritanas. Mas a experiência era inapreciável e a companhia converteu-se no mais perfeito grupo de comediantes do reino. Foi crucial sua estada em ‘Lyon,’ onde permaneceram durante algum tempo. Ali Molière, fez-se um ator rematado. Seus gestos eram ligeiros, seu poder de sugestão, profundo; ademais, era um excelente orador informal. Ali também dominou a arte de escrever para teatro, combinando os truques e tipos característicos da comédia italiana com sagaz observação da vida francesa.
Em Lyon produziu uma dúzia de peças. Sua primeira obra importante. L’Etourdi (O Aturdido), peça de cinco atos em alexandrinos rimados, seguia as escapadas do astuto criado Mascarille que planeja inúmeros artifícios para auxiliar o caso de amor de seu amo Lélie, apenas para vê-los arruinados pelo amante com sua atabalhoada interferência. A peça obteve um êxito notável e a companhia ganhou novos membros, entre os quais o excelente Lagrange e Mademoiselle Debrie que suplantou Madeleine Béjart nas afeições de Molière.
Molière aproveitou esses tempos de experiência, sua saúde incerta melhorou no clima quente e sua carreira de autor ganhou pleno impulso. Aconselhados por amigos a instalar a bem-sucedida companhia nas imediações de Paris, Molière levou seus atores a Rouen. Lá o irmão mais moço de Luís XIV, o Duque d’Anjou s tomou sob seu patrono e aos 24 de outubro de 1658, fizeram finalmente a reverencia ao Rei no salão da guarda do antigo Louvre. Inconscientes de suas limitações no campo trágico, cometeram o erro de apresentar uma obra de Corneille, Nicomède. Mas, Molière adiantou-se após a conclusão da tragédia e pediu permissão ao rei para apresentar um de seus sazonados interlúdios. Sua oferenda era apenas a farsa ligeira Le Docteur Amoureux, ( O Doutor Enamorado), mas foi tal o favor obtido que a companhia recebeu permissão para usar o teatro do Petit-Bourbon durante alguns dias da semana. Assim o teatro era dividido alternadamente entre os atores franceses e uma companhia de comediantes italianos.
Lá, numa plataforma rasa de uns cem pés por quarenta, frente a uma platéia ocupada por plebeus que permaneciam em pé circundada por galerias divididas em camarotes para as damas. Molière dispunha quase de um teatro elisabetano. O cenário não era amplo, o palco da casa totalmente fechada onde as peças eram encenadas no fim da tarde apresentavam-se parcamente iluminado por velas. E os atores esbarravam nos janotas sentados na plataforma. A não ser quando encenava na corte uma comédia-balé teatralmente engenhosa. Molière via-se às voltas com condições físicas inadequadas e difíceis . precisava de um humor continuo e vigoroso se desejava superar tais limitações. A obra de Molière precisava combinar a polidez com a vivacidade, a A commedia dell’arte , com a alta comédia.
Continuou a representar tragédias ou peças heróicas de Corneille e chegou a tentar escrever uma pessoalmente, à lamentável Don Garcie de Nayarre.
Molière tinha quarenta anos, idade perigosa para um solteirão inflamável. No mesmo ano de 1662, marcou o início de seus infortúnios privados. Madeleine Béjart possuía uma irmã mais jovem, Armande, que atingira a maturidade sob seus próprios olhos, ele dera-lhe um papel central em Escola de Maridos e a jovem mostrava-se eficaz para a coqueteria n palco. Molière encontra no teatro um negócio lucrativo, mantinha excelentes relações e possuía amigos de influencia, afora isso, recebia suas visitas com demonstrações de prodigalidade. Estava pronto para o deleite de um novo romance. Por outro lado, Mademoiselle Debrie, sua amante e leal amiga, estava mais próxima de sua própria idade que a jovem e fascinante atriz, contra todo seu melhor discernimento, Molière cortejou Armande e – infelizmente foi aceito. Sob a supervisão do esposo ela se transformou numa atriz consumada que era igualmente eficaz em papeis delicados e indelicados, e assim sendo, daí em diante Molière escreveu suas peças com o objetivo de mostrar o talento da jovem Armande. Esta também lhe deu três filhos, dos quais apenas um sobreviveu ao pai. Mas, afinal de contas era vinte anos mais velho que ela e destarte o supremo satirista dos maridos ciumentos, e traídos, tornou-se assaz ironicamente, um tema adequado para suas próprias peças. Ela era uma oportunista, fátua, frívola e calculista que tornou seu curiosamente apaixonado marido tão miserável na vida particular, quanto se mostrava alegre em público. A partir daí seu riso tornou-se ‘ algo vencido’ .
Luís, ávido por divertimento, considerava Molière, um simples provisor de alegria e ficou surpreso quando Boileau lhe disse que o comediógrafo era um grande homem. Mas ainda que Molière continuasse perceptivelmente a considerar a diversão como seu principal negocio, sua arte estava se desenvolvendo em escopo e seriedade. É significativo que sua contribuição para os festivos Prazeres da ilha Encantada , em Versailles em 1664 não fosse a costumeira bagatela mas sim uma versão em três atos de sua grande sátira contra a hipocrisia religiosa Tartuffe (Tartufo). E mesmo Luis foi obrigado a reconhecer que seu bobo da corte havia ultrapassado as medidas. O rei o proibiu de apresentar a peça em público, e cinco anos iriam passar-se até que o público da cidade pudesse ver a peça no palco em sua forma reelaborada e final.
A França era varrida por uma reação contra a crescente vaga de ceticismo religioso e cientifico. O pensamento liberal era denunciado pelas seitas religiosas, entre as quais as mais ativas eram os jesuítas e os Jansenistas. A devoção se transformava em moda e nem toda as suas manifestações eram desinteressadas e sinceras. Tartufo era a encarnação da devoção egoísta e desonesta, e o drama que o mostrava insinuando-se em um honrado lar e virando-o de cabeça para baixo com suas intrigas resultou em poderosíssima sátira. Custou ao autor ser acusado de ateu por aqueles cujas sensibilidade haviam sido ofendidas. Insistiu que não havia atacado a religião e sim a forma pela qual podia ser usada para disfarçar o interesse próprio. Ademais, Molière teve a sabedoria de lembrar que o objeto da comédia é o riso e a diversão. Tartufo é uma força tanto ridícula quanto sinistra.
Apresentado no teatro do Palais-Royal em 1666, O Misantropo, não logrou rápida popularidade. Prescindia da ação vigorosa ou espetacular e apelava para a inteligência. É a mais fria e olímpica de suas comédias. A peça simplesmente gira ao redor de Alceste, um homem reto cujo desgosto para com as loucuras, afetações e corrupção da época chega às raias da obsessão. O mundo social que adeja à sua volta é uma coleção de almofadinhas, bajuladores, intrigantes e namoradores. Julga impossível conviver com eles, ainda que seu leal amigo Philinte lhe aconselhe cautela. O ponto fraco em sua couraça é o amor que por uma mulher incuravelmente flertadora,à qual – como acontecia com o próprio Molière – ama em oposição ao que lhe fiz o melhor discernimento. Mas a despeito da paixão que sente por ela, não consegue violentar-se a ponto de aceitar o mundo de intriga que é o habitat natural da moça. Perseguir a integridade sem levar em consideração as realidades sociais e exigir o impossível de uma mulher superficial só podiam conduzir a um desastre pessoal. A sociedade, como ele a descreve, não pode ser reformada porque o gênero humano é fundamentalmente corrupto.
Amphitryon (Anfitrião), a comédia der Plauto sobre o divino leito conjugal, e pela obra mais acerba.
A peça que marcou, de fato, um retorno à sátira, e sua obra seguinte L’Avare (O
Avarento), baseada na Aululária de Plauto, é uma caricatura da avareza e da cobiça, tendo algum parentesco com o Volpone de Bem Jonson.
Molière criou uma obra-prima final com Lês Femmes Savantes ( as Sabichonas), em as Sabichonas escreveu uma de suas mais serenas comédias. Molière criou uma casa de mulheres que buscam o saber com o agitado ardor de um bando de grasnantes gansas.a moda do preciosismo entre as damas literatas vinha crescendo novamente sob a forma de um cultivo pretensioso e superficial dos clássicos e das ciências, e já era tempo de extirpá-la mais uma vez. A maneira pela qual as novas preciosas são derrotadas por uma cativante filha da casa cuja felicidade é ameaçada pelo pedantismo das outras se constitui no eixo desta comédia de caracteres finamente cinzelada. Mais uma vez, indignaram-se a pedante e esnobe Madame de Rambouillet e sua corte. Mas Trissotin, o bombástico xodó dos salons, foi totalmente afastado de Paris depois que Molière o caricaturou na figura de Tricotin. Tornou-se o objeto de ridículo de toda a capital e abandonou o púlpito que ornamentara com sua presença.
A saúde de Molière, porém, começa a falhar, durante quase toda a vida sofrera de tuberculose e agora a doença ganhava terreno com rapidez. Teve tempo de escrever apenas mais uma peça; bastante apropriadamente, uma sátira à classe médica de sua época que nada podia fazer para agudá-lo Le Malade Imaginaire ( O Doente Imaginário). Molière interpretou Argan pessoalmente, e sua aparência física só podia realçar o realismo da interpretação. Não desejando causar qualquer perda finalmente à sua fiel companhia, não levou em consideração o conselho de amigos e compareceu à quarta apresentação da peça numa situação critica. Foi tomado por convulsões e morreu, algumas horas mais tarde, aos 17 de fevereiro de 1673, nos braços de uma irmã de caridade enquanto os padres se recusavam a ministrar-lhe a extrema unção porque fora um ator. A Igreja aprovou a conduta de seus ministros e negou ao corpo o sepultamento no cemitério paroquial. O funeral foi adiado por quatro dias e se necessária a intervenção do rei para que o maior homem de sua época pudesse ser enterrado com uma cerimônia simples da qual foi omitido o serviço solene.
Racine (1636-1699)
O teatro e a dramaturgia deviam possuir a beleza formal de um camafeu cravejado de pedras. A peça devia mostrar o mínimo de ação possível; os acontecimentos deviam ser relatados por mensageiros; as personagens deviam revelar suas emoções conversando com essas chatices do teatro francês e o drama devia ser confinado a uma situação central. Nenhuma regra formal obstruía a escolha do conteúdo, mas estava, mais ou menos entendido, que o amor entre os sexos era a principal maravilha do teatro. Excluíam-se temas contemporâneos e gente de classe baixa era proibida de pisar no palco trágico. Ademais se pretendia que as personagens fossem mais tipos do que indivíduos com personalidades distintas.
Ordem e Sensibilidade: Racine (1636-1699)
Racine foi capaz de transformar as restrições pseudoclássicas numa vantagem. Isso em parte porque seu dom para o refinamento resultou em maravilhosa música verbal concedida apenas aos genuínos poetas, e em parte porque sua compreensão do coração feminino era extremamente natural e profunda. Ele assimila a feminilidade sem abandonar a masculinidade. A bissexualidade emocional, que Havelock Ellis e outros, notaram no temperamento artístico visivelmente existia nele. Não é sem razão que tantas de suas tragédias tiram seus nomes de personagens femininas.
No entanto unicamente essas qualidades não são suficientes para fazer um dramaturgo importante. Racine tinha a felicidade de possuir duas qualidades indispensáveis para a tragédia: um temperamento dramático e uma estranha perturbação do espírito. Seu talento pode ser comparado a um pequeno vulcão.
Nascido em 1639 no seio de uma família abastada, ficou órfão aos quatro anos, foi educado por parentes fanáticos e finalmente enviado para o mosteiro de Port Royal, a sede da seita Jansenista, a qual sustentava que todos os homens, exceto alguns poucos indivíduos escolhidos aos acaso para serem beneficiados com a graça divina, estavam destinados à danação eterna. Embrenhou-se no latim e no grego por quadro anos, estudando Sófocles e particularmente Eurípides. Mas também se perdeu em romances que eram totalmente condenados por seus instrutores. De Port Royal foi para o colégio d’Harcourt a fim de estudar filosofia e então oscilou entre direito e teologia. Finalmente escolhendo a última (teologia), mas mesmo naquela época, não podia resistir à atração de uma carreira literária. Estabeleceu-se em Paris, entregou-se aos prazeres da capital,
Amasie, sua primeira tragédia, foi comprada, mas não encenada pela companhia de Bourgogne. Entretanto a fortuna lhe sorriu quando Molière o amparou e encenou sua segunda peça, a Thebaïde , em 1664. a ela segui-se outra abordagem de temas gregos. Alexandre Le Grand. Demonstrando ingratidão, Racine deu a peça aos rivais de Molière. Sendo os atores do Bourgogne mais hábeis na interpretação de tragédias que os “Comédiens Du Roi” de Molière, a comparação dos dois espetáculos foi desfavorável ao segundo. Molière, que emprestara dinheiro a Racine e continuara a apresentar La Thebaïde com prejuízo, ficou profundamente ferido e nunca mais voltou a dirigir a palavra ao tragediógrafo.
No entanto, Racine ficou satisfeito por encontrar a excelente companhia Bourgogne à sua disposição e logo depois em 1667, entregou-lhe sua primeira tragédia memorável, Andromaque. Andrômaca, a viúva de Heitor, é amada por seu conquistador, Pirro, o filho de Aquiles que matara seu marido em Tróia. A memória do herói ao qual entregou seu amor é demasiado grande para que ela possa suportar a idéia de um segundo amor. mas é obrigada a suportá-la, pois apenas através do casamento com Pirro poderá salvar seu filho Astianax da destruição pelos gregos, que estão ansiosos por aniquilar a semente de Heitor. Assim sendo, concorda em casar com Pirro depois de conseguir dele a promessa de que protegerá Astianax e decide suicidar-se depois da cerimônia do casamento. A tragédia chega ao clímax quando a princesa grega Hermione, sujo amor por Pirro é uma obsessão avassaladora, consegue convencer Orestes, que a ama, a matá-lo, apunhalando-se em seguida.
Racine consegue outorgar realidade emocional aos conflitos internos de uma mulher que é leal ao seu primeiro amor, mas deve acomodar-se às circunstâncias de uma jovem cuja paixão a leva a destruir o homem a quem ama.
Eurípides, sabia como transformar suas tragédias numa crítica à vida, uma vez que possuía o dom de olhar para a humanidade de forma ampla, enquanto Racine raramente se ergue acima da situação imediata de sua peça. Mas a tragédia de Racine também tem sua validez, como drama psicológico. É uma comovente elaboração da paixão humana.
O passo seguinte de Racine foi uma incursão pela comédia, com uma divertida e feroz adaptação das Vespas de Aristófanes, intitulada Lês Plaideurs (Os Demandistas). Escreveu a maior parte da peça numa hospedaria da moda, como um exercício de espírito,não empregando grande força na obra.
Racine, retornou ao seu campo em Britannicus, uma forte pintura de Nero e sua corte.
Racine não podia escrever uma crônica da vida de Nero dentro dos limites das unidades de tempo, lugar e ação. Podia apenas concentrar-se numa situação que anunciava a carreira do tirano. Agripina, a ambiciosa mãe de Nero que o levou ao trono. Encontra razões para encarar o futuro caminho do filho como tortuoso. Ele é inescrupuloso em suas paixões e permite apenas a opinião de Narciso, um conselheiro pleno de perversidade. Apaixonando-se por Junia, que está prometida a Britânico, o legitimo herdeiro do trono, ele a rapta e envenena Britânico enquanto lhe protesta os mais calorosos votos de amizade. Junia, foge para o templo das vestais e dedica-se aos deuses e Narciso é assassinado pelo povo enraivecido no momento em que tenta arrancar a moça do altar. Nero é tomado de ira impotente, e sua mãe, bem como seu tutor nada podem fazer exceto esperar que esse crime seja o último do jovem príncipe. Assim, Nero é deixado num ponto crítico do desenvolvimento de seu caráter. O que para os elisabetanos seria apenas o início de uma tragédia, transforma-se aqui numa peça completa. Não obstante, Racine torna vibrante a crise que domina toda a peça e a carrega de força dramática e psicológica.
Mithridate, escrita em competição com Corneille que já ia entrando em anos, é outro drama eficaz sobre a paixão de um homem por uma mulher, ainda que lhe falte o alcance e a profundidade de Britannicus. Sua superioridade sobre a obra de Corneille era patente e seu êxito foi considerável. Também por volta dessa época Racine conquistou a grande honra de ser eleito para a Academia Francesa, que o escolheu ao invés de Molière quando este se recusou a abandonar a humilde profissão de ator.
Racine começara a fazer inimigos co sua língua afiada e comportamento altivo. Uma dessas cabalas literárias que deixam os franceses em ponto de fervura foi organizada contra ele, e um novo dramaturgo, Pradon, foi exibido e lançado à notoriedade. Racine, entretanto, contra-atacou com sua Iphigénie, uma versão do sacrifício de Ifigênia em Áulis, plena de gratificante sensibilidade. Racine triunfou novamente ainda que sua nova tragédia não fosse de molde a permanecer pelos séculos. Tampouco podia haver qualquer discussão quanto ao mérito de seu novo saque da dramaturgia euripidiana. Phèdre.
No Hipólito de Eurípides, Racine encontrou um tema de amor-paixão que trouxe à tona seus maiores poderes. Desapareceu na tragédia francesa o provocativo conflito simbólico entre os dois instintos humanos representados respectivamente por Artemis e Afrodite. Desapareceu também o profundo simbolismo psicológico de um jovem destruído pelo instinto do amor ou a Afrodite que ele negou em si mesmo. Ao invés disso temos a destruidora paixão de uma mulher por seu enteado, Hipólito. Este foi dotado, inclusive de uma namorada. Há muito “embelezamento “e apelo ao sentimental em Phèdre. Contudo, dentro dos limites do classicismo francês, a peça somente podia afigurar-se como um tremendo Tour de force, pois que é extraordinária por sua exploração das profundezas de uma mente obcecada pela paixão.
O crescimento da paixão de Fedra pelo filho do marido e sua luta contra esse amor, esforço que a vem consumindo, são apresentados de forma muito viva. Ela vem rejeitando alimentos já há três dias. Finalmente Oenone, sua ama, descobre a fonte da doença e devotadamente decide-se a cura-lá. Uma vez que, à boca pequena, se diz que Teseu foi morto durante suas viagens, ela argumenta que a paixão de Fedra não é mais criminosa. Numa cena angustiada Fedra revela, sua paixão a Hipólito. Mas é rejeitada por ele e, esmagada de vergonha, foge apressadamente. De repente Teseu retorna e, temendo que Hipólito acuse sua ama ao pai, a devotada Oenone resolve acusá-lo antes. Hipólito por demais honrado para lançar a vergonha sobre a madrasta justificando-se, deixa-se amaldiçoar pelo pai. A maldição o destrói e Fedra esmagada pela dor, mata-se.
O papel de Fedra é tão magnificente que se tornou a pièce de resistance de todas as atrizes trágicas francesas. A famosa Rachel e Sarah Bernhardt não conquistaram lauréis mais honráveis que seus triunfos nesse papel.
A esta altura, no entanto, a cabala contra Racine á estava em pé de guerra e recorreu ao expediente de conseguir fazer encenar outra Phèdre, escrita por Pradon, dois dias depois da apresentação da primeira. Comprando poltronas para a estréia de Racine, deixaram-nas desocupadas, lançando um gelo sobre a apresentação. Por outro lado, compareceram à peça de Pradon, transformando-a num insigne sucesso. O Affaire Phèdre foi um exemplo tão conspícuo de perversidade e Racine ficou tão profundamente ferido por ele que se retirou do teatro. Desgostoso voltou no fim de 1677 para Port Royal que recebeu vivamente o filho pródigo sob seu manto. Do ponto de vista Teológico, podiam argumentar, sua última peça era puro jansenismo; pois não era a tragédia de uma mulher que possuía todas as qualidades com exceção da graça de Deus, sem a qual não há salvação possível! Dominada por sua flamme funeste e agudamente cônscia de sua culpa e danação, Fedra era uma heroína decididamente aceitável para os Jansenistas. Port Royal reconquistou seu autor por completo, e deu ao antigo amante de uma atriz popular uma piedosa esposa que jamais lia uma linha de suas peças. O próprio Racine começou a considerá-las um crime contra a verdadeira religião.
Racine voltou a residir em París e continuou seus trabalhos literários como historiador do rei. Voltou a produzir para teatro apenas em duas ocasiões, ambas com objetivos religiosos. Esther, a primeira delas, narrava a conhecida estória de Haman e da rainha judia que salvaram seu povo de um pogrom. Escrita em excelentes versos.
Embora Racine tenha recusado a permissão para sua apresentação num teatro público, voltou para a dramaturgia com entusiasmo renovado e, um ano depois, produzia a segunda tragédia de Saint Cyr, Athalie, que muitos consideram sua maior obra. A tragédia.
Athalie, é uma obra emocionante. Em parte alguma é tão grande o poder lírico de Racine e em parte alguma encheu ele o seu palco rigidamente limitado com tanta ação e arrebatamento. A idolatra rainha Atália, que assumiu o poder assassinando a família real (que era sua própria família) é perturbada por um sonho onde é avisada que ainda vive um herdeiro do trono. E isso é verdade. Trata-se do jovem Joas, que fora salvo pelo sumo-sacerdote e educado no templo Atália entra no templo, conversa com Joas sem saber de quem se trata e sente-se singularmente tocada de afeto por ele. Mas chegou o momento de colocar no trono o jovem príncipe, que observará fielmente a verdadeira religião hebraica. Em conseqüência, o sumo-sacerdote Joad arma os Levitas, separa Atália de sua guarda e consegue que a matem. A peça se encerra por um rapsódico hino de triunfo.
Embora negada ao teatro público, Athalie foi encenada com retumbante êxito tanto em Saint Cyr quanto em Versailles no ano de 1691. não obstante, os últimos dias de Racine foram toldados pelo desfavor na corte. Aventurara-se a esboçar um plano para a melhoria da condição em que viviam os pobres, cujo número crescia cada vez mais enquanto Luís XIV sugava o povo com sua extravagância e suas geurras imperialistas. O autocrático governante ficou irado ao encontrar Mme de Maintenon lendo a proposta de Racine. “Racine não deve imaginar que, por ser um grande poeta, deveria ser ministro do Estado”, declarou o rei. Virtualmente expulso da corte, Racine adoeceu com a humilhação. Angustiou-se a ponto de enfermar e morrer aos 21 de abril de 1699. em suas obras completas Racine deixou uma herança que deu expressão a alguns dos mais típicos elementos do temperamento francês. Sua sensibilidade e relacionamento com a paixão e o amor.
A paixão era o domínio próprio do dramaturgo de que se disse que suas personagens femininas eram “belas mulheres cheias de graça da Ática, mas às quais faltava a graça de Deus”. Enquanto Corneille celebrava a força do homem, Racine, dramatizava a fraqueza do homem, e a falha trágica de suas personagens na maioria das peças é representada pela vitória da paixão sobre a razão. E o mesmo dualismo aparece em sua técnica, que é mais ordeira que a de Corneille. A concentração no momento crucial da vida das personagens e não na evolução que conduz à crise cria uma forma dramática compacta, racionalmente ordenada. Ademais, a ação é relegada a eventos fora do palco, narrados por mensagens e se torna secundária na análise de obras dessa ordem; “o que acontece tem menos importância que as reações mentais das personagens...a ação está praticamente confinada ao cérebro”. Não obstante, sua compreensão de toda a paixão numa única crise principal proporcionava em geral na máxima intensificação do sentimento.
Há pouca dúvida de que Corneille e especialmente Racine fizeram uma contribuição à dramaturgia e às letras humanas que não vem ao encontro das modernas existências de ação.
Ao introduzir ordem na dramaturgia, Racine, deu um grande passo que em muito iria servir ao ulterior drama realista. Este drama em prosa e da vida quotidiana não podia comportar o derramamento elisabetanos ou das tragédias românticas posteriores. Peças como Os Espectros e Hedda Gabler, não importa o quão longe estejam do gosto Luís XIV em outros aspectos, possuem uma capacidade de estrutura sem a qual perderiam a maior parte de seu poder.
Ordem e Sensibilidade: Racine (1636-1699)
Racine foi capaz de transformar as restrições pseudoclássicas numa vantagem. Isso em parte porque seu dom para o refinamento resultou em maravilhosa música verbal concedida apenas aos genuínos poetas, e em parte porque sua compreensão do coração feminino era extremamente natural e profunda. Ele assimila a feminilidade sem abandonar a masculinidade. A bissexualidade emocional, que Havelock Ellis e outros, notaram no temperamento artístico visivelmente existia nele. Não é sem razão que tantas de suas tragédias tiram seus nomes de personagens femininas.
No entanto unicamente essas qualidades não são suficientes para fazer um dramaturgo importante. Racine tinha a felicidade de possuir duas qualidades indispensáveis para a tragédia: um temperamento dramático e uma estranha perturbação do espírito. Seu talento pode ser comparado a um pequeno vulcão.
Nascido em 1639 no seio de uma família abastada, ficou órfão aos quatro anos, foi educado por parentes fanáticos e finalmente enviado para o mosteiro de Port Royal, a sede da seita Jansenista, a qual sustentava que todos os homens, exceto alguns poucos indivíduos escolhidos aos acaso para serem beneficiados com a graça divina, estavam destinados à danação eterna. Embrenhou-se no latim e no grego por quadro anos, estudando Sófocles e particularmente Eurípides. Mas também se perdeu em romances que eram totalmente condenados por seus instrutores. De Port Royal foi para o colégio d’Harcourt a fim de estudar filosofia e então oscilou entre direito e teologia. Finalmente escolhendo a última (teologia), mas mesmo naquela época, não podia resistir à atração de uma carreira literária. Estabeleceu-se em Paris, entregou-se aos prazeres da capital,
Amasie, sua primeira tragédia, foi comprada, mas não encenada pela companhia de Bourgogne. Entretanto a fortuna lhe sorriu quando Molière o amparou e encenou sua segunda peça, a Thebaïde , em 1664. a ela segui-se outra abordagem de temas gregos. Alexandre Le Grand. Demonstrando ingratidão, Racine deu a peça aos rivais de Molière. Sendo os atores do Bourgogne mais hábeis na interpretação de tragédias que os “Comédiens Du Roi” de Molière, a comparação dos dois espetáculos foi desfavorável ao segundo. Molière, que emprestara dinheiro a Racine e continuara a apresentar La Thebaïde com prejuízo, ficou profundamente ferido e nunca mais voltou a dirigir a palavra ao tragediógrafo.
No entanto, Racine ficou satisfeito por encontrar a excelente companhia Bourgogne à sua disposição e logo depois em 1667, entregou-lhe sua primeira tragédia memorável, Andromaque. Andrômaca, a viúva de Heitor, é amada por seu conquistador, Pirro, o filho de Aquiles que matara seu marido em Tróia. A memória do herói ao qual entregou seu amor é demasiado grande para que ela possa suportar a idéia de um segundo amor. mas é obrigada a suportá-la, pois apenas através do casamento com Pirro poderá salvar seu filho Astianax da destruição pelos gregos, que estão ansiosos por aniquilar a semente de Heitor. Assim sendo, concorda em casar com Pirro depois de conseguir dele a promessa de que protegerá Astianax e decide suicidar-se depois da cerimônia do casamento. A tragédia chega ao clímax quando a princesa grega Hermione, sujo amor por Pirro é uma obsessão avassaladora, consegue convencer Orestes, que a ama, a matá-lo, apunhalando-se em seguida.
Racine consegue outorgar realidade emocional aos conflitos internos de uma mulher que é leal ao seu primeiro amor, mas deve acomodar-se às circunstâncias de uma jovem cuja paixão a leva a destruir o homem a quem ama.
Eurípides, sabia como transformar suas tragédias numa crítica à vida, uma vez que possuía o dom de olhar para a humanidade de forma ampla, enquanto Racine raramente se ergue acima da situação imediata de sua peça. Mas a tragédia de Racine também tem sua validez, como drama psicológico. É uma comovente elaboração da paixão humana.
O passo seguinte de Racine foi uma incursão pela comédia, com uma divertida e feroz adaptação das Vespas de Aristófanes, intitulada Lês Plaideurs (Os Demandistas). Escreveu a maior parte da peça numa hospedaria da moda, como um exercício de espírito,não empregando grande força na obra.
Racine, retornou ao seu campo em Britannicus, uma forte pintura de Nero e sua corte.
Racine não podia escrever uma crônica da vida de Nero dentro dos limites das unidades de tempo, lugar e ação. Podia apenas concentrar-se numa situação que anunciava a carreira do tirano. Agripina, a ambiciosa mãe de Nero que o levou ao trono. Encontra razões para encarar o futuro caminho do filho como tortuoso. Ele é inescrupuloso em suas paixões e permite apenas a opinião de Narciso, um conselheiro pleno de perversidade. Apaixonando-se por Junia, que está prometida a Britânico, o legitimo herdeiro do trono, ele a rapta e envenena Britânico enquanto lhe protesta os mais calorosos votos de amizade. Junia, foge para o templo das vestais e dedica-se aos deuses e Narciso é assassinado pelo povo enraivecido no momento em que tenta arrancar a moça do altar. Nero é tomado de ira impotente, e sua mãe, bem como seu tutor nada podem fazer exceto esperar que esse crime seja o último do jovem príncipe. Assim, Nero é deixado num ponto crítico do desenvolvimento de seu caráter. O que para os elisabetanos seria apenas o início de uma tragédia, transforma-se aqui numa peça completa. Não obstante, Racine torna vibrante a crise que domina toda a peça e a carrega de força dramática e psicológica.
Mithridate, escrita em competição com Corneille que já ia entrando em anos, é outro drama eficaz sobre a paixão de um homem por uma mulher, ainda que lhe falte o alcance e a profundidade de Britannicus. Sua superioridade sobre a obra de Corneille era patente e seu êxito foi considerável. Também por volta dessa época Racine conquistou a grande honra de ser eleito para a Academia Francesa, que o escolheu ao invés de Molière quando este se recusou a abandonar a humilde profissão de ator.
Racine começara a fazer inimigos co sua língua afiada e comportamento altivo. Uma dessas cabalas literárias que deixam os franceses em ponto de fervura foi organizada contra ele, e um novo dramaturgo, Pradon, foi exibido e lançado à notoriedade. Racine, entretanto, contra-atacou com sua Iphigénie, uma versão do sacrifício de Ifigênia em Áulis, plena de gratificante sensibilidade. Racine triunfou novamente ainda que sua nova tragédia não fosse de molde a permanecer pelos séculos. Tampouco podia haver qualquer discussão quanto ao mérito de seu novo saque da dramaturgia euripidiana. Phèdre.
No Hipólito de Eurípides, Racine encontrou um tema de amor-paixão que trouxe à tona seus maiores poderes. Desapareceu na tragédia francesa o provocativo conflito simbólico entre os dois instintos humanos representados respectivamente por Artemis e Afrodite. Desapareceu também o profundo simbolismo psicológico de um jovem destruído pelo instinto do amor ou a Afrodite que ele negou em si mesmo. Ao invés disso temos a destruidora paixão de uma mulher por seu enteado, Hipólito. Este foi dotado, inclusive de uma namorada. Há muito “embelezamento “e apelo ao sentimental em Phèdre. Contudo, dentro dos limites do classicismo francês, a peça somente podia afigurar-se como um tremendo Tour de force, pois que é extraordinária por sua exploração das profundezas de uma mente obcecada pela paixão.
O crescimento da paixão de Fedra pelo filho do marido e sua luta contra esse amor, esforço que a vem consumindo, são apresentados de forma muito viva. Ela vem rejeitando alimentos já há três dias. Finalmente Oenone, sua ama, descobre a fonte da doença e devotadamente decide-se a cura-lá. Uma vez que, à boca pequena, se diz que Teseu foi morto durante suas viagens, ela argumenta que a paixão de Fedra não é mais criminosa. Numa cena angustiada Fedra revela, sua paixão a Hipólito. Mas é rejeitada por ele e, esmagada de vergonha, foge apressadamente. De repente Teseu retorna e, temendo que Hipólito acuse sua ama ao pai, a devotada Oenone resolve acusá-lo antes. Hipólito por demais honrado para lançar a vergonha sobre a madrasta justificando-se, deixa-se amaldiçoar pelo pai. A maldição o destrói e Fedra esmagada pela dor, mata-se.
O papel de Fedra é tão magnificente que se tornou a pièce de resistance de todas as atrizes trágicas francesas. A famosa Rachel e Sarah Bernhardt não conquistaram lauréis mais honráveis que seus triunfos nesse papel.
A esta altura, no entanto, a cabala contra Racine á estava em pé de guerra e recorreu ao expediente de conseguir fazer encenar outra Phèdre, escrita por Pradon, dois dias depois da apresentação da primeira. Comprando poltronas para a estréia de Racine, deixaram-nas desocupadas, lançando um gelo sobre a apresentação. Por outro lado, compareceram à peça de Pradon, transformando-a num insigne sucesso. O Affaire Phèdre foi um exemplo tão conspícuo de perversidade e Racine ficou tão profundamente ferido por ele que se retirou do teatro. Desgostoso voltou no fim de 1677 para Port Royal que recebeu vivamente o filho pródigo sob seu manto. Do ponto de vista Teológico, podiam argumentar, sua última peça era puro jansenismo; pois não era a tragédia de uma mulher que possuía todas as qualidades com exceção da graça de Deus, sem a qual não há salvação possível! Dominada por sua flamme funeste e agudamente cônscia de sua culpa e danação, Fedra era uma heroína decididamente aceitável para os Jansenistas. Port Royal reconquistou seu autor por completo, e deu ao antigo amante de uma atriz popular uma piedosa esposa que jamais lia uma linha de suas peças. O próprio Racine começou a considerá-las um crime contra a verdadeira religião.
Racine voltou a residir em París e continuou seus trabalhos literários como historiador do rei. Voltou a produzir para teatro apenas em duas ocasiões, ambas com objetivos religiosos. Esther, a primeira delas, narrava a conhecida estória de Haman e da rainha judia que salvaram seu povo de um pogrom. Escrita em excelentes versos.
Embora Racine tenha recusado a permissão para sua apresentação num teatro público, voltou para a dramaturgia com entusiasmo renovado e, um ano depois, produzia a segunda tragédia de Saint Cyr, Athalie, que muitos consideram sua maior obra. A tragédia.
Athalie, é uma obra emocionante. Em parte alguma é tão grande o poder lírico de Racine e em parte alguma encheu ele o seu palco rigidamente limitado com tanta ação e arrebatamento. A idolatra rainha Atália, que assumiu o poder assassinando a família real (que era sua própria família) é perturbada por um sonho onde é avisada que ainda vive um herdeiro do trono. E isso é verdade. Trata-se do jovem Joas, que fora salvo pelo sumo-sacerdote e educado no templo Atália entra no templo, conversa com Joas sem saber de quem se trata e sente-se singularmente tocada de afeto por ele. Mas chegou o momento de colocar no trono o jovem príncipe, que observará fielmente a verdadeira religião hebraica. Em conseqüência, o sumo-sacerdote Joad arma os Levitas, separa Atália de sua guarda e consegue que a matem. A peça se encerra por um rapsódico hino de triunfo.
Embora negada ao teatro público, Athalie foi encenada com retumbante êxito tanto em Saint Cyr quanto em Versailles no ano de 1691. não obstante, os últimos dias de Racine foram toldados pelo desfavor na corte. Aventurara-se a esboçar um plano para a melhoria da condição em que viviam os pobres, cujo número crescia cada vez mais enquanto Luís XIV sugava o povo com sua extravagância e suas geurras imperialistas. O autocrático governante ficou irado ao encontrar Mme de Maintenon lendo a proposta de Racine. “Racine não deve imaginar que, por ser um grande poeta, deveria ser ministro do Estado”, declarou o rei. Virtualmente expulso da corte, Racine adoeceu com a humilhação. Angustiou-se a ponto de enfermar e morrer aos 21 de abril de 1699. em suas obras completas Racine deixou uma herança que deu expressão a alguns dos mais típicos elementos do temperamento francês. Sua sensibilidade e relacionamento com a paixão e o amor.
A paixão era o domínio próprio do dramaturgo de que se disse que suas personagens femininas eram “belas mulheres cheias de graça da Ática, mas às quais faltava a graça de Deus”. Enquanto Corneille celebrava a força do homem, Racine, dramatizava a fraqueza do homem, e a falha trágica de suas personagens na maioria das peças é representada pela vitória da paixão sobre a razão. E o mesmo dualismo aparece em sua técnica, que é mais ordeira que a de Corneille. A concentração no momento crucial da vida das personagens e não na evolução que conduz à crise cria uma forma dramática compacta, racionalmente ordenada. Ademais, a ação é relegada a eventos fora do palco, narrados por mensagens e se torna secundária na análise de obras dessa ordem; “o que acontece tem menos importância que as reações mentais das personagens...a ação está praticamente confinada ao cérebro”. Não obstante, sua compreensão de toda a paixão numa única crise principal proporcionava em geral na máxima intensificação do sentimento.
Há pouca dúvida de que Corneille e especialmente Racine fizeram uma contribuição à dramaturgia e às letras humanas que não vem ao encontro das modernas existências de ação.
Ao introduzir ordem na dramaturgia, Racine, deu um grande passo que em muito iria servir ao ulterior drama realista. Este drama em prosa e da vida quotidiana não podia comportar o derramamento elisabetanos ou das tragédias românticas posteriores. Peças como Os Espectros e Hedda Gabler, não importa o quão longe estejam do gosto Luís XIV em outros aspectos, possuem uma capacidade de estrutura sem a qual perderiam a maior parte de seu poder.
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