Toda moral, toda tradição, toda religião e toda lei são produtos do corpo moral, de um animal moral. E toda a sociedade está voltada para vestir a nudez do ser humano. O homem se torna um animal moral no momento exato em que se percebe nu, de um nu que se vê nu e por isso precisa se esconder dos outros e de si mesmo. Essa é a tese defendida pelo rabino Nilton Bonder, no livro A alma imoral e pela atriz Clarice Niskier em peça homônima.
O livro busca refletir sobre a imprescindível imoralidade da alma – sobre seu constante questionamento e critica à moral do corpo como sendo necessariamente a melhor forma de representar nossos interesses. Busca resgatar nos ensinamentos da tradição judaica o conhecimento de que a verdadeira alma é transgressora. Essa imoralidade, que muitas vezes ameaça o corpo é o lugar onde o ser humano briga com seu Deus e, dessa contenda se inventa o novo homem. Por mais que haja digressões espirituais, por mais que haja um enfoque religioso, o que tanto peça quanto livro falam, é do ser humano e de sua capacidade de transgredir. A obra busca encontrar justificativa bíblica para essa transgressão humana, tão antiga quanto à própria humanidade, e responsável por toda a evolução da sociedade, ainda que a custo, eventualmente muito alto.
O conceito de tradição como algo ligado intrinsecamente à traição é o arcabouço teórico que sustenta a argumentação do livro e que sedimenta a dimensão ética da peça. Para ambos a tradição é a palavra que veio como tarefa do próprio instinto assumida pela consciência humana. Preservar-se como espécie é estar atento aos ensinamentos sociais que se preocupam com a preservação do desígnio e sentido maior de nossa existência: a reprodução. São três as principais áreas que compõem a tradição: a família, os contratos sociais e as crenças. O animal moral tem na tradição um instrumento fundamental para a sua preservação.
Por outro lado, a traição é da ordem da transcendência. E transgredir, é transcender. Nossa história não teria mártires, caso fosse impossível transcender sem colocar em risco a sobrevivência da espécie. O mártir é o que morre por todos nós. Sua transcendência inaceitável é um monumento à nossa possível imortalidade. É preciso errar, infringir, violar e transgredir o status quo para que possa haver uma transcendência desejada, paradoxalmente, pela própria tradição. Portanto, é preciso trair a tradição para que se crie o novo, o novo mundo e o novo homem. É fundamental percebermos a natureza intrínseca de toda a experiência espiritual como tensão constante entre duas preocupações diametralmente opostas: preservar e trair. A traição, nesse sentido dado pelo livro, é responsável por trazer o novo.
Uma resposta à indagação religiosa proposta por Bonder, é dada por Leonardo Boff no livro Ética e moral, no qual ele define uma genealogia da ética e da moral. Segundo Boff, identificamos duas fontes que orientaram e orientam ética e moralmente as sociedades até os dias de hoje: as religiões e a razão.
As religiões continuam sendo os nichos de valor privilegiados para a maior parte da humanidade. Samuel Huntington em O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial reconhece objetivamente que “no mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força que motiva e mobiliza as pessoas”. O que conta para as pessoas é aquilo com o que elas se identificam, suas convicções religiosas. Por isso elas combatem e até estão dispostas a morrer.
O que é interessante nessa análise de Boff é que a identificação dos pontos comuns entre as religiões são muitos e permitem a elaboração de um consenso ético mínimo, capaz de manter a humanidade unida.
A fundamentação racional da ética e da moral (ética autônoma) representou um esforço admirável do pensamento humano desde Sócrates. Tarefa que se encontra em aberto, distanciando-se de outros esforços éticos fundados em outras bases que não seja a razão. O nível de convencimento entretanto, tem sido parco e restrito aos ambientes acadêmicos não tão intelectualizados, por isso com limitada incidência no cotidiano das populações. Para o povo, portanto, o que vale, de fato, é a ética religiosa. E a ética, para ganhar um mínimo de consenso, deve brotar da base última da existência humana, e esta não reside na razão, como sempre pretendeu o ocidente.
A razão não explica tudo, nem abarca tudo. Segundo Boff, ela se abre para baixo, de onde emerge de algo mais elementar: a afetividade. E abre-se para cima, para o espírito, que é o momento em que a consciência se sente parte de um todo e que culmina numa contemplação e na espiritualidade. Portanto, Boff defende uma alteração da expressão clássica descartiana: “Penso, logo existo”; para “Sinto, logo existo”, por entender que a base de tudo, de todo projeto ético universal é a afetividade. Projeto que põe o afeto à frente de qualquer tomada de decisão e que parece ser o fio condutor da existência.
O livro busca refletir sobre a imprescindível imoralidade da alma – sobre seu constante questionamento e critica à moral do corpo como sendo necessariamente a melhor forma de representar nossos interesses. Busca resgatar nos ensinamentos da tradição judaica o conhecimento de que a verdadeira alma é transgressora. Essa imoralidade, que muitas vezes ameaça o corpo é o lugar onde o ser humano briga com seu Deus e, dessa contenda se inventa o novo homem. Por mais que haja digressões espirituais, por mais que haja um enfoque religioso, o que tanto peça quanto livro falam, é do ser humano e de sua capacidade de transgredir. A obra busca encontrar justificativa bíblica para essa transgressão humana, tão antiga quanto à própria humanidade, e responsável por toda a evolução da sociedade, ainda que a custo, eventualmente muito alto.
O conceito de tradição como algo ligado intrinsecamente à traição é o arcabouço teórico que sustenta a argumentação do livro e que sedimenta a dimensão ética da peça. Para ambos a tradição é a palavra que veio como tarefa do próprio instinto assumida pela consciência humana. Preservar-se como espécie é estar atento aos ensinamentos sociais que se preocupam com a preservação do desígnio e sentido maior de nossa existência: a reprodução. São três as principais áreas que compõem a tradição: a família, os contratos sociais e as crenças. O animal moral tem na tradição um instrumento fundamental para a sua preservação.
Por outro lado, a traição é da ordem da transcendência. E transgredir, é transcender. Nossa história não teria mártires, caso fosse impossível transcender sem colocar em risco a sobrevivência da espécie. O mártir é o que morre por todos nós. Sua transcendência inaceitável é um monumento à nossa possível imortalidade. É preciso errar, infringir, violar e transgredir o status quo para que possa haver uma transcendência desejada, paradoxalmente, pela própria tradição. Portanto, é preciso trair a tradição para que se crie o novo, o novo mundo e o novo homem. É fundamental percebermos a natureza intrínseca de toda a experiência espiritual como tensão constante entre duas preocupações diametralmente opostas: preservar e trair. A traição, nesse sentido dado pelo livro, é responsável por trazer o novo.
Uma resposta à indagação religiosa proposta por Bonder, é dada por Leonardo Boff no livro Ética e moral, no qual ele define uma genealogia da ética e da moral. Segundo Boff, identificamos duas fontes que orientaram e orientam ética e moralmente as sociedades até os dias de hoje: as religiões e a razão.
As religiões continuam sendo os nichos de valor privilegiados para a maior parte da humanidade. Samuel Huntington em O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial reconhece objetivamente que “no mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força que motiva e mobiliza as pessoas”. O que conta para as pessoas é aquilo com o que elas se identificam, suas convicções religiosas. Por isso elas combatem e até estão dispostas a morrer.
O que é interessante nessa análise de Boff é que a identificação dos pontos comuns entre as religiões são muitos e permitem a elaboração de um consenso ético mínimo, capaz de manter a humanidade unida.
A fundamentação racional da ética e da moral (ética autônoma) representou um esforço admirável do pensamento humano desde Sócrates. Tarefa que se encontra em aberto, distanciando-se de outros esforços éticos fundados em outras bases que não seja a razão. O nível de convencimento entretanto, tem sido parco e restrito aos ambientes acadêmicos não tão intelectualizados, por isso com limitada incidência no cotidiano das populações. Para o povo, portanto, o que vale, de fato, é a ética religiosa. E a ética, para ganhar um mínimo de consenso, deve brotar da base última da existência humana, e esta não reside na razão, como sempre pretendeu o ocidente.
A razão não explica tudo, nem abarca tudo. Segundo Boff, ela se abre para baixo, de onde emerge de algo mais elementar: a afetividade. E abre-se para cima, para o espírito, que é o momento em que a consciência se sente parte de um todo e que culmina numa contemplação e na espiritualidade. Portanto, Boff defende uma alteração da expressão clássica descartiana: “Penso, logo existo”; para “Sinto, logo existo”, por entender que a base de tudo, de todo projeto ético universal é a afetividade. Projeto que põe o afeto à frente de qualquer tomada de decisão e que parece ser o fio condutor da existência.
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