sábado, 29 de dezembro de 2007

A Arte Poética de Aristóteles



Em sua Arte Poética, Aristóteles introduz um conceito moderno de ação dramática como “[...] a imitação de uma ação nobre e eminente que tem certa extensão, em linguagem adequada [...] cujas personagens atuam [...]”.
Homero desenvolveu múltiplas situações dramáticas em cada uma das suas obras épicas. Segundo Doc Comparato, as obras homéricas são precursoras na utilização de recursos como o flash-back, que faz recordar Ulisses e narrar suas aventuras; ou o suspense, que interrompe, no Canto XIX, uma situação-limite – se antiga ama-de-leite o irá reconhecer e, talvez denunciar –, intercalando com outra história, a da cicatriz, que irá fazer com que ela efetivamente o reconheça e identifique.
Sob o ponto de vista estético e teórico, Aristóteles, em sua Poética constitui um ponto de reflexão obrigatória para o estudo da dramaturgia. Está na raiz de tudo o que se sabe sobre a arte de escrever para o teatro.
A Arte Poética chegou ao século XVI bastante mutilada. Perdeu-se o capítulo II, que, muito provavelmente falava a respeito da comédia, mas os 26 capítulos da obra, como um todo tem capital importância para a dramaturgia universal, para a história do pensamento e da crítica literária. É o primeiro documento do ocidente, ao menos, que se tem notícia a oferecer-nos parâmetros específicos de construção literário-dramática. Ainda que repouse sobre o texto de Aristóteles, os equívocos cometidos pelos seus intérpretes, sobretudo os franceses dos séculos XVII e XVIII que, durante o neoclassicismo francês se apropriaram das supostas unidades de ação, lugar e tempo, presentes na Poética e a usaram, como um modelo a ser seguido.
Em resumo, o livro se propõe a estabelecer uma introdução geral sobre a essência da poesia, seus diferentes gêneros, suas origens psicológicas, a história de seus inícios; procura estabelecer uma teoria da tragédia; fragmentos de uma teoria da epopéia e uma comparação entre epopéia e tragédia.
São idéias principais do livro: a idéia de que a poesia é uma imitação pela voz e distingue-se assim das artes plásticas que imitam pela forma e pela cor; a dança que imita pelo ritmo; a tragédia e a comédia que imitam pelo ritmo, pela linguagem e pela melopéia (Entre os gregos, a arte de compor melodias, mediante a utilização de seus elementos: sons, intervalos, modos, tons de transposição).
Segundo Aristóteles a arte imita “os caracteres, as emoções e as ações”. Entre as instituições, o drama, melhor que outra qualquer, reproduz a ação. Os caracteres pintados classificam-se em bons e maus, preocupações morais, importantes para Platão, mas nem tanto para Aristóteles, que não as subordina a arte, mas também não a dissocia. As imitações dividem-se em imitações narrativas e em imitações dramáticas. No drama, a ação é imitada pelas próprias personagens, daí resultam diferenças entre a poesia épica e a tragédia. Embora ambas tratem de assuntos sérios em metros grandiosos, a epopéia dispõe de um só metro, apresenta-se como narrativa, não está sujeita a qualquer limite de tempo, ao passo que a tragédia procura manter-se, tanto quanto possível, nos limites de uma revolução solar, ou pouco mais ou menos. Eis, talvez aí uma justificativa para a idéia da regra de “unidade de tempo”. A unidade de lugar não está posta, com maior precisão, na Arte Poética. Enfim, o que Aristóteles afirma é que as partes constitutivas da tragédia e da epopéia são distintas.
Há uma definição de tragédia que consiste na imitação de uma ação em sua natureza íntima, seu fim, seus elementos, com princípio, meio e fim. Ação essa que deve comportar certa extensão. Seu objetivo é a catarse, ou mais ou menos obter, por meio de compaixão ou temor, a purificação da emoção teatral.
Para Aristóteles o dramático é uma relação de fatos e acontecimentos, entre causa e efeito, encadeados segundo uma ordem criada pelo autor.
Ele divide o drama em seis elementos essenciais: alma ou intriga, personagem, idéia ou pensamento, dicção ou diálogo, melodia ou música, e espetáculo. A alma, o primeiro e mais importante elemento da tragédia, é a composição dos feitos que formam a história. É o como vamos desenvolver a ação dramática. Ele fala também de fábula e de forças motivadoras, mas o núcleo, o mais importante é este como. O personagem vem a ser algo assim como a personalidade e aplica-se às pessoas com um caráter definido que aparecem na narração. Para Aristóteles, os traços da personalidade não estavam necessariamente dentro da ação que o autor idealizava, muitas vezes, se construía a posteriori. Henry James dizia que uma personagem nada mais era do que a determinação de um incidente e que um incidente nada mais era do que a ilustração de uma personagem.
Para definir o herói trágico, Aristóteles apóia-se no Rei Édipo, entre outras tragédias, na qual substancia sua definição da seguinte maneira: “permanece entre os casos extremos o herói colocado numa situação intermediária: a do homem que, sem se distinguir por sua superioridade e justiça, não é mau nem pervertido, mas cai na desgraça devido a algum erro. É o caso de homens no apogeu da fama, e da prosperidade, tais como Édipo ou Tiestes ou os membros célebres de semelhantes famílias”. Nota-se que, em termos de comparação, Aristóteles dá preferência à tragédia do que a epopéia.
São três os aspectos da doutrina aristotélica: a teoria da imitação; a catarse; e, as regras das unidades (atribuídas a Aristóteles).
Aristóteles define a arte como “uma disposição suscetível de criação acompanhada de razão verdadeira”. Não confunde ação com moral interna, cujo fim está na pessoa. A arte tem seu fim numa obra exterior ao artista. A arte imitativa escolhe reproduzir o geral e o necessário; sob as aparências exteriores, ela descobre a essência interna e ideal das coisas “tais quais são ou parecem ser ou tais quais devem ser; ela completa assim a natureza que muitas vezes não conclui sua obra”.
A tragédia, pela imitação dos caracteres e das paixões, valendo-se do concurso da música, do canto, da dança e do espetáculo, pretende provocar um prazer que lhe é próprio, incutindo no ânimo do espectador o temor e a compaixão. Aristóteles investiga as condições em que este resultado é mais seguramente obtido; como técnico, estuda a construção das obras que melhor asseguram tais sentimentos. Da mesma forma que a música apaixonada, a tragédia bem concebida deve provocar no espectador um gozo, que no final do espetáculo deixe a impressão de libertação e calma, de apaziguamento, como se a obra tivesse dado ocasião para o escoamento do excesso de emoções.
A Poética está longe de ser uma teoria geral da poesia em geral , mas marca o começo da libertação de dois erros: tendência a confundir os juízos estéticos com juízos morais e tendência de considerar a arte uma simples reprodução ou fotografia da realidade.
Ainda sobre a “Poética” de Aristóteles, a que se esclarecer que no que diz respeito à unidade de lugar, nada é dito. No que diz respeito à unidade de tempo, Aristóteles sugere que os dramaturgos gregos posteriores, - excluindo Ésquilo, certamente -, tendiam a confinar a ação a “uma revolução solar”. Sublinhou apenas a natureza orgânica do drama, ou, melhor dizendo, a unidade de ação, isto é, a trama.
A Poética chegou ao período moderno de forma fragmentária, e as suas supostas unidades de tempo, lugar e ação foram desenvolvidas, sobretudo, durante a Renascença. Foram impingidas ao teatro europeu pelos eruditos da época, influenciadas, muito mais pela prática de Sêneca e dos escritores romanos de comédia, do que propriamente por Aristóteles. E, na França do século XVII, pelas máximas criticas de Racine, e de outros dramaturgos franceses.
Aristóteles sublinhou que nossas simpatias, na tragédia, poderiam ser melhor conquistadas por uma personagem que não fosse de todo má (de forma que podemos identificar-nos com ela em vez de descarta-la como uma monstruosidade). O herói trágico tenderia a constituir-se num ser humano aceitável se não estivesse sob pressão, mas sofre de um defeito ou falha de caráter, cujo resultado é alguma ação que leva à tragédia. Esse defeito ou falha (poderia acrescentar que, como no caso de Antígona, pode ser até um excesso de virtude), é chamado por ele de hamartia.
Aristóteles percebeu o quanto o efeito visual, ou, o espetáculo, era importante. E esse espetáculo - A peça - mostrava uma história diretamente a uma platéia. E o teatro grego fez uso abundante do espetáculo. Aristóteles considerava o ”espetáculo” subordinado aos elementos dramáticos intrínsecos de uma peça. Na tragédia genuína, temos pena de uma personagem verossímil que sofre por um engano ou ato de violência compreensível, experimentamos medo porque este ou outro mal semelhante poderia ter recaído sobre nós em circunstancias semelhantes. É o problema de como o suscitar da piedade e do temor pode liberar-nos, que está sujeito a diversas explicações. E aí, nem o próprio Aristóteles é explicito neste ponto.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Buda e os caminhos percorridos pelo budismo


BUDA, significa "o iluminado". Ele viveu por volta do ano 600 a.C.. Nasceu na Índia (na região onde hoje fica o Nepal) como o príncipe Siddartha Gautama. Abandonou o palácio e sua riqueza para procurar o conhecimento e descobrir a causa do sofrimento. Buda dizia que o sofrimento é causado pelo apego e pode ser superado com a purificação da mente.
O Budismo surgiu na Índia e chegou ao apogeu por volta de 300 a.C., durante o reinado de Ashoka. Durante 1500 anos foi a principal religião da região e espalhou-se para os países vizinhos. Mas o budismo foi arrefecendo na sua própria terra e desapareceu no ano 1000 d.C., com o renascimento do hinduísmo e a chegada do islamismo à Índia.
Dalai Lama é uma das várias formas de reencarnação de Buda. Nesse caso é tido como o "Buda da compaixão". Trata-se de uma instituição do budismo tibetano nascida no século XVII. Há 300 anos os Dalai Lamas exercem o papel de líderes espirituais e políticos dos tibetanos. Lama significa monge e Dalai, "oceano de sabedoria".
Panchen Lama significa "Buda da luz infinita". No panteão hierárquico budista, os Panchen Lamas estão no topo. Ele exerce papel crucial na escolha do Dalai Lama. Os budistas acreditam que através do renascimento - ou reencarnação - a alma de Buda permanece viva em seus em seus líderes, os monges chamados de lamas.
Sobre como os ensinamentos budistas chegaram às nossas terras, pode-se afirmar que através da “Rota da Seda” – o caminho que ligava os mercados da China e da Índia à Ásia Central, ao Oriente Médio e à Europa, já que algumas cidades dessa rota se tornaram budistas: seus monastérios recebiam os viajantes que transitavam entre Oriente e Ocidente. Nesse mundo florescia a cultura budista do Gandhara, palavra sânscrita que significa perfume. As fronteiras de Gandhara flutuaram pela história, mas o reino se estendia pelos territórios que hoje são o norte do Paquistão e o leste do Afeganistão. O centro do poder o atual Paquistão.
O apogeu dessa cultura aconteceu no reinado de Kanishka, por volta dos 128 a 151 d.C., e durou do século VI a.C. até o século XI da era cristã. Porém, com a invasão islâmica, a partir do século IX, a civilização budista foi perdendo poder e influência. Aos poucos desapareceu como Estado. O grande patrono do budismo foi Kanishka, que iniciou a chamada Escola de Gandhara, considerada a primeira a representar o Buda em forma humana.
Parte da civilização Gandhara sofreu influência grega devido as conquistas de Alexandre, o Ggrande, em 332 a.C. . Um dos muitos exemplos da influência grega na arte de Gandhara é uma estátua do titã Atlas carregando um monumento budista, guardada no Vale de Swat. O vilarejo afegão de Bamiyan, onde ficavam os Budas gigantes, destruídos pelos talibãs, também era uma importante cidade de Gandhara.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Molière e alma do Comediante


Molière - Jean-Baptiste Poquelin - (1622-1673)tinha como tema central de sua obra o deslumbramento da burguesia ascendente com o estilo de vida aristocrático da Corte. Na medida em que ganhou prestígio fazendo suas críticas de costumes, ao fazer muitas das vezes uma profunda análise da sociedade, dos erros humanos, dos artificialismos e dos interesses mesquinhos que regem as relações humanas, mais do que os muitos inimigos burgueses e mesmo da nobreza e do clero, Molière transformou a comédia, de gênero de menor expressão, em gênero igualmente importante.
Molière esteve sempre às voltas com polêmicas. Escola de mulheres e Escola de maridos lhe trouxeram a repulsa da burguesia moralista; Don Juan foi acusado de complacência com a libertinagem; O Tartuffo foi interditada durante anos pela rainha mãe. Molière ainda arrumaria problemas com outras categorias como os médicos, mas mesmo assim era o único considerado "Le comediant du Roi". Foi traído por suas três mulheres, mas quando o autor de O Avarento faleceu sua primeira mulher vai ao Rei implorar por uma sepultura digna.
Ainda jovem resolveu fundar a Illustre thèâtre junto com Madeleine Bejárt, em 1644. Depois de fracassar em Paris com um repertório que incluía peças de Corneille, du Ryer e Hermite, em um ano foi a falência e teve que liquidar o grupo. Neste mesmo ano Poquelin adota o nome de Molière, provavelmente, em homenagem a um amigo dono de um bar que oferecia bebida de graça para o grupo.
E já que Paris não oferecia as condições necessárias para o sucesso, ele e Bejart se uniram a um outro grupo de atores e partiram em excursão pelo interior do país durante treze anos.
Molière representou várias tragédias, mas sempre se destacou nas comédias, sobretudo quando representava suas próprias comédias. As comédias de Molière tem, em geral, cenas bem armadas, mantém a tensão que o teatro, costumeiramente, exige. Seu estilo unia o estilo ligeiro da comédia dell'arte com a métrica clássica da poesia do neoclassicismo francês. Seus personagens eram levemente inspirados na comédia dell'arte, a caracterização dos personagens extraia efeitos cômicos imediatos.
Seus diálogos eram curtos e vivos para a época. Seus diálogos retratavam o cotidiano de um século onde imperava a falsa elegância e a hipocrisia.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Pierre Corneille (1606-1684) Uma figura de transição


A Europa se libertava do medievalismo por meio de uma tremenda explosão criativa durante a Renascença. O passo seguinte era consolidar as vitórias da Renascença, e isso envolvia a estabilização da cultura, especialmente na França e Inglaterra. Também a dramaturgia e o teatro exprimiram essa nova perspectiva de mundo.
De modo geral, os dramaturgos submeteram o heroísmo ou o desejo individual ao dever, e subordinaram a paixão à sensibilidade. O teatro exaltou as civilizadas qualidades do refinamento e da ordem. A tentativa de criar uma tragédia da razão foi um nobre esforço, especialmente, no que toca a obra de três autores: Pierre Corneille, Jean Racine e Jean-Baptiste Poquelin (Moliere).
Pierre Corneille, nascido em 6 de junho de 1606, foi um dramaturgo basicamente de tragédias, apesar de ter escrito algumas comédias. Corneille surpreendeu o teatro francês com sua peça O Cid (Le Cid), em fins de 1636. Neste ano a Inglaterra estava envolvida com uma convulsão social que iria por fim a sua monarquia absoluta, enquanto na França, a monarquia absoluta se encaminhava para o seu apogeu, sob o reinado de Luis XIII. A centralização do poder e o progresso econômico prosseguiu sob esse reinado; fatos que são indispensáveis para uma compreensão da natureza e da filosofia formais do período neoclássico francês.
Corneille, nascido no seio de uma classe média em franca ascensão, era um burguês ascendente, dedicado à Lei, advogado que era. Era chamado de "fundador da tragédia francesa"; escreveu peças por mais de 40 anos. Era o mais velho de seis irmãos. Pertencia a uma família de magistrados de Rouen. Em 1629 um desengano amoroso o leva a escrever seus primeiros versos, para passar em seguida a sua primeira comédia, Mèlite, que entrou no repertório da companhia de um renomado ator da época: Mondory.
Corneille cria um novo estilo teatral, onde os sentimentos trágicos são postos em cena pela primeira vez em um universo plausível, o da sociedade contemporânea de sua época. Torna-se autor oficial por nomeação do Cardeal de Richelieu e, posteriormente, rompe com o status de poeta do "Ancien regimem" e com a política controvertida do cardeal para escrever obras que exaltam os sentimentos de nobreza (O Cid), que recordam que os políticos não estão acima das leis (Horácio), ou, que apresenta um monarca que trata de recuperar o poder sem exercer repressão (Cinna).
Em 1647 é eleito para a Academia Francesa, ocupando a cadeira número 14 até sua morte, em 1684, quando foi sucedido por seu irmão Thomas Corneille.
Haviam dito, sobre sua primeira obra, que estava em desacordo com as regras clássicas, segundo as quais a ação de uma peça deve decorrer em 24 horas, assim como é preciso que seu texto seja vazado em estilo nobre. Corneille decidiu escrever algo que estivesse em conformidade com as regras e fosse "em geral desprovido de valor". Escreveu quatro comédias, e sua primeira tragédia foi a imitação da obra clássica, Médeia, de Eurípides. Porém, a vibrante narrativa dos feitos do mais popular herói espanhol, feita por Guillén de Castro, o atraiu de tal forma que teve como resultado a tragicomédia O Cid.
Nenhuma outra peça traz tão claramente a marca deste poeta rústico, que faz o possível para inserir sua obra nos cânones aristotélicos do neoclassicismo francês. O Cid é, por certo uma obra de transição, assim como seu autor também o é.
Na estrutura e no estilo da peça não se observava com rigidez as regras que eram impostas ao drama naquele período histórico. É bem verdade que ele adulava o princípio de que a ação deveria acontecer num único lugar, durante um único dia. Mas os tempestuosos acontecimentos de O Cid violam o espírito dessas leis. Em 24horas o personagem Rodrigue (O Cid) declara seu amor, trava seu primeiro duelo, mata o pai da mulher que ama, repele uma invasão nacional, ganha um julgamento por combate e no decurso de tudo isso, perde e reconquista o favor de seu rei e da dama de seu coração.
O Cid representou o último tributo de Corneille à individualidade. A partir de então o autor segue sua busca nunca brilhantemente sucedida de ir ao encontro das unidades de tempo, de ação e de lugar, que modelaram a escrita dos séculos XVII e XVIII, na França.
Um áspero poder perpassa o Horácio, sua peça seguinte, na qual Corneille aceita claramente as unidades dramáticas de seu tempo. É o conflito entre o amor e o dever patriótico. Os antigos romanos e seus vizinhos albanos acham-se em guerra. mas Sabina, uma albana de nascimento, é casada com Horácio e Camila, irmã de Horácio se apaixona por Curiácio, irmão de Sabina. A rivalidade nacional cruza, ao acaso, o caminho da afeição natural e os amantes e as famílias. Advém a crise quando Horácio e seus irmãos são designados para combater os albanos, entre eles, Curiácio. Horácio vence, as custas da morte de Curiácio, amado de sua irmã. Outra tragédia segue-se quando Camila, transtornada, incita o irmão a tirar-lhe a vida. Tema que nunca se esgota. Sempre que há nações em guerra, há casos de amor, de separação e de muita dor entre povos parentes e rivais.
Após a morte de Richelieu, em 1643, a crise de identidade que padece a França se reflete na obra de Corneille: acerta contas com Richelieu em "la Mort de Pompée", escreve "Rodugone", uma tragédia sobre a guerra civil, e desenrola o tema do rei oculto em "Heráclito", "Don Sanche d'Aragon" e "Andrômeda", perguntando-se sobre a natureza do rei, subordinado às vicissitudes da história, fazendo assim que este ganhe humanidade. Foi precisamente a maquinaria necessária para pôr em cena Andrômeda, o que justificou a construção do Teatro de Petit-Bourbon, em 1650.
A partir de 1650, suas obras conhecem menores êxitos, até o fracasso de "Pertharite", Corneille deixa de escrever durante vários anos.
O velho poeta não se resigna e renova o teatro com a tragédia Édipo.
Corneille continua inovando o teatro francês até sua morte, os efeitos especiais ("O Velocinode Ouro"), e provando com o teatro musical ("Agésilas", "Psyché"). Também aborda o tema da renúncia, através da incompatibilidade do cargo real com o direito da felicidade ("Sertorius", "Suréna")
Ao final de sua vida, a situação de Corneille é tão ruim, que o próprio Boileau solicita para ele uma pensão real, que Luis XIV concede. Corneille morre em Paris em 11 de outubro de 1684.
A extensão e riqueza de sua obra fez com que, na França, surja o adjetivo corneliano, cujo significado, hoje em dia, é bastante extenso, mas que significa a vez da vontade e do heroísmo, da força e da densidade literária, da grandeza da alma e da integridade e uma oposição irredutível aos pontos de vista.

O Paradoxo do Comediante, DIDEROT


Um importante avanço teórico na dramaturgia francesa veio de Denis Diderot, um filósofo e dramaturgo, que aliado a outros pensadores organizou em sua, enciclopédia, o pensamento vigente naquele período.
Diderot clamava por um novo formato de tragédia, uma tragédia burguesa, que, historicamente ficará conhecido como, drama burguês, ou seja, uma tragédia das classes médias, que trataria dos dramas da gente simples e levaria em conta a condição econômica ou posição social na na composição de suas personalidades. Aplicou, ainda que sem sucesso, seus princípios em suas peças "O filho natural" (1757) e "O pai de família" (1758). Princípios inspiradores do moderno realismo e do drama social.
Em O Paradoxo do comediante, Diderot concebe, a partir da observação de atores de seu tempo em cena, uma nova forma de representar. O principal foco de discussão do livro é a especialização do ator. Essa especialização trai o proprio ofício de comediante (Na França funciona como sinônimo de ator). Ele afirma que o ator se distrai de si mesmo quando se ocupa de um só personagem; diz que é preciso que o ator seja capaz de fazer papéis diversificados, protagonistas e coadjuvantes. O que implicaria em uma nova ética do ator, na medida em que ele precisaria desacreditar dessa especialização.
Nesse mundo plenamente racional, iluminsta, do século XVIII, a idéia de "inspiração" é, via de regra, vista como algo ruim, que gera instabilidade, e o ator precisa, a serviço de seu ofício, como crê Diderot, ser estável, portanto, sem sensibilidade. A ilusão só deve existir para o público. É efeito do produto de uma composição.
Nesse sentido, o ator se torna tão significativo quanto o pintor ou o escultor, na medida em que sua arte se emancipa, ganha um estatuto no momento em que ganha notoriedade. O teatro ganha uma especificidade, pasa a ser o lugar da percepção, o lugar de todo o artifício de ilusão, pois, para o público essa ilusão deve ser completa.

Tragedie domestique et bourgeoise

O teórico de teatro, Peter Szondi afirma que Diderot faz da "tragedie domestique et bourgeoise" (tragédia burguesa doméstica) a exposição e a defesa da pequena família burguesa e sentimental como utopia real, em cujo isolamento burguês, desprovido de direitos, pode esquecer sua impotência na monarquia absoluta e, apesar de tudo, certificar a impressão de que a natureza humana é boa. Na construção desta "utopia real" vai ser fundamental o conceito de virtude, presente na base de dramaturgia de Diderot e de outros autores deste mesmo período.
Diderot, ao substituir a cláusula dos estados que caracterizaria a tragédia, cria o drama burguês. Drama que se opõe à cláusula, na medida em que não está mais preocupada com a origem principesca dos heróis e, sim, que buscava saber o quanto estas personagens estavam impregnadas de sentimentos que fossem verdadeiros, autênticos.
Diderot acaba desenvolvendo o conceito de sentimentalidade, no qual a tragédia se torna drama quando vai arrefecer, apaziguar o conflito de classes e vai, mesmo, unir pessoas diferentes, de classes diferentes. A família pequeno-burguesa, passa a reprimir o conflito de forma "lacrimal", donde decorre outro conceito que é o do "brilho das lágrimas" em contraposição ao luxo e a pompa, habituais na nobreza.
Outro conceito de Diderot diz respeito a um "tableu de sentimentos" que moveria os homens em busca da verdade. E, em nome dessa verdade, o drama cria uma espécie de contensão, que, por sua vez, alimenta e é alimentada por um ideal de civilidade burguesa. "A família burguesa não ousa decidir seus conflitos, senão reprimí-los em lágrimas de contensão e lamento". (DIDEROT, Denis. O paradoxo do comediante. Coleção Os pensadores. 1977)
O que Diderot está propondo é criar um espaço da "Verdade". E seu interesse segue nese sentido, ao dizer que o mundo da bela e virtuosa é, somente, um mundo onde os homens gostariam viver; o mundo verdadeiro está longe disso. Diderot pretende, com seu drama burguês criar a celebração da bondade e da virtude humanos. Virtude que se encontra no centro do estilo sentimentalista françês de meados do século XVIII. Probidade, sinceridade, lealdade e diligência, cânones da virtude protestante fazem parte tanto do domínio privado quanto do público. Ao praticá-lo, o burguês chega a riqueza; ao chegar a riqueza, ele, consequentemente, chega ao poder.
A diferença que parece crucial no modelo de virtude difundido na França de Diderot é que, na França do "Antigo Regime" essa virtude burguesa, que na Inglaterra é pública e meio de expansão social, é, exatamente o seu contrário, ou seja, torna-se algo privado, com o que o burguês se consola fugindo das intrigas e dos males do mundo, entre quatro paredes.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Ética, moral, tradição, traição, inspirado nas leituras de A alma imoral e Ética e moral

Toda moral, toda tradição, toda religião e toda lei são produtos do corpo moral, de um animal moral. E toda a sociedade está voltada para vestir a nudez do ser humano. O homem se torna um animal moral no momento exato em que se percebe nu, de um nu que se vê nu e por isso precisa se esconder dos outros e de si mesmo. Essa é a tese defendida pelo rabino Nilton Bonder, no livro A alma imoral e pela atriz Clarice Niskier em peça homônima.
O livro busca refletir sobre a imprescindível imoralidade da alma – sobre seu constante questionamento e critica à moral do corpo como sendo necessariamente a melhor forma de representar nossos interesses. Busca resgatar nos ensinamentos da tradição judaica o conhecimento de que a verdadeira alma é transgressora. Essa imoralidade, que muitas vezes ameaça o corpo é o lugar onde o ser humano briga com seu Deus e, dessa contenda se inventa o novo homem. Por mais que haja digressões espirituais, por mais que haja um enfoque religioso, o que tanto peça quanto livro falam, é do ser humano e de sua capacidade de transgredir. A obra busca encontrar justificativa bíblica para essa transgressão humana, tão antiga quanto à própria humanidade, e responsável por toda a evolução da sociedade, ainda que a custo, eventualmente muito alto.
O conceito de tradição como algo ligado intrinsecamente à traição é o arcabouço teórico que sustenta a argumentação do livro e que sedimenta a dimensão ética da peça. Para ambos a tradição é a palavra que veio como tarefa do próprio instinto assumida pela consciência humana. Preservar-se como espécie é estar atento aos ensinamentos sociais que se preocupam com a preservação do desígnio e sentido maior de nossa existência: a reprodução. São três as principais áreas que compõem a tradição: a família, os contratos sociais e as crenças. O animal moral tem na tradição um instrumento fundamental para a sua preservação.
Por outro lado, a traição é da ordem da transcendência. E transgredir, é transcender. Nossa história não teria mártires, caso fosse impossível transcender sem colocar em risco a sobrevivência da espécie. O mártir é o que morre por todos nós. Sua transcendência inaceitável é um monumento à nossa possível imortalidade. É preciso errar, infringir, violar e transgredir o status quo para que possa haver uma transcendência desejada, paradoxalmente, pela própria tradição. Portanto, é preciso trair a tradição para que se crie o novo, o novo mundo e o novo homem. É fundamental percebermos a natureza intrínseca de toda a experiência espiritual como tensão constante entre duas preocupações diametralmente opostas: preservar e trair. A traição, nesse sentido dado pelo livro, é responsável por trazer o novo.
Uma resposta à indagação religiosa proposta por Bonder, é dada por Leonardo Boff no livro Ética e moral, no qual ele define uma genealogia da ética e da moral. Segundo Boff, identificamos duas fontes que orientaram e orientam ética e moralmente as sociedades até os dias de hoje: as religiões e a razão.
As religiões continuam sendo os nichos de valor privilegiados para a maior parte da humanidade. Samuel Huntington em O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial reconhece objetivamente que “no mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força que motiva e mobiliza as pessoas”. O que conta para as pessoas é aquilo com o que elas se identificam, suas convicções religiosas. Por isso elas combatem e até estão dispostas a morrer.
O que é interessante nessa análise de Boff é que a identificação dos pontos comuns entre as religiões são muitos e permitem a elaboração de um consenso ético mínimo, capaz de manter a humanidade unida.
A fundamentação racional da ética e da moral (ética autônoma) representou um esforço admirável do pensamento humano desde Sócrates. Tarefa que se encontra em aberto, distanciando-se de outros esforços éticos fundados em outras bases que não seja a razão. O nível de convencimento entretanto, tem sido parco e restrito aos ambientes acadêmicos não tão intelectualizados, por isso com limitada incidência no cotidiano das populações. Para o povo, portanto, o que vale, de fato, é a ética religiosa. E a ética, para ganhar um mínimo de consenso, deve brotar da base última da existência humana, e esta não reside na razão, como sempre pretendeu o ocidente.
A razão não explica tudo, nem abarca tudo. Segundo Boff, ela se abre para baixo, de onde emerge de algo mais elementar: a afetividade. E abre-se para cima, para o espírito, que é o momento em que a consciência se sente parte de um todo e que culmina numa contemplação e na espiritualidade. Portanto, Boff defende uma alteração da expressão clássica descartiana: “Penso, logo existo”; para “Sinto, logo existo”, por entender que a base de tudo, de todo projeto ético universal é a afetividade. Projeto que põe o afeto à frente de qualquer tomada de decisão e que parece ser o fio condutor da existência.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

A liberdade como um problema político

Na linguagem política, há diversos significados para o termo liberdade. A liberdade como uma qualidade ou propriedade física e moral do indivíduo, ou a liberdade enquanto valor, enquanto bem, ou fim a perseguir, é habitualmente considerada como um bem ou um fim para um indivíduo ou para um ente coletivo (grupo, classe, nação, estado), concebido como um superindivíduo. Liberdade é, em geral, um valor para o homem como indivíduo.
Os dois significados relevantes se referem àquelas duas formas de liberdade que são habitualmente chamadas, com freqüência cada vez maior, de negativa, e positiva. Por liberdade negativa, na linguagem política, entende-se a situação na qual um sujeito tem a possibilidade de agir sem ser impedido, ou de não agir sem ser obrigado, por outros sujeitos. A liberdade como ausência de impedimento ou de constrangimento, entende-se como liberdade negativa, e compreende tanto a ausência de impedimento, - a possibilidade de fazer -, quanto à ausência de constrangimento, - a possibilidade de não fazer. Liberdade, nesse sentido, freqüentemente chamada de liberdade negativa, consiste em fazer ou não fazer tudo o que as leis, entendidas em sentido amplo, permitem ou, ao menos, não proíbem.
Thomas Hobbes revela ter bem clara em sua mente essa idéia de liberdade, que a ilustra nos seguintes termos: "(...) como os movimentos e ações dos cidadãos nunca são em sua totalidade regulados por lei, e nem podem ser por causa de sua variedade, por isso há uma quase infinidade de atos que não são comandados, nem proibidos, e que cada qual pode fazer livremente. É neles que cada qual goza de liberdade e é nesse sentido que aqui se toma liberdade, a saber, como a parte do direito natural que é concedida e deixada aos cidadãos pelas Leis Civis". John Locke não se expressa de forma diferente: "(...) a liberdade dos homens submetidos a um governo consiste (..) na liberdade de seguir minha própria vontade em todas as coisas não prescritas por essa regra, e não estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de um outro homem". A formulação clássica dessa acepção de liberdade foi dada por Montesquieu: "A liberdade é o direito de fazer o que as leis permitem".
Por liberdade positiva, entende-se a situação na qual um sujeito tem a possibilidade de orientar seu próprio querer no sentido de uma finalidade, de tomar decisões sem ser determinado pelo querer de outros. Essa forma de liberdade é também chamada de autonomia. É positiva porque indica a capacidade de se mover para uma finalidade sem ser movido. Autodeterminar-se significa não ser determinado por outros ou não depender dos outros para as próprias decisões. A definição clássica desse tipo de liberdade foi dada por Jean Jacques Rousseau, para quem a liberdade civil consiste no fato de o homem, enquanto parte do todo social, não obedecer a outros, e sim, a si mesmo. Ou ser autônomo no sentido preciso da palavra, no sentido de que fornece leis a si mesmo e obedece apenas às leis que ele mesmo se deu: A obediência às leis que prescrevemos para nós é liberdade.
O que permite distinguir nitidamente as duas formas de liberdade é que a liberdade negativa é uma qualificação da ação; a liberdade positiva é uma qualificação da vontade. Mais do que de liberdade negativa e positiva, mais apropriado, seria, falar de liberdade de agir e liberdade de querer. O fato de que uma ação seja livre querer dizer, segundo a definição de liberdade negativa, como não impedimento, que essa ação pode ser realizada sem encontrar obstáculos, pode-se dizer que tal ação é livre independentemente do fato de que tenha sido desejada e, mais ainda, de que tenha sido desejada por uma vontade livre.
Uma sociedade ou um Estado livre, na esfera política, é uma sociedade ou um Estado nos quais a liberdade negativa dos indivíduos ou dos grupos é acompanhada pela liberdade positiva da comunidade em seu conjunto, nos quais uma ampla margem determinada de liberdade negativa dos indivíduos ou dos grupos (as chamadas liberdades civis), é a condição necessária para o exercício da liberdade positiva do conjunto (a chamada liberdade política).
A liberdade é a ausência de todos os impedimentos à ação que não estejam contidos na natureza. A liberdade política de Rousseau se determina com base nos ditames da razão seja essa a razão divina ou cósmica. Dessa liberdade pode-se dizer que não consiste em não se estar submetido a nenhuma lei, mas, sim, em se estar submetido à lei da razão.
As liberdades civis, protótipo das liberdades negativas, são liberdades individuais, inerentes ao individuo singular. São, historicamente, o produto das lutas pela defesa do individuo, como tendo um valor em si mesmo, ou como sujeito das relações econômicas. A liberdade como autodeterminação, ao contrário, é geralmente atribuída a uma vontade coletiva, seja ela à vontade do povo, da comunidade, da nação ou da pátria. O que significa que o problema historicamente relevante não é tanto o da autodeterminação do indivíduo singular (questão teológica, filosófica ou moral), mas antes o da autodeterminação do corpo social do qual o indivíduo faz parte.
É significativo que, para o tipo de liberdade determinado por Hobbes, Locke e Montesquieu, empregue-se freqüentemente a fórmula liberdade em face do Estado, que chama a atenção para liberdade do individuo em relação ao Estado, enquanto, que para Rousseau, emprega-se a fórmula da liberdade do Estado, onde o sujeito da liberdade é o ente coletivo Estado. As teorias que sustentam essa liberdade têm como paradigma Rousseau, que sustenta uma concepção orgânica da sociedade e têm como objetivo, não a liberdade dos indivíduos, mas a liberdade do todo. Basta pensar nas quatro liberdades proclamadas por Roosevelt, na mensagem ao congresso dos Estados Unidos, em 5 de janeiro de 1941. São elas; liberdade de culto, liberdade de palavra, liberdade em face do terror e liberdade em face da necessidade.
Na história da formação do Estado constitucional moderno, a demanda da liberdade política se processa simultaneamente com a demanda das liberdades civis. Na idéia lockiana do governo civil, é impossível separar o princípio da proteção de alguns bens fundamentais, como a liberdade, a vida e a propriedade, da participação do povo na formação das leis, embora o povo seja constituído por uma restrita classe de proprietários. A liberdade entendida como a participação da maior parte dos cidadãos no poder político é uma participação que se amplia gradualmente até o sufrágio universal masculino e feminino. Longe de ser antiga, é cada vez mais moderna.
Sem liberdades civis, como a liberdade de imprensa e de opinião, como a liberdade de associação e de reunião, a participação popular no poder político é um engano; mas, sem participação popular no poder, as liberdades civis têm bem pouca probabilidade de durar. Enquanto as liberdades civis são uma condição necessária para o exercício da liberdade política, a liberdade política é uma condição necessária para, primeiro, obter e, depois, conservar as liberdades civis. Democratas como Rousseau, na exaltação da vontade geral como expressão da participação coletiva do corpo político, negligenciaram as liberdades negativas, a ponto de afirmar que a vontade geral não tem limites, não sendo limitada pela existência de direitos pré-constituídos.
A evolução do Estado representativo moderno foi caracterizada por uma luta ininterrupta no sentido da ampliação das liberdades civis e da liberdade política. Trata-se de um movimento que vai da liberdade de opinião, inicialmente limitada à liberdade religiosa, até a liberdade de imprensa; da liberdade de reunião até a liberdade de associação, chegando-se à sofisticação dos partidos ; do sufrágio restrito ao sufrágio universal, do fortalecimento do sistema representativo, até a criação dos institutos de democracia direta.
Recorre-se à distinção entre a vontade geral, que seria a verdadeira vontade do corpo social, e a vontade individual, que seria a vontade dos cidadãos individualmente. Considera-se que o indivíduo é livre somente quando obedece à primeira, ou seja, à vontade geral, que ele mesmo contribui para formar. Isso explica a liberdade como sendo obediência às leis, na medida em que elas sejam a mais alta e clara expressão da vontade coletiva. A verdadeira dificuldade consiste em determinar historicamente uma vontade coletiva de natureza tal que as decisões por ela tomadas devam ser acolhidas como a máxima expressão da vontade de cada indivíduo, de modo que cada um, obedecendo a todos, como diz Rousseau, não obedeça a ninguém e seja tão livre quanto antes.
A sociedade ideal para Rousseau é a do Contrato Social, onde cada um é livre não pela extensão da esfera de liberdade negativa de que desfruta, mas na medida em que obedece à lei que ele mesmo se deu, através da formação de uma vontade geral.
Segundo Norberto Bobbio, “Quando, no início do Contrato Social, Rousseau escreveu as fatídicas palavras o homem nasceu livre, e por toda parte encontra-se em cadeias, indicou na libertação das cadeias, no ideal da liberdade, o sentido da história”. A revolução francesa aparece como a primeira e entusiasmante realização desse ideal.
A liberdade na tradição liberal é individualista e encontra sua plena realização na redução a termos mínimos do poder coletivo, personificado historicamente pelo Estado; a liberdade da tradição libertária é comunitária e se realiza plenamente apenas na máxima distribuição do poder social, de modo a que todos participem dele em igual medida. A sociedade ideal para Marx é uma sociedade livre de indivíduos associados. Já a liberdade na tradição liberal é individualista e encontra sua plena realização na redução a termos mínimos do poder coletivo.
Segundo Nieztsche, “Deseja-se a liberdade enquanto ainda não se tem a potência. Quando se tem a potência quer-se o predomínio; se não se consegue o predomínio, então se quer a justiça, ou seja uma potência igual”.
Marx, no capítulo I do Manifesto do partido comunista saudou o advento da burguesia como um dos grandes movimentos libertadores da história: “somente a burguesia demonstrou que a atividade do homem pode realizar”.
De Montesquieu a Marx, a categoria histórica com que se caracteriza tudo o que não é europeu é o despotismo. A Europa é livre porque conseguiu triunfar contra a opressão religiosa, contra a opressão econômica e contra a opressão política: é uma civilização secularizada contra os regimes sacerdotais, de livre iniciativa contra os impérios burocráticos onde a economia é regulada pelo alto, democrática contra o domínio de um ou de poucos. Marx, afirmava, sobretudo que a emancipação apenas política não era a emancipação humana; e que a emancipação humana deveria começar pela sociedade civil.
A idéia de que a libertação da humanidade seria algo inexorável foi o efeito não só do entusiasmo moral suscitado pela Revolução francesa, mas também da subversão do vínculo tradicional entre sociedade civil e Estado. Da descoberta da preeminência da sociedade civil sobre o Estado que se seguiram às primeiras reflexões sobre a incipiente sociedade industrial.
Do Leviatã, de Hobbes, passando pelo liberalismo lockiano, pela organização social de Montesquieu e pelo Contrato Social de Rousseau é constante e firme a convicção de que o Estado é apenas um reflexo da sociedade civil e que, portanto, uma vez libertada a sociedade à potência do Estado este não terá mais razão de existir.

domingo, 2 de dezembro de 2007

A validade do projeto Chavista e a importância da imprensa

Não sou exatamente um fâ do Hugo Chaves, nem poderia ser, mas tenho dúvidas quanto às reformas propostas, ou impostas, por ele não serem, de todo, válidas. O que quero dizer é que, por exemplo a reeleição sem limites é um mecanismo adotado na França e em outros países europeus e que só deixou de ser utilizado nos EUA, depois que Franklim Delano Roosevelt se elegeu pela terceira vez e a oposição temeu que ele se perpetuasse no poder. Acho o rodízio saudável, mas cabe ao eleitor decidir quando, quem e quantas vezes se deve colocar alguém no poder. Nas últimas eleições venezuelanas não houve marmelada alguma; se lembrarem, o ex-presidente americano Jimmy Carter estava lá para avalizar aquele pleito, saiu de Caracas sem nenhuma suspeita grave que desabonasse a eleição.
Outra questão relevante é que não havia Constituição na Venezuela até o primeiro governo Chaves, Constituição que ele pretende e, pelo visto, vai mudar. É claro que o Chaves faz chantagem quando ameaça parar de enviar petróleo para os EUA, e isso é preocupante, é claro que seu comportamento com a oposição é degradante - mas a oposição venezuelana é tão ruim ou pior do que ele -; é claro que pegou muito mal o fechamento da RCTV, mas como era uma concessão pública ele se sentiu no direito de tirar do ar uma emissora comandada por um inimigo político que pregou no ar o seu assassinato; nunca houve um caso assim no Brasil; é claro que o Brasil deve por as barbas de molho quando o Chaves visita a Bolívia e promete mundos e fundos, afinal de contas, investimos muito naquele gás boliviano e hoje dependemos em parte daquela energia; é claro que uma parceria entre o petróleo venezuelano representado pela PDVSA e o brasileiro da PETROBRAS, preocupa, na medida em que Hugo Chaves age feito rato e ataca quando se sente acuado. Mas, no caso da senadora sequestrada, ele só não conseguiu o resgate porque o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe atendeu a uma determinação política norte-americana de não-negociar com terroristas. Como a senadora é cidadã é franco-colombiana e pessoa pública, o Sarkozi, presidente da França, resolveu entrar na história e chamou o Chaves para conversar, certamente chamará o Uribe também e, se duvidar, pela via Chaves vão acabar libertando a senadora e outros reféns das FARC, depois de cinco anos de cativeiro.
Me parece claro que há uma mudança radical em curso naquele país, é claro também que há muitos insatisfeitos, mas há muitos partidários de suas políticas, políticas que conheço pouco, mas que acho que a imprensa deveria analisar bem, com cuidado, pois pode ser muito pior do que é, e pode ser um pouco melhor do parece, quem sabe?
A população venezuelana parece cortada ao meio pela proposta Chavista. Acho que nós brasileiros temos que ficar bem atentos para não resvalar nada para o nosso lado, mas não devemos ser ingênuos de achar que ele, Hugo Chaves, seja apenas algum tipo de ditadorzinho latino-americano querendo se perpetuar no poder. Pode até ser, mas suspeito que este senhor queira realmente uma mudança radical no país que administra, suspeito marque uma geração. Acho, inclusive, que essa política levada a cabo por ele e seus partidários trará frutos importantes para Venezuela, só não sei se para o bem ou para o mal.